CONTEXTO: FILOSOFIA POLÍTICA
Ao longo dos séculos, o papel do Estado foi e é constantemente debatido. Quando do Iluminismo Europeu, a filosofia política foi pautada por duas perguntas básicas:
- Sobre quais direitos ou necessidades as pessoas formam os Estados?
- Qual a melhor forma que um Estado deve possuir?
Foi a partir destas perguntas que surgiu a separação entre Estado e Governo, utilizadas até os dias de hoje. O Estado são instituições permanentes pelas quais o poder é executado; Governo é grupo de pessoas que ocupa as instituições do Estado. Para exemplificar, o Congresso Nacional é instrumento do Estado; deputados e senadores formam o Governo que ocupa a instituição estabelecida.
Dentre os filósofos mais influentes deste período, destacou-se o britânico Thomas Hobbes. Foi ele quem cunhou o conceito de Contrato Social, que afirma que a criação do Estado procura atender uma necessidade natural e racional: segurança, proporcionando autopreservação. Neste contexto, as pessoas abrem mão de parte de sua liberdade em prol de assegurar uma organização em grupo que garanta segurança. Na condução do raciocínio, ele conclui que para funcionar, o todo (todo o grupo de indivíduos) deve estar propenso às mesmas concessões, e que estas somente podem ser outorgadas a um Estado central soberano.
O conceito de segurança e preservação foi corroborado por John Locke e Jean-Jacques Rousseau, embora houvesse desdobramentos sobre liberdade que se propuseram a elaborar.
O que se pode concluir, a partir de qualquer modelagem de pensamento com a qual nos alinhemos, é que o Estado é criado a partir das pessoas. O Cidadão é o formador do Estado. Desvios do princípio original do Estado são instituídos pelos Governos que assumem o poder.
QUAL O TAMANHO IDEAL DO ESTADO?
Para analisarmos como se encontra o tamanho ideal do estado, é fundamental entendermos que há, necessariamente, um equilíbrio que varia em cada cenário, em cada local. Utilizando a premissa de que o Estado é consequência da concessão de liberdades do Cidadão, temos que quão maior for o nível de concessão da liberdade, maior será, consequentemente, o tamanho Estado. Desta forma, quanto menor for o Cidadão, maior será a propensão para o estabelecimento de um Estado inflado; o oposto também é verdadeiro: quanto maior for o Cidadão, menor será o Estado.
Cria-se, por consequência, uma situação de equilíbrio: o tamanho ideal do Estado é inversamente proporcional ao tamanho do Cidadão.
Antes de aprofundar a Matriz de Tamanho Estado vs Cidadão, é importante entendermos o que caracteriza um tamanho maior ou menor de Cidadão e de Estado.
O tamanho do Cidadão é medido pelas garantias de liberdades asseguradas ao indivíduo e pela ética. Ou seja, quão maior a liberdade e a ética do Cidadão, maior ele será. No caso do Estado, a característica principal é o intervencionismo como ferramenta de controle. Desta forma, quão maior for o grau de intervencionismo do Estado, maior ele é.
A partir destas conclusões, é possível criar uma matriz que analisa as relações entre tamanho do Estado e tamanho do Cidadão. São 4 quadrantes que constroem uma relação de equilíbrio ou de disfunção organizacional nas estruturas de poder, conforme imagem.
Estados de equilíbrio
AAUTORITARISMO (Estado máximo vs Cidadão mínimo): neste quadrante, o Estado assumiu um tamanho desproporcional, em que o Governo tomou posse das instituições do Estado e controla quase que totalmente as ações de seus Cidadãos. É o que caracteriza Estados autoritários e ditaduras. Bons exemplos são Venezuela, muitos países africanos e árabes, Coréia do Norte, Cuba, China, Rússia, dentre muitos outros. Muitos destes regimes disfarçam ditaduras por meio de eleições forjadas. Em todos os casos, o poder do Estado é exercido especialmente pelo medo. A repressão severa e impiedosa é instituída para quem ousar questionar a legitimidade estabelecida. Esta arma vai ao encontro do princípio básico de segurança para formação do Estado. Ou seja: o medo estabelecido garante que seja criado na população a percepção de que é melhor entregar mais ainda a sua liberdade para evitar estado de guerra.
