Tirem as crianças da sala, corra para garantir a sua dose do ansiolítico tarja preta, capriche na meditação, alongue na yoga, limpe seus chacras, emende orações e . Faça o que for necessário para reforçar a paz de espírito. Porque hoje vai começar a grande festa sádica da democracia, a orgia para a qual somos obrigatoriamente convidados a cada 2 anos, pagando ingresso e entrando com a retaguarda. Sim, chegou, já está aí!, o gloriosamente famigerado horário político.
Atestaremos o ápice do cinismo, a propagação de falsas promessas, a inundação de demagogia, o exagero de números, o compartilhamento de correntes de Whatsapp. Veremos até onde poderão ir aqueles que tentarão duas vezes por dia nos fazer de idiotas, mas de maneira passivo-agressiva, meio que sem-querer-querendo, sob qualidade fúnebre de um marketing mal-amanhado pautado pelo caixa dois, abusando de simplórios jingles dançantes e militância paga carregando bandeiras, distribuindo abraços e arregaçando as mangas.
Assistiremos a falácia do discurso do novo em companhia daquele que se diz mais novo, gente reivindicando lugar de fala da novidade messiânica, mas vindo da mesma origem, do mesmo ponto de privilégio. Ouviremos, pois sim, a homília em devoção de Santo Expedito, tantas as causas impossíveis profanadas. Trem bala? Claro, teremos! Obras acabadas? Sim, todas! Emprego para todos? Bastam aleluias e muita fé! Viagem a Marte? Claro, com baldeação no metrô mais próximo!
É tanta lamúria sapequice proméssica que proponho um aviso antes de cada horário político: este programa não é recomendado para pessoas com estômago fraco.
Os candidatos do governo assentirão estarmos no País das Maravilhas, uma mistura de benesses públicas dignas de Suécia, de liberdade econômica típica de Hong Kong, entretenimento nível EUA, praias da Polinésia Francesa, montanhas dos Alpes Suíços, pastos de unicórnios dançando e cantando ao som de música clássica, plantações recordes e sem agrotóxicos, pleno emprego – porque não trabalha quem não quer.
Os candidatos da oposição bradarão o contrário. Somos, pois, uma mistura de Guerra Civil com Venezuela, de desemprego galopante, depredação familiar, o horror!, O HORROR! (Impossível não concordar que estamos mais próximos destes que daqueles.)
Neste rame-rame entre os que lá estão e os que lá querem estar, saco do coldre o sábio Millôr Fernandes, que sacramentou a verdade universal. Às aspas:
A plataforma do partido no poder é basicamente deixar como está para ver como fica.
Já a plataforma do partido da oposição é a mesma, mas contra.
Palavras da salvação!
Não faltam lições a serem aprendidas. Já vimos em anos anteriores, por exemplo, que pior do que estava pode ficar. Mas a maior dever de casa de todos ainda nos recusamos a fazer. Pesquisar até a exaustão quem são os candidatos, quais plataformas defendem, quais interesses carregam. Buscar o que dizem, com quem andam. Questionar enfaticamente seus pontos, seus argumentos. Forçar que os levemos até a página três, na caça de conteúdo efetivo, além das palavras de ordem e clichês.
Eu, por outro lado, aprendi uma lição ainda mais importante. Primeiro, precavido, vou colocar duas calças jeans e assistir com as costas encostadas na parede. Depois, prepararei um balde de pipoca, criando o ambiente ideal para acompanhar o espetáculo de humor sádico, em que os alvos do escárnio somos, claro, nós.
Daí, quando o descontentamento e a desesperança tomarem conta, desligarei a TV macambúzio, retornando às ações do primeiro parágrafo, querendo recarregar as energias. E, em loop, estar lá de volta, porque ficar alheio à política é caminho curto para o desastre.