No dia 6 de julho de 2020, Fernando Haddad, ex-prefeito da cidade de São Paulo e candidato do PT à presidência da República em 2018, foi o entrevistado do Roda Viva, da TV Cultura. A entrevista, importante no cenário atual de flerte anti-democrático, serviu para expor a necessidade de se vilanizar o PT a qualquer custo, algo visível na postura da mediadora, a jornalista Vera Magalhães.
No dia 08 de outubro de 2018, um dia depois do primeiro turno da eleição presidencial que levou Jair Bolsonaro e Fernando Haddad ao segundo turno, o Estadão soltou editorial que se tornou um exemplo perfeito do absurdo de entendimento a que o antipetismo levava. Apesar de todas as indicações não-democráticas do então candidato da extrema-direita, era necessário colocar Haddad no polo oposto. Se a comparação é desproporcional e inconcebível hoje, na época, bem, na época também era, mas muita gente achou que era possível domar Bolsonaro.
Não precisou de muito tempo de governo estabelecido para que muita gente caísse em si do erro catastrófico que foi eleger um autoritário do baixo clero à presidência. No que a pandemia apenas expôs, sem chances de contestação, a incompetência atroz, a limitação cognitiva e um desejo de morte que sempre fez parte da caminhada de Bolsonaro.
Mas o ressentimento dos bolsonaristas arrependidos não faz com que se enxergue o PT como adversário político que atua no campo democrático. Esquece-se, por exemplo, da autonomia da PF, do MPF e da PGR nos governos petistas, algo que ruiu no governo atual. Fingem não existirem os erros crassos do julgamento de Lula e os exageros da Lava Jato. O que também, fique-se claro, não significa que o PT não tenha culpa no cartório.
Ao fato: se quem dá autonomia aos órgãos fiscalizadores do bem-fazer público não necessariamente atua dentro da legalidade, quem atua ativamente para minar a independência destes órgãos seguramente tem muita culpa a ser encoberta.
Haddad e os questionamentos esperados
Como convidado do Roda Viva, Haddad sabia que enfrentaria alguns questionamentos que vão no cerne do entendimento coletivo que se tem do partido. Como candidato a presidente segundo colocado em 2018, era mais do que esperado que respondesse a perguntas elementares, como Lula, Bolsonaro, eventuais erros do partido, colocar-se como apoiador de candidatos de outros partidos, renovação de quadros, além de uma ansiada ‘autocrítica’.
Sobre Lula, Haddad trouxe um elemento importante de retomada da relevância narrativa da história do partido. Se há uma certeza de injustiça no julgamento político-criminal de Lula, não é possível abandonar o maior expoente do partido à sorte. Esta visão tem validade fácil de compreender, mesmo que isso eventualmente prejudique o partido em eleições. A resposta de Haddad flerta com um romantismo que o PT deixou de lado para tornar-se governo, com pés fincados no pragmatismo.
Sobre renovação, o que se via com força há 10 anos na transição Lula-Dilma fez com que surgisse no partido a necessidade de mudança. É factualmente incompleto dizer que o PT não tem renovado seus quadros, quando justamente o entrevistado é a materialização da renovação. Nomes como Camilo Santana (governador do Ceará) e Rui Costa (governador da Bahia) lideram um partido algo mais jovem. Uma indicação como a de Major Denice à prefeitura de Salvador, por exemplo, demonstra uma postura ativa nesse sentido.
À pergunta de Flávio Costa sobre o que faria diferente na economia, Haddad se esquivou. Tergiversou e não entrou num tema que gera divergências graves nas bases da esquerda, como em até que ponto o partido pode abraçar o liberalismo.
Sobre apoiar outros partidos, Haddad lembrou do apoio explícito às candidaturas de Manuela D’Ávila (PC do B/RS) em Porto Alegre e de Marcelo Freixo (PSol/RJ) no Rio de Janeiro―Freixo desistiu de sua candidatura. Há, também, de se entender o manejo político de um partido que é o maior condutor de votos na esquerda, e que, por isso, faz valer sua relevância superior para se alçar às cabeças-de-chapa.
Tudo, pois, seguindo a normalidade. Peguntas melhores, outras piores, entrevistado tergiversando em temas mais sensíveis e buscando aprofundar aqueles mais favoráveis. Até o instante em que Vera Magalhães inventou de colocar a Venezuela no meio.
Vera e a busca pela absolução
Entrevistar é muito mais difícil do que aparenta. Porque não é roda de conversa, painel, ou o que valha. E tem que se entender que a condução deve levar à extração de informação do entrevistado, não de corroborar pensamentos do entrevistador. Mas Vera Magalhães conduziu as perguntas não no sentido de estimular o pensamento, mas para validar pré definições que permeiam o antipetismo.
Suas intervenções e questionamentos mais afirmavam que perguntavam. Parecia haver um anseio de forçar uma admissão de culpa, para que, num transe, se pudesse admitir que, sim, 2018 era uma escolha muito difícil (não era, nunca foi), que ela estava correta. O programa, portanto, muitas vezes não era uma entrevista, mas quase um debate, em que a moderadora sonhava em ver-se senhora da razão. Mesmo que para isso tivesse que apelar a subterfúgios patéticos, como mencionar a Venezuela, espécie de “carta de nióbio da desargumentação”.
Há uma mensagem latente contida nessa postura. A direita dita moderada, que embarcou feliz no projeto de morte de Bolsonaro, mas hoje se arrepende―pero no mucho―, precisa de argumentos para que não se sintam assim tão enganados. Precisam criar uma narrativa torta que valide a famigerada escolha difícil para que não se sintam completos idiotas por terem comprado Bolsonaro em 2018.
Não querem, pois, entrevista. Vera, no instante em que se vê diante do PT, representa o desejo de toda uma direita dita moderada: quer salvo conduto, absolução.
Só que para isso ocorrer, o PT precisa ser sempre o vilão, mesmo que se faça necessário distorcer fatos e abusar de imposturas intelectuais. Talvez, pois, sejam estes que tanto pedem autocrítica os que devem fazer uma visita ao divã.
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