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Doutor, tem um problema aqui

Doutor, tem um problema aqui

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O jovem engenheiro chegou à Bahia nos anos 1970. De carreira meteórica, ostentando alta patente na multinacional apesar da pouca idade, tinha como desafio aumentar a produtividade da planta que assumia.

Planejador meticuloso, sentou-se a organizar o calendário do ano todo. Distribuiu folgas e plantões, preocupando-se em fazer justiça para que ninguém se sentisse prejudicado. Ao terminar, viu-se orgulhoso de seu feito. “Que gestor! Que capacidade! Que homem!”

Afixou o papel da distribuição impecável no mural da empresa.

Nem meia hora depois de iniciado o expediente de mais um dia, um de seus primeiros na planta que recém assumira, jovem promissor e de carreira meteórica que era, bateu à sua porta um de seus encarregados mais importantes. Com cara entre preocupado e inquieto, ele foi direto ao ponto.

— Doutor, tem um problema aqui.

O encarregado entregou ao patrão o papel da distribuição de plantões.

— E qual o problema? — arguiu o jovem, seguro da perfeição de sua programação.

— É que aqui tá escrito que eu vou trabalhar no São João.

A primeira resposta do sudestino invasor externou sua indignação.

— E daí?

— E daí que eu vim aqui avisar ao senhor que eu não venho trabalhar, não.

— Como é? Mas isso é um absurdo. E São João nem é feriado, qual o problema?

O clima azedou. Sem se dar conta do absurdo que dissera, o jovem não viu o encarregado perder a cabeça, mas endurecer sua posição.

— Doutor, eu não vim aqui negociar. Eu vim aqui informar. No São João, eu não venho trabalhar. Aliás, nem eu, nem minha equipe.

— Você vai me desculpar, mas esse tipo de postura eu não posso aceitar. Vou ter que tomar providências sérias!

— O senhor faça o que quiser. Já falei o que eu tinha pra falar. Com licença.

O encarregado deu as costas ao perplexo gestor, agora destituído de toda sua estima, jogado ao chão e espezinhado pelo desconhecimento da realidade em que estava. Quando o efeito do susto sumira, deu-se conta de que há mais distância entre Nordeste e Sudeste do que supunha. Que nem sua figura impositiva e amedrontadora era capaz de modificar o que foi talhado em gerações e em esforço coletivo. Que moleque era ele, afinal, para questionar a validade da importância do São João no Nordeste? Carreira meteórica? Pfff… A síndrome do impostor batia forte. A segurança, sua característica maior, foi substituída por reflexão.

O encarregado não foi demitido, assim como ninguém de sua equipe. O jovem permaneceu por lá mais alguns anos, continuando sua trajetória profissional de absoluto sucesso.

Mais importante: nos dias 23 e 24 de junho daquele ano a planta da unidade que recém-assumira com o desafio de aumentar a sua produtividade, não abriu.


Foto: Marcos Guerreiro


Crônica publicada com exclusividade na Papo de Galo_ revista #4.

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Capa da Papo de Galo_ revista #4

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