DDEMOCRACIA LIVRE (Estado mínimo vs Cidadão máximo): é o modelo ideal de organização de Estado. Neste cenário, a participação do Estado é menor porque o nível de autonomia do Cidadão é muito alto. Esta autonomia, como vimos, é avalizada por um alto nível de liberdade garantida aos cidadãos e por elevados critérios éticos na conduta de indivíduos. Somente com Cidadãos máximos é que efetivamente é possível alimentar o ideário de um Estado Mínimo.
Estados de disfunção organizacional
PPODER PARALELO (Estado mínimo vs Cidadão mínimo): é o cenário que enxergamos, por exemplo, no Brasil atualmente. Ao contrário do que se comumente questiona — do tamanho excessivo do Estado brasileiro –, temos um Estado absolutamente ausente para grande parte da população. Os indicadores estão aí para exemplificar: baixíssimo nível da educação, moradias precárias, baixo acesso a saneamento básico, saúde ineficiente, transporte público sucateado, segurança inexistente. Comenta-se “Quer viver com o Estado mínimo? More numa favela.” Esta afirmação é correta, e mostra a consequência com a qual nos deparamos: a criação de poderes paralelos que assumam o controle. O Estado é tomado por grupos hegemônicos, com forte poder econômico. Além disso, no esteio do desejo por controle social (a segurança que precede a criação do Estado), é que surgem as figuras das milícias nas favelas do Rio de Janeiro, as organizações criminosas com tentáculos em várias esferas (PCC), e, em última instância, os efeitos autoritários (Bolsonaro). Neste ambiente de desequilíbrio, é mais fácil ampliar o poder do Estado (Lula e Bolsonaro na frente das pesquisas, ambos como figuras de amplo poder) do que estimular o crescimento do Cidadão a partir de liberdade e ética (processo de muito longo prazo).
IINSURGÊNCIAS (Estado máximo vs Cidadão máximo): as insurgências ocorrem quando há um nível de consciência do Cidadão que não mais se equilibra com o tamanho desproporcional do Estado. Esta relação de aumento do tamanho do Cidadão é comparativa com o seu próprio cenário. Por exemplo, é o caso da Primavera Árabe, que derrubou diversas ditaduras a partir de 2011. O mesmo pode ser aplicado para contextualizar a Revolução Francesa ou a independência do Haiti. O aumento da consciência do Cidadão levou ao questionamento do Estado estabelecido. No caso da Primavera Árabe, o aumento do Cidadão não foi sustentável, e os regimes foram substituídas por outras ditaduras. Ainda assim, mesmo em caráter temporário, o aumento da consciência cidadã foi capaz de organizar uma insurgência que exigia maior respeito com o Cidadão.
O QUE AFETA O EQUILÍBRIO
Ainda que os tamanhos do Estado e do Cidadão estejam em equilíbrio, duas situações, em destaque, são capazes de abalar as fundações que mantém esta estabilidade: crises econômicas e guerras. Em ambos os casos, as magnitudes de impacto dependem do nível de envolvimento, se direto ou indireto. Ainda assim, mesmo em menor grau – no caso de envolvimento indireto – as consequências podem ser verificadas em efeito prático.
No caso de guerras, o envolvimento direto de um país altera significativamente o tamanho do Estado. Os Estados Unidos tornaram-se potência militar por causa da Segunda Guerra Mundial e seu envolvimento contínuo em conflitos mundo afora criou um Estado poderoso e que flerta constantemente com o cerceamento das liberdades mais básicas do cidadão americano. O escândalo da NSA por meio de Edward Snowden é um claro exemplo de como o Estado suplantava seu papel e limava a liberdade de seu povo. Este efeito, no caso dos EUA, ocorre num cenário em que as disputas se passam fora de seu território. Para países que enfrentam guerras em seu próprio território, a entrega de poder ao Estado é ainda maior. Decorre a rendição da premissa de que a segurança do cidadão é fortemente abalada. Para que a segurança seja restabelecida, o Estado cresce independentemente do tamanho do Cidadão.
