O que os apoiadores do presidente Trump mais temem não é a corrupção das leis americanas, mas a corrupção da identidade nacional americana.
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(Artigo publicado na The Atlantic em 22 de agosto de 2018. Original em inglês AQUI.)
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Na quarta-feira pela manhã, a matéria principal na FoxNews.com não era a Michel Cohen ter admitido que Donald Trump o havia instruído que violasse leis de financiamento de campanha ao pagar um cala-boca para duas das amantes de Trump. Era assassinato de uma mulher branca no Iowa, Mollie Tibbetts, supostamente por um imigrante ilegal latino, Cristhian Rivera.
Num primeiro momento, as duas histórias têm pouco em comum. Fox está simplesmente cobrindo o assassinato no Iowa porque ele desvia atenção da revelação que faz Trump aparecer mal. Mas num segundo momento, as duas histórias estão conectadas: elas representam noções concorrentes do que é corrupção.
A confissão de Cohen realça um dos enigmas permanentes da era Trump. Apoiadores de Trump afirmam se importar com a corrupção. Durante a campanha, eles saudaram sua promessa de “acabar a mamata” em Washington, D.C. Quando a Morning Consults perguntou aos americanos em maio de 2016 para explicar porque eles não gostavam de Hilary Clinton, a segunda resposta mais comum foi que ela era “corrupta”. Ainda assim, os apoiadores de Trump pareciam não se preocupar com a montanha de evidências de que Trump é o líder menos ético na história moderna americana. Quando perguntados no mês passado se eles consideravam Trump corrupto, apenas 14% dos Republicanos disseram que sim. Até mesmo a confissão de Cohen não deverá mudar isso.
A resposta pode estar em como Trump e seus correligionários definem corrupção. Em um livro intitulado “Como o Fascismo Funciona”, o professor de Filosofia da Faculdade de Yale Jason Stanley faz uma afirmação intrigante. “Corrupção, para o político fascista,” diz ele, “é na verdade sobre a corrupção da pureza em vez da corrupção da lei. Oficialmente, as denúncias de corrupção de um político fascista soam como uma denúncia de corrupção política. Esta fala, no entanto, tem a intenção de evocar corrupção no sentido da deterioração da ordem tradicional.”
A decisão da Fox de priorizar o assassinato em vez da confissão de culpa de Cohen ilustra o ponto de Stanley. Aos olhos de muitos dos telespectadores da Fox, eu suspeito, a rede de televisão não está ignorando corrupção, mas sim enfatizando o tipo de corrupção que realmente importa. Quando Trump ordenou que Cohen pagasse para silenciar mulheres com quem tinha tido um caso, ele talvez tenha violado a lei. Mas ele estava defendendo e simbolizando as hierarquias tradicionais de gênero e de classe. Desde tempos imemoriais, homens poderosos têm traído suas esposas e usado seus poderes para escapar de punições.
O assassinato em Iowa, ao contrário, significa a inversão – a corrupção – daquela “ordem tradicional”. Através da história americana, poucas noções foram tão sacrossantas quanto a crença de que mulheres brancas devem se proteger de homens não brancos. Por supostamente ter assassinado Tibbetts, Rivera não apenas violou a lei. Ele fez algo mais subversivo: ele violou as normas raciais e sexuais americanas.
Uma vez que você tenha aplique este conceito para o caso de Trump e seus apoiadores, de que corrupção significa menos a violação da lei e mais a violação de hierarquias estabelecidas, o comportamento faz mais sentido. Desde 2014, Trump mencionou a expressão “estado de direito” nove vezes em tuítes. Sete destas se referindo a imigração ilegal.
Por que estavam os apoiadores de Trump tão convencidos de que Clinton era a candidata mais corrupta mesmo quando a imprensa descobria e publicava mais evidências condenatórias sobre Trump do que sobre Clinton? Provavelmente porque a candidatura de Clinton ameaçava papéis tradicionais de gênero. Para muitos americanos, a ambição feminina – especialmente a serviço de uma agenda feminista – represente, em si, uma forma de corrupção. “Quando mulheres políticas eram descritas como ambiciosas por poder,” notaram os pesquisadores de Yale Victoria Brescoll e Tyler Okimoto em um estudo de 2010, “os participantes demonstraram sentimentos de indignação moral (por exemplo, desprezo, raiva e/ou repulsa).”
A confissão de Cohen torna mais complicada para os Republicanos a tarefa de negar que Trump tenha descumprido a lei. Mas isso não importa. Para muitos Republicanos, Trump permanece incorruptível – de fato, anti-corrupção – porque o que eles mais temem não é a corrupção das leis americanas; é a corrupção da identidade tradicional americana. E no esforço contra esta forma de corrupção – a do tipo personificada por Cristhian Rivera – Trump não é o problema. Ele é a solução.
PETER BEINART é um dos editores da The Atlantic e um professor associado de jornalismo e ciências políticas da City University of New York (Universidade da Cidade de Nova Iorque).
Agora faça um exercício e transfira esta mesma situação para os adoradores de Bolsonaro no Brasil e veja como encaixa perfeitamente no perfil que ele apregoa. Esta clareza de perfil de discurso deve pautar a forma como se confronta o Bolsonarismo e se derruba seus castelos de areia.
Crédito da foto: Anthony Behar