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Na Suíça

Na Suíça

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Rodrigo não conseguia enxergar pontos negativos quando foi convidado a ser expatriado para trabalhar na Suíça, com direito a promoção, reconhecimentos e regalias. Era o esperado abono de sua qualidade profissional dedicado. Não reclamava por causa de nada, era o primeiro a chegar, último a sair, assumia responsabilidades de maneira proativa, e ficou falado na empresa como o resolvedor de problemas.

― Entrega pro Rodrigo que ele resolve.

É profundo admirador do rock n’ roll. Na sala de seu apartamento ainda preservado em São Paulo exibia a novo entrante, orgulhoso, capas de vinil de relíquias importantes da história da música. O LP colorido do Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band dos Beatles, comprado na Austrália; o original da primeira edição do Physical Graffiti, do Led Zeppelin; e a maior relíquia de todas, o disco com a capa autografada pelo Pink Floyd do The Dark Side of the Moon, herdada de seu pai, que os encontrou numa viagem a Londres na década de 70 e teve a perspicácia de entender que poderia se tratar de algo histórico.

Toda quarta-feira, lá nos Alpes, encontra com os amigos do investment banking para uma rodada de pôquer, uísque e charutos. Cada semana na casa de um, em rodízio, homenageando o trânsito paulistano. Enquanto alguns têm o seu futebol sagrado, era no pôquer que ele se refugiava.

E odiava o Carnaval.

Nascido e criado na capital paulista, aquela que diz conduzir em vez de ser conduzida, absorveu naturalmente o repúdio à folia de Momo. Absorvido  pela cultura do prazo e da entrega, nem ao menos formulava porquês que fugissem do batido argumento da perda de produtividade ocasionada pelo excesso de divertimento em pleno período dito útil.

Todo ano era a mesma coisa.  Na preparação da semana de folga, juntava-se a turma a saber dos planos de todos para o Carnaval?.

Rodrigo ouvia os planos de quem embarcava na esbórnia e se revezava entre Rio, Salvador, Recife, Olinda, cidades históricas de Minas Gerais, e mais tantos outros… Também sempre tinha algum que ficaria em São Paulo por causa de dinheiro -ou porque o Carnaval ali crescia e aparecia, como não- e sempre tinha algum que iria para algum lugar isolado, fugindo da folia.

Ele ria da empolgação, dos planos quase mirabolantes, dos itinerários desgastantes de bloco em bloco, da pegação que os solteiros -e até alguns casais- tanto ansiavam. No fundo, não compreendia aquilo tudo. Não via sentido.

Na Suíça afastou-se inteiramente das tropicalidades brasilianas. Não sentia falta, comentava com certo alívio da mudança.

Até que um casal dos Alpes, local como Rodrigo tentava se pintar, veio perguntar sobre o tal do carnaval para o único brasileiro que conheciam. Como ele não podia dar muitas dicas, seguiram rumo ao Galeão,  procurando in loco as respostas à curiosidade.

Pois a viagem, que era para ser de duas semanas, durou dois meses.

Na volta, ao vê-lo na empresa, os dois vieram abraçá-lo. Trataram de contar tudo, com detalhes e excitação.

Narraram dos blocos de rua no Rio e dos desfiles das escolas de samba; da loucura que fizeram quando conheceram uns nordestinos e foram parar no bloco de Ivete em Salvador; da loucura ainda anterior, quando, no avião, conheceram um outro casal de Recife, que os convenceu a começar pela cidade deles e por Olinda, oferecendo, inclusive, abrigo. Da sensação estranha de saudade que sentiram depois da festa, de como decidiram dar mais uma chance ao Brasil e resolveram ficar por ainda mais um mês, pingando de lugar em lugar, saindo de carro do Rio e subindo de volta ao Nordeste, mas sem cronograma, parando e pernoitando nas praias que mais gostassem e lhes conviesse.

― Foi espetacular!

Os olhos deles brilhavam de alegria.

― Ano que vem vamos fazer Carnaval em Zurique!

Um ano se passou.

Não houve Carnaval em Zurique. Não haveria de ter, empolgação não é muito a praia dos suíços, que se esvaiu com o frio do inverno europeu.

Parece que espontaneidade é atributo exclusivo de países de clima quente, ou então as loucuras de um verão no hemisfério sul sobrevivem melhor como história para contar do que arremedo de festa que definha a memória pela repetição infame do que se apresenta sem vida.

Rodrigo, contudo, ficou decepcionado, isto não conseguia esconder. Mas jurou para si mesmo não contar para ninguém que se fantasiou de Carmen Miranda, copo de caipirinha na mão e saiu cantando marchinhas escondido na privacidade de seu apartamento.

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