Pois se ajunte, minha gente
Que uma história vô contá
Do dia em que o boi junino
Apareceu no arraiá
Com ciúme e amor doído
Buscando a amada levar
Dessas terra é dono todo
Seu Laudino, o Coronel
Braço forte tão temido
Ir contra ele ninguém quer
Planta milho e mandioca
E mais o que a terra der
Casa grande da fazenda
Tem preciosidade bela
A menina Idalina
Flor da idade, ‘inda donzela
Preparada com cuidado
Capataz de sentinela
Na fazenda tem uma horta
O mais verde dos roçado
Terra boa tudo cresce
Vigoroso e saborado
Zé das Couves é da lida
Faz do chão o seu cuidado
Durante a lida do almoço
De cardápio bem pimpão
Idalina precisava
De uns verde bonitão
Zé das Couves socorreu
‘face, rúc’la e agrião
De tanto contar da roça
Zé das Couves se engraçou
Idalina respondia
A cada toque sedutor
Paixão se formou proibida
‘té que um beijo ele roubou
Não contava Zé das Couves
Com os olhos do capataz
Que vigilante fitava
Idalina, tão sagaz
Captou o beijo escondido
Coronel caiu pra trás
Foi correndo o mandatário
De espingarda e espumando
Vá-s’imbora, Zé das Couves
Carregando só seus pano
Calçando couro trançado
Não apareça por cem anos
Mas paixão não se contenta
Com desmandos de querela
Zé das Couves e Idalina
Se encontravam a luz de vela
No meio da noite alta
Se amando c’as estrela
Capataz era sabido
Num piscar desconfiou
Da trama de fugidia
Coronel desembuchou
Atirando para o alto
Zé das Couves ameaçou
Destratando da promessa
Seu Laudino quis mandar
Arrumou mala e morada
Pr’Idalina ir ficar
Informou família, tome
Passagem pra capital
Quando à noite na janela
Idalina então chorava
Zé das Couves d’outro lado
Nas estrela desmanchava
De saudade tão doída
Lamento compartilhava
Chegou junho, mês de festa
Tempo de arrumar a cidade
Bandeirolas penduradas
Milho verde de verdade
Noite fria agasalhada
Na fogueira irmandade
Seu Laudino não perdia
Um festejo portentoso
Fez questão de ver a filha
Ao seu lado, orgulhoso
Mandou buscar Idalina
Que aceitou, maravilhoso
Na chegada o automóvel
Cruzou a rua principal
Zé das Couves construindo
Idalina natural
Pois se viram na distância
Coração bateu brutal
Mas se ver não tinha jeito
O aparato era moderno
Capataz montando guarda
Bisbilhotando de perto
Seu Laudino preocupava
Vestido em mais lindo terno
De manhã, na caminhada
Idalina tinha curso
Cortava por dentro os beco
Capataz ficava mudo
Por entre os galhos da mata
Se viam por um segundo
Zé das Couves não deu conta
Num aguentou tanta desdita
Um segundo não bastava
Via Idalina aflita
Pensou formular um plano
Pra encerrar sina maldita
Vinte e três de junho tinha
Cortejo varrendo as rua
Sanfona tocando xote
Zabumba batendo crua
Triângulo tilintando
E o povo cantando as suas
De repente lá vem ele
Que era aquilo, era bonito
Dançando todo enfeitando
Tinha ginga, muito estilo
Apesar de não ser tempo
Abraçaram o boi junino
Um balé descoordenado
Era o que o boi exibia
Chifrando de lado a lado
E voltava, então seguia
Brincando com o povo todo
E a molecada se ria
Na toada de vaqueiro
Chegô’em frente ao Coronel
Com a família na calçada
Sorrindo pro carretel
E parou num instante o boi
Coronel tirou o chapéu
Bateu chifre foi três vezes
Como se ameaçando
Bufando de raiva o touro
De pata de trás ciscando
Arregalou-se o Coronel
Percata couro trançando
Não deu tempo de dar grita
Nem capataz meter a mão
Chifrada de boi junino
Pegou justo o coração
Tombou duro seu Laudino
Coronel se foi ao chão
Enquanto a mulher chorava
Fugiu fugido foi o touro
Capataz se esgoelava
Peguem ele! Ranquem o couro!
Mas o plano arquitetava
Guarda a roupa sem sufoco
No beco dos encontro ‘tava
De montada o seu jumento
Zé das Couves se aprumava
Arrumando os pensamento
Se seu plano não falhava
Tinha ainda um momento
Estava em jogo a vida
Que sonhava com Idalina
Família, casa e comida
Um menino, uma menina
Coisa que se lê ni livro
Fim da vida severina
Cavalgou de volta à casa
Com Idalina se encontrou
Esticou os braço à amada
Mas ela não replicou
E ele não entendeu mais nada
Zé das Couves empacou
Vem simbora, vem comigo
Zé da Couves implorou
Seu Laudino é passado
Veja, nosso amor ganhou
Vâmo até o horizonte
Que deus-pai abençoou
Sem mover nem um cabelo
Idalina vacilante
Mexendo a cabeça ao lado
Disse não por um instante
Capataz gritando “pega!”
Picou mula o retirante
Não durou nem ano e meio
Descambou, faliu fazenda
Perderam todas as terra
Colocaram tudo à venda
Adeus, milho e mandioca
Plantação, reza e novena
A mulher de Seu Laudino
Ficou muda para sempre
Num luto inconformado
Dia-a-dia descontente
Pedia a Deus a morte
Nu’a mordida de serpente
Vestida de preto toda
Guardava também seu luto
Idalina, não atinava,
Vivia a esmo sem dar fruto
Fracote, perambulava
Dependendo do matuto
Na casa que era herança
Tudo o que sobrou do pai
Não trocava nem palavra
Nem olhar, nem toque, ou mais
Carregava muita culpa
Segredo, orai e vigiai
De volta pra sua janela
Noite clara no sertão
Bela, linda, enluarada
Sonhava com o matulão
Zé das Couves como príncipe
E o jumento de alazão
Chegou ao fim esse causo
De tragédia e sofrimento
Não tem mais o boi junino
Não se viu mais o jumento
Amor proibido não vence
Nunca vira casamento
Cordel publicado com exclusividade na Papo de Galo_ revista #4.
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