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A gravidez de Marilúcia

A gravidez de Marilúcia

O pessoal da pequena de cidade de Ibiratinga não entendeu nada quando a Marilúcia começou com uns enjoos logo pela manhã. Mais um tempo, na medida da crescida da buchuda, não havia mais dúvida: ela estava grávida.

Filha de um casal católico fervoroso, vivia coberta dos pés ao pescoço, num escondido de fazer inveja às burcas afegãs. De fato, e veja como são, quase ninguém sequer conseguia lembrar de jamais ter ouvido a voz da garota, mesmo beirando os 18 anos. O pai era daqueles que impunha rotina de rezas ajoelhadas três vezes ao dia virada pra Roma. A mãe vivia para cima e para baixo com um terço em mãos, e sempre antes de se dirigir a alguém, pedia: “Deus te abençoe”.

Nunca ninguém viu a luzes acesas da pequena casa depois das oito da noite. Era destas simples, pequeno portão para pedestre na frente, mureta de tijolos de menos de metro em altura, um pequeno jardim com uma árvore, e a casa ao fundo com uma varanda e um pequeno banco de ferro. Casa dum branco que ornava com o entorno, em outros tons, verde claro ou escuro, azul claro, um bege logo ali, tudo na base do descascado.

O pai não teve dúvida: “é obra divina!”

A mãe suplicava ao seu lado: “glória a Deus! Aleluia!”

Notícia correu rápido e varreu a cidade como rastilho de pólvora em São João. As cidades vizinhas também souberam da boa nova. Tão logo a convicção inabalável dos progenitores atingiu as mentes e corações da população, o troço tomou força.

Era gente que batia na porta logo às 06 horas da manhã, levando pão para a família.

– Aleluia, irmãos! Glória a Deus!

Mais dali a um pouco, gente preocupada com o futuro da criança. Começou simples: um pacote de fraldas, uma roupinha que não cabia mais no filho. Um dia apareceu um carrinho. Uma loja de roupas quis dar o enxoval inteiro. Prefeito até doou dinheiro para a faculdade na capital.

O casebre virou ponto de peregrinação.

Certo dia, em pleno Domingo, o patriarca foi acordado com barulho de vozes logo em sua janela. Assustado, correu para dar de cara com um grupo que reformava sua fachada, pintava e retocava o muro.

– Semana que vem a gente vai pra dentro, senhor.

– Aleluia, irmãos! Glória a Deus!

Gostou daquilo. Organizou grupos de oração, 3 vezes por dia, todo mundo ajoelhado, ali na pracinha do largo em frente, todos devidamente virados para o quarto da virgem em gravidez.

Vez ou outra, Marilúcia sentava-se na varanda, vestido branco, olhar no horizonte, um véu na cabeça. Teve que parar porque sua mão já apresentava alergia com tanta beijação de mão.

Decidiram que a criança se chamaria Jesuíno. O Bispo foi rezar uma missa na cidade. Uns repórteres apareceram por lá. Jornal, rádio. Alvoroço quando a televisão chegou.

Agendaram uma entrevista exclusiva com a virgem tocada pela centelha divina. A repórter sentada em sua frente na pequena cadeira de madeira com assento de palha trançada, segurando o microfone, ela na poltrona florida, cercadas por câmera, luzes e equipamentos, além dos olhos vigilantes e subservientes de seus pais.

– Marilúcia, a cidade inteira, as cidades vizinhas, tem até romaria de outros estados vindo te ver. Você já se deu conta do que isso significa?

Marilúcia apenas sorriu acanhada, desviando o olhar das câmeras. Claramente, ser o centro das atenções não era ainda confortável para ela, pela falta de costume.

– O futuro de seu filho está com a vida garantida. Vocês receberam roupas, doações, existe um movimento do bem para ajudá-los. Como você se sente com isso?

Mesma reação da jovem, a cada pergunta mais acanhada.

– Apenas podemos supor o quão divino é isto pelo que você está passando e imaginar que cada etapa foi muito marcante. Você consegue lembrar do exato momento em que você se sentiu abraçada por Deus e ali pensou “estou grávida”?

A garota, desta vez consentiu com a cabeça, ainda sem nada falar.

– E o que passou na sua cabeça? Como foi?

No que a voz de Marilúcia se fez ouvida pela primeira vez para muitos, um fiapo de voz que teimava em não sair, mas que não conteve os olhinhos virados, uma leve mordida no lábio inferior e um sorrisinho tão malicioso quanto imperceptível.

– Foi ótimo…

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