Dizia ela, com certo orgulho: “Tenho três amigas e só. Não preciso de mais.”
Amigos são tempero para a vida, próximos ou não. Entendo seu lado de quem que luta tão ferozmente para manter suas amizades mais antigas em redoma protetiva, imune a ataques, distância e falta de comunicação. Não se questiona, amizade é algo que deve ser preservado. Era, por que não?, poético aquilo a que se propunha, uma heroína dentro de um mundo moderno que avalia proximidade por quantidade de likes e substitui um por outro sem grande motivo. Avaliava ela que, na hora do aperto, elas estariam sempre por perto. Tal qual uma apólice de seguro que mantinha guardada num cofre pesado com chave secreta.
Ao mesmo tempo em que o belo da luta pela preservação se externava, causava-me grande tristeza o limite estabelecido. “(…) e só. Não preciso de mais.” Proferidas estas palavras, não percebia que, automaticamente, tratava todo o resto como dispensável, como gente menos importante. Fecha-se para nova amizade, que incapaz de crescer, padece e some.
De outra feita, amigo durante um churrasco é perguntado por outrem se éramos da casa – dividida por mais de dezena de amigos, manter tração de todos os cada uns é complicado – ou de fora. Tendo eu já respondido ser amigo de um dos donos da casa, ele responde que é mais amigo do dono do que eu. E completa “a bebida entra e a verdade sai.” Havia vitória em seu etílico discurso, que se transformava em algo tão patético quanto desnecessário. “Sou mais amigo” demonstrava uma necessidade latente de ser o mais querido, de ser aceito, de se fazer superior. Em nada mudava a minha vida ou a vida de quem perguntava, mas estufava o peito auto-inflado satisfeito pela alcunha verdadeira e tola.
Gradações em relacionamentos são calculadas da porta para dentro e não possuem qualquer efeito comparativo com terceiros. As categorias de relacionamentos são fato, todos as temos. Para alguns, fazer-se o mais é importante para fortalecer uma autoestima abalada. O que me acabrunhava no caso da minha amiga era a impossibilidade de mobilidade, de ascensão na escala da amizade. Saía pronta para a vida e dali era para menos, nunca para mais.
Nesta mesma linha, ouvi de alguém que viajaria para fora do Brasil pela primeira vez, e em vez de expectativa pelo novo, afirmava que nada faria, passeios não o atraíam. Completava dizendo que “para quê? Se eu não posso ter todo dia, não me interessa.”
As amarras que nos prendem ao que temos construído são fortes demais. Nos enroscam pelos pés e nos permitem olhar somente para o passado. Baseado nestes conceitos que as redes sociais da vida criam os lembretes de um ano antes. Olhar o caminho que nos trouxe até aqui é importante para lembrarmos que a jornada continua, mas não deve tomar o lugar do olhar adiante. Pra frente é que se anda.
Precisamos de amigos. Eles vêm, eles vão, ficam dormentes e emergem. Nos decepcionamos e nos surpreendemos, às vezes simultaneamente. Dobramos a esquina pro lado errado e cruzamos com o amor de nossas vidas, com o nosso futuro amigo de infância. Se, acaso, me quiseres, sou dessas pessoas que só dizem sim ao ineditismo (não necessariamente às suas consequências).
Abraçar a vida em seu ineditismo é passo fundamental para a felicidade.
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