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Como se faz um impeachment

Como se faz um impeachment

Alguns, crentes do poder do povo, vão às ruas pedir a saída de Michel Temer. E mais Aécio, Renan, e tantos outros pegos com a boca na botija. Admiro a perseverança de tantos nesta luta, mas, por vias políticas, meus amigos, o mordomo dificilmente vai cair. Esqueça Congresso, esqueça TSE.

São podres as entranhas das negociações políticas em Brasília. São vertentes demais, interesses demais, coisas demais para varrer, egos a serem acariciados, propinas a serem divididas. Estas ações, no entanto, seguem uma ordem. Um modelo de atuação. Tudo depende da equação, do equilíbrio entre QUEM CONTROLA O CONGRESSO e qual o nível de pressão da OPINIÃO PÚBLICA.

Aqui, o manual para se entender política em Brasília. Vejam o diagrama abaixo para entender como esta relação acontece.

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O controle do congresso é aquela questão tão peculiar, já escancarada com mensalões e afins. Ou seja: quem está à frente de sua base aliada. Quando Lula disse a Moro que se Dilma fizesse o que ele fazia, ela não teria caído, é a mais pura verdade. Uma premissa é fundamental entender: uma base aliada se faz não por ideologia, mas por entendimento de poder. Desta forma, é correto supor que a base aliada, se puder, puxará o seu tapete. Portanto, as negociações de bastidores seguem para atingir uma complicada e fina linha, tênue: o quanto eu devo agradar a minha base aliada, para que ela permaneça no meu governo, mas sem sobrepujá-lo?

A importância de quem está à frente das juntas atrás das cortinas é fundamental. Ou é o próprio governo, por exemplo, o que Lula fazia; ou se é alguém que quer ser governo, no caso, Michel Temer, quando Dilma, erradamente, lhe entregou o cetro das costuras de alianças no Congresso.

É um cabo de guerra que se deve ter muito cuidado para não estourar.

O outro eixo é o da pressão da opinião pública. Classifiquei de duas maneiras: alta, quando o índice de popularidade é mínimo, há pressão de todos os órgãos de imprensa e as pessoas tomam as ruas em protesto. Ou baixa, quando pouco é exigido em voz alta ou falta relevância.

Claro, existem gradações. Tanto num eixo quanto no outro. É no trabalho destas gradações que tudo em Brasília ocorre. De controlar a opinião pública e de controlar o Congresso. Sim, Brasília é, fundamentalmente, uma questão de controle e manipulação.

Aos detalhes de cada quadrante:

  1. CARTA BRANCA (Controle do Governo e pressão pública baixa): é o que viveu Lula, o que viveu FHC. Como o Congresso está na palma da mão e a opinião avaliza tudo o que é feito, existe um perigoso cenário de autorização para se fazer o que bem entender. É o oásis de Brasília. É o que todo governante deseja. E, a depender da índole de quem governa, pode gerar ações questionáveis, que somente depois de anos são vistas como malfeitos, como privatizações a preços de banana e compras de refinarias mundo afora para alimentar os cofres dos amigos.
  2. FOMENTO (Controle nas mãos de quem quer ser governo e baixa opinião pública): Dilma entregou o controle do Congresso a Michel Temer, dada a inutilidade de seu primeiro escalão. Dentro de um primeiro mandato que começou com grande crescimento econômico e imagem de gestora ferrenha, Dilma estava, originalmente protegida. Mas a entrega do agenciamento político a Temer e ao PMDB foi o erro número 1 que derrubou Dilma. O que começou a acontecer foi uma estratégia de FOMENTO. O que isso quer dizer? Aqueles que eram responsáveis pela política perceberam que já controlavam o destino do executivo, poderiam, então, sê-lo. Faltava o elemento da opinião pública. É aí que surge reuniões de aliados com MBL, Vem Pra Rua, sites como Antagonista, colunas de gente de dentro debulhando o governo em jornais e revistas. O objetivo é manipular a opinião pública para que haja, aí sim, o risco de impeachment.
  3. CONCESSÃO PONTUAL (Governo controla o Congresso e alta pressão da opinião pública): é o momento atual de Michel Temer. Aécio, Renan, Cunha são concessões pontuais realizadas para satisfazer a opinião pública de que estão combatendo e trabalhando. Joga uma reforma aqui. Deu barulho? Retorna. “Estamos ouvindo o povo”, mentira da grossa, para aqueles que agem na base do vai-que-cola. A concessão, assim, age para acalmar a opinião pública, mas sem o controle do Congresso nas mãos de quem quer ser governo, ninguém no Planalto sai do lugar. E Temer tem o Congresso na palma da mão.
  4. RISCO DE IMPEACHMENT (Quem quer ser governo controla o Congresso e alta pressão da opinião pública): Foi neste cenário que caíram Dilma e Collor. Congresso desembarcou, porque, afinal, o rei está morto, viva o rei. E as ruas demandam este tanto. É a tempestade perfeita.

