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Levanta, Neymar!

Marcação cerrada. Linhas de defesa dos de branco encurtando os espaços. Os azuis do Brasil batiam contra a parede costarriquenha e cabeça entre si. Alguém passava do lado de Neymar, que ao sentir o vulto adversário, saltava ao chão, performático. O juiz nem aí. Levanta, Neymar!

William perdia uma bola na direita, Marcelo errava um cruzamento. Philippe Coutinho buscava, Gabriel Jesus acompanhava, mas nada de furar o bloqueio. Um zagueiro surgia por trás de Neymar, que ensaiava um duplo twist carpado se contorcendo de dor. Desta vez, falta. Levanta, Neymar!

Um primeiro tempo difícil de jogar, e ainda mais difícil de assistir. Jogadores saem cabisbaixos, cientes da produção abaixo da crítica. O país se vira para Neymar, a referência, que parece distante, abatido. Levanta, Neymar!

Com Douglas Costa em lugar do inexistente William, o Brasil volta mais incisivo. Tenta, insiste. Jesus, na trave. Coutinho, no goleiro. Depois Coutinho de novo, resvalando no zagueiro indo a escanteio. Num contra-ataque, a bola sobra limpa para Neymar, que ajeita o corpo e chuta firme… Pra fora. Ele lamenta a incrível chance perdida, mãos no rosto, a decepção em pessoa.

O meião do 10 brasileiro rasga, outra vez. Próximo à lateral esquerda, sofre uma botinada do cintura-dura caribenho, e Neymar atravessa o campo rolando e gritando de dor até a lateral do lado de lá (beijos saudosos, Luciano do Valle). Tem-se a certeza: não era para tanto. Levanta, Neymar!

Até que, dentro da área, Neymar é puxado e cai. Pênalti para o Brasil! Ele mesmo se posiciona para bater, mas o VAR é acionado. O juiz, que apitou à marca da cal, retorna da cabina anulando a marcação. Os costarriquenhos comemoram, enquanto os do Brasil sequer esboçam reclamação. Estão seguros: Neymar exagera. Passou do ponto. Abrir mão do gol para puxar um pênalti que não tinha sido é estupidez no mundo do árbitro de vídeo. Levanta, Neymar!

Alguém pega o brasileiro. Ele xinga em espanhol e em português palavras de baixíssimo calão. Neymar está nervoso, irritado. Certamente sabe que não corresponde. Talvez seja o tornozelo, talvez esteja preocupado com a campanha de lingerie da Marquezine proibida na Rússia, talvez a Receita Federal tenha ligado na noite anterior. É tanto motivo que não se sabe, que não se vê, a não ser a consequência: não está bem o brasileiro.

O time inteiro se desestrutura. Partem para o abafa. Os costarriquenhos, inspirados no exemplo de Neymar, fazem piscina do gramado de São Petersburgo. Exacerbam a catimba. Um brasileiro sopra na orelha, fratura exposta. Um passe mais ao fundo, estiramento muscular. Encostou, então, chama a ambulância e leva para o hospital que tem risco de vida. Enquanto isso, sentindo o toque, Neymar já estava preparado para o pulo acrobático pedindo falta, quando se deu conta que era o árbitro que lhe encostava o ombro. “Don’t touch me.”

A placa subiu para os 6 minutos de acréscimo. Depois da estreia errática, o segundo jogo não apresentava solucionática (beijo, Dadá). Mas num cruzamento, Firmino ajeita, Jesus amansa e Coutinho, nossa válvula de escape da mediocridade, abre o placar. Grita o Brasil, gritam os vizinhos, grita Galvão, grita Neymar! Aqui não é Argentina, não!

Cinco minutos mais tarde, um contra-ataque é puxado empurrando às cordas uma já entregue Costa Rica. Casemiro rola para Douglas Costa, o esperado titular absoluto daqui pra frente, que vê Neymar correndo pelo meio. Ele entrega a glória, mansa, para que o 10 apenas empurre para o gol vazio. Dois a zero no apagar das luzes.

Neymar comemora, engasga numa lamúria contida. No apito final, sem se segurar, desaba. Mãos no rosto, chora copiosamente. Um choro desabafo. Sabe que o peso sobre ele é desproporcionalmente maior do que o dos outros. Sabe que, apesar dos saltos ornamentais em campo, é caçado, apanha impiedosamente. Sabe que os adversários tentarão tirá-lo do sério a todo instante. Sabe que é admirado e odiado na mesma proporção. Sabe, sobretudo, que está no nível mínimo do que pode produzir.

O gol talvez tenha sido a gota d’água que vai liberar o craque monumental que indiscutivelmente é. Gol da redenção, que abre os caminhos, fecha o corpo e acalma a alma. E que faz com que ele veja, por fim, que agora é só ladeira acima. Levanta, Neymar!

*Gabriel Galo é escritor

Crônica publicada no site do Correio da Bahia em 22 de junho de 2018. Link AQUI!

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