Crises econômicas também causam problemas sérios aos países, em especial porque altera a percepção de tamanho do Cidadão. Destituídos de sua honra pela insegurança financeira fixada (e sem previsão de retorno), o Cidadão repassa ao Estado participação maior na retomada da normalidade, mesmo em países com nível de cidadania mais altos.
Em menor grau, os países também são afetados pelas consequências de crises e de guerras em outros territórios. Nos últimos anos, o que caracteriza estas ramificações indiretas é a imigração, no que se convém chamar atualmente de “crise dos refugiados”. Assim, os países recebedores de imigrantes em grande número passam a sofrer problemas com o status quo de sua sociedade. De repente, há a necessidade de uma adaptação forçada a uma nova cultura que adentra seu território e altera seu cotidiano. Esta mudança de estilo de vida provoca desconforto. O desconforto é catalisado a partir do momento em que se vê impacto prático em indicadores econômicos locais, como desemprego e poder de compra, além de eventuais aumentos de índices de criminalidade. É então que a população decide transferir maior interferência ao Estado para que o estado normal da sociedade instituída seja protegido.
Em ambos os casos, o sentimento de preservação é a força motriz da concessão de mais poder ao Estado, como já definido em premissa. Altera-se, nestas especificidades, o equilíbrio: mesmo Cidadãos máximos autorizam a possibilidade de um Estado maior. Protege-se, contudo, objetos divergentes de acordo com o grau de envolvimento. Em caso de envolvimento direto, objetiva-se preservar o indivíduo e sua liberdade; em caso indireto, salvaguarda-se a sociedade construída, o meio, o ambiente no qual o indivíduo está inserido.
O IMPEACHMENT, ENTÃO, FOI UMA INSURGÊNCIA?
Não, e a explicação está colocada no contexto deste ensaio. A derrubada de Dilma foi a queda de um Governo, não do Estado. Para entender mais sobre as engrenagens, leia meu artigo no Papo de Galo sobre como se faz um impeachment.
E O QUE ISSO SIGNIFICA?
Fala-se desde sempre que o Brasil é o país do futuro. Futuro que nunca chega, porque depende do tamanho do Cidadão para pautar a discussão de projeto de país. Nosso país se vê preso a uma dominância oligárquica detentora e manipuladora do poder desde sempre, inclusive durante regimes autocráticos.
Esta é a grande pergunta que deveria pautar a discussão política: Qual é o nosso projeto de nação? É fundamental lembrar que qualquer plano de projeto de nação se faz a partir do fortalecimento de um pilar central: o Cidadão. Ou seja, se nosso objetivo é alcançar uma Democracia Livre, devemos começar a exigir e a construir um Cidadão máximo.
Para isto, o primeiro passo é eleger um Governo que tenha alinhamento com este ideal. Não apenas para cargos executivos, mas, principalmente, para cargos legislativos. Está no Legislativo (Câmaras Federal, Estadual e Municipal) as chaves do controle manipulado do poder. A tomada de poder pela via civilizada se dá por dentro das instituições estabelecidas. É a partir delas, quando temos um corpo político que entende e dá voz e vez às necessidades do povo, que se constrói o caminho para o Cidadão máximo.
Está no voto o verdadeiro poder do povo. Eleger candidatos melhores exige esforço, estudo, trabalho. É cansativo. Muitos optam pela via fácil – a do autoritarismo – por entender que é a alternativa que implode o “sistema”. Pode até ser que isto aconteça, mas estamos propensos a seguir para um modelo ditatorial. A história é quem afirma: nunca houve um regime de plenos poderes que tenha migrado para a democracia. Nem mesmo o brasileiro, pois os grupos de antes são os mesmo a jogar o jogo de bastidores da política nacional. Com políticos mais identificados com sua população, podemos exigir com maiores chances de sucesso que os conceitos básicos de evolução cidadã sejam implantados em educação, saúde, segurança pública e outras esferas. Caso contrário, teremos as mesmas famílias e oligarquias controlando as instâncias de poder.
É necessário estimular a via da civilidade e promover o Cidadão máximo. Somente então poderemos avaliar com acuracidade a viabilidade da redução do Estado. Qualquer conversa que não siga nesta linha é um equívoco, e fia-se num populismo tolo para atrair simpatizantes.
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