Recebo