Uma pergunta pode estar rondando a sua cabeça neste momento. E onde entra a Economia?

Dentro de uma organização política estável e bem estabelecida, a Economia seria o catalisador de decisões políticas. Juntamente com aspectos de bem-estar social, deveriam pautar os planos de país. Pois muito bem. Somos uma democracia frágil e em constante ebulição, quando não em confrontamento. Brasília, tomada de assalto, cerca-se de gente que decide, primeiramente, de acordo com interesses pessoais e dos seus. Se estiver com dificuldade de imaginar que assim seja, lembre-se dos inúmeros planos econômicos pelos quais já passamos e a administração desastrosa de Guido Mantega à frente da Fazenda nacional. Assim temos que a Economia surge como consequência dos desmandos da elite com mandato.

Dentro da intrincada teia de relacionamentos na capital federal, o papel da Economia se presta a duas coisas.

Primeiro como elemento fundamental, mas não obrigatório, da mobilização social. Se hoje temos um cenário de requisição de impeachment de Michel Temer, não é pela Economia, mas pela profunda corrupção jogada no ventilador. No entanto, devo admitir a tremenda influência que oscilações econômicas, em especial as para baixo, tem para gerar um sentimento profundo de insatisfação. Não estamos assistindo a erguimentos sociais que invadem as ruas, porque, no final, a inflação segurou, crescemos um tico, parece estarmos voltando ao normal. Antes, sentimos a mão pesada da Economia esfacelada, pela inflação, pelo desemprego, pelos juros exorbitantes cobrados de quem quer se reerguer. Havia de se imputar culpa em alguém, e Brasília se tornava o alvo fácil, porque, sim, muito se deve a suas obras mal-acabadas.

Segundo que a Economia se presta, essencial e principalmente, do ponto de vista político, à justificativa aceitável para a derrubada de um governo estabelecido. Talvez estejamos vivendo a criação de um novo fator motivador, a corrupção, mas pode-se argumentar que as coisas não tomariam rumo tão poderosamente para baixo caso estivéssemos crescendo e com emprego brotando. Brasília necessita acobertar a corrupção, porque cortar na carne é tirar um pedaço de si. A Economia surge como argumento irrefutável: olha o que fizeram com a Economia! É a racionalização de uma decisão já tomada. Parece que esperam, quando o cenário é favorável, para que ocorra uma variação econômica para criar o ambiente perfeito para justificar o tapete puxado.

Assim, por óbvio, numa democracia no jardim de infância como a nossa, as tradicionais e absolutamente comuns variações econômicas – não se pode apenas crescer – torce-se pela próxima ladeira abaixo no gráfico – mês, trimestre, semestre, não importa a ordem de tempo utilizada – para jogar ao mundo sua preocupação econômica que esconde objetivos escusos, transferidos e embalados nas malas de dinheiro não declarado.

Percebam, neste cenário de avaliação de impeachment, que o papel da oposição é praticamente nulo. Poderia atuar para aumentar a pressão da opinião pública, ou para compor um novo governo (com o PSDB “apoiando” Temer), mas não é agente principal. Assim, também, o TSE, órgão meramente político, dificilmente será o divisor de águas para tanto. Pode haver recomendação forte de cassação de quem quer que seja, mas o voto é político. E para votar há gente como Gilmar Mendes e a sobrinha do Sarney.

O que viria, então, abalar este equilíbrio?

O STF.

Somente a atuação massiva e intransigente do poder judiciário pode levar a uma ruptura da ordem. Interromper a relação incestuosa entre executivo e legislativo, metendo-lhes o bedelho e o nariz, sem nem pedir licença.

O que faz, então, o presidente? Inteligente e articulador, percebendo onde sua batata assava, aponta um dado Alexandre de Moraes para Ministro do STF.

Não, minha gente, Temer não cai. Vamos com ele até 2018. O Congresso é dele, as ruas não estão em polvorosa. Seja no STF ou no TSE, basta um pedido de vista aqui, outro ali, mais um acolá, e, quando vemos, estamos votando para presidente novamente. Para começar tudo de novo, de acordo com o manual aqui exposto.

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