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Tá na zona não? Nem eu!

Tá na zona não? Nem eu!

– Zona. Sinônimo de bagunça, desordem, desorganização. Ou de área, parte, espaço, extensão demarcada.

– Tem também a Zona Franca de Manaus. A Zona do agrião. Zona Eleitoral. Zona Leste, Oeste, Norte, Sul. Zona da Mata. Zona Azul. Zona de conforto.

– E a “zona zona”.

Eles interrompem o quiproquó para tomar um gole da gelada que, trincada, pedia atenção para molhar as gargantas roucas. O “ah…” refrescante era a mensagem inequívoca da necessidade de um alívio que significasse celebração em vez de brincar de não-é-comigo-não.

– Você tá entendido de zona, hein?

– Rapaz, vou lá quase o tempo todo.

– Também apareço por lá, mas de vez em quando, sabe? Teve uma vez que te vi por lá.

– Verdade, mas agora saímos dessa vida!

Os copos suam em condensação. Ligeiros, os amigos tomam outro gole, agora maior, secando os vidros.

– Pensei aqui em outras zonas famosas.

– Tipo a zaga de Mancini?

– Que tal meio-campo com Nilton?

– Oxe, véi? Nunca ouviu falar de Uillian Correia – bate na madeira –, Meli, Yago e Neilton, não? Meio-campo ruim de doer é esse!

Eles param para um terceiro gole. Ficam um pouco ressabiados. Tempos difíceis estes. Aparentemente, discutir mediocridade comparativa é a bola da vez. Assistimos, aqui, ali, acolá, nocauteados, aos embates entre o horrendo e o feioso, o ruim e o pior. E buscam aceitar fraquezas para conceder parte de um meio do caminho a uma coerência tosca, capenga, torta feito as pernas de Garrincha.

– Neilton, pelo menos, é um dos artilheiros do Brasil.

– Rapaz, e vocês que vão de Edigar Junio na reserva? Sem contar o Baianinho e a Sul-Americana…

– E o gol de Vinícius sábado, você viu? Correu, pá, na gaveta! Lindeza!

– Bonito mermo. E o sassarico de Erick e Lucas Fernandes pra cima da Chape? Era um rebivis da zorra! Filho legítimo de William Pica-Pau.

Em uníssono, secundados por parte do boteco que acompanhava a conversa, bradam: LÁ ELE!

Riem satisfeitos. Levantam os copos para mais um gole, de gute-gute. Brindam efusivamente, se abraçam e discutem querendo fazer a vez da próxima rodada.

– Eu pago a próxima.

– Oxe! É niuma! Tá na minha! Chefia, traz mais uma que a ocasião é de festa!

– Bora Bahêa!

– Negô!

Talvez esteja aí a chave para a salvação da nação. Não é quem ganhar ou quem perder que vai ganhar ou perder, tem que todo mundo ganhar e dançar de mãos dadas abraçados rumo ao pote de ouro civilizatório no pé do arco-íris.

– Agora, véi, se ligue que tem gente cutucando vocês por trás, e eu tô ligado que você gosta.

– Coé, cabeça? Tamo aqui comendo água na moral e você vem com agrestia? E até ontem tava no lixo e agora vem pagar de barão?

– Lixo? Rapaz, você vai falar de lixo mesmo? Olhe que de lixo e de zona você entende!

– Quer saber? Me deixe, viu, miséra. Tenho paciência pra quem mora de aluguel e acha que é elite não. Além do mais, me diga uma coisa: você tá na zona?

– A do rebaixamento? Não!

– Nem eu! Tome! E já fui Banda Mel!

Eles erguem os copos quase gritando:

– Bora, Bahêa!

– Negô!

Pilhéria, na Bahia, é uma forma de arte.

* Gabriel Galo é escritor.

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Artigo publicado na página 2 e no site do Correio da Bahia em 15 de outubro de 2018. Link AQUI!

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