Peço licença ao menino Nelson, mas se o Fla-Flu aconteceu 40 minutos antes do nada, teve Ba-Vi na preliminar. Não que o jogo de fundo seja o Fla-Flu, e se você assim entendeu, perceba que em questão aqui está o início de tudo, no que o clássico baiano galga importantes passos rumo à glória. De nada.
Lembremos que enquanto no Rio povo joga futebol ou pelada, na Bahia a gente bate é um baba. Baba que se faz nas traves de bloco de construção ou na chinela, regado a topada de dedão e muita pirraça.
Lá no Buraco da Jia, no pé do Acupe de Brotas em Salvador, tinha o Dri. Menino baixinho de tudo – certamente a desnutrição fez mais uma vítima, ou talvez eu que sempre fui grande demais – cabeçudo, barriga vérmino-saliente, mas que dominava uma bola com grande habilidade. Tamanha que provocava a ira dos maiores, sempre humilhados pelo diminuto projeto de gente, que esperto como os fracos e os covardes são, corria da briga e das discussões porque sabia que bastava um para se dar mal. Na hora de tirar time, era o Dri e mais quem fosse.
O baba se bate na vazante da maré, na quadra arrebentada do bairro, na rua; onde der e tiver gente e tiver redonda. Se faz mesmo na bola perdida que desce morro abaixo, mais uma, a se juntar com as irmãs que já se foram, abrindo espaço para as mais novas, para a renovação da pelota. Que fura no arame farpado para ser remendada com faca quente.
Nele se faz atividade extracurricular de zombaria, porque tudo na Bahia acaba em sacanagem. Sempre tem um que fica retado e sai batendo o pé, para deleite de todos que ficam, exceto quando esse é o dono da bola, porque com ela debaixo do braço, acaba o baba. Sou daqueles que acham que quem leva a bola embora assina atestado de menino amarelo.
Aparece gente com a camiseta do Bahia, gente com a do Vitória, gente sem camisa, e não importa, porque todo mundo sabe quem é quem. Enquanto no longe da Boa Terra altar é feito para Messis e Ronaldos, no baba, meu irmão, o que importa é Brocador, Kieza, Naldinho, Raudinei e Alex Alves. Entendem que o que é da Bahia é melhor. Afinal, Obina é melhor que Eto’o.
No que o Ba-Vi é o máximo permitido da formalização do baba. Correndo atrás de bola, menino queria era subir pelos vestiários atrás do gol do Dique, com foguetório a dizer que “hoje tem!” Quer poder ir ao estádio e sentar lado a lado com seu melhor amigo e assistir a seu time do coração com a oportunidade de abusar o companheiro ali, na hora.
Na antiga Fonte perdi a conta de quantos Ba-Vis assistimos na torcida mista, no meio do degradê entre o vermelho-e-preto e o branco-azul-e-vermelho. Onde famílias se juntavam para comer amendoim de toda sorte. Onde menino podia gritar gol e ainda virar para o outro do lado e mandar um “tome, mizéra!”, no meio de risadas e alegria.
Na terra onde cada coisa não tem o seu lugar, muito menos tem sua hora, o público e o privado se confundem. Nada de você pra lá e eu pra cá, numa diferenciação por cor da camisa que nunca quisemos que existisse, mas o mercado diz que o mandante tem 90% dos ingressos.
Não e nécaras!
A volta da torcida mista é o ápice do retrocesso progressista, quando voltamos ao que temos de melhor. Retornamos no tempo e damos chance à civilidade. Enaltecemos aquilo que nos faz baianos.
Porque, se você ainda não notou, antes de time, a gente é baiano. Podemos recriar o espaço onde a teoria encontra a prática e a Bahia se faz, na extensão do que é, porque aqui e ali é tudo igual. E quando a bola rolar neste Domingo, menino – velho ou novo – vai estar sentado nas cadeiras da nova Fonte comendo seu amendoim, tomando seu sorvete e aprendendo que o ludopédio não permite guetos nem muros nem grades.
Se for para separar, apenas e somente com uma condição: o Dri está no meu time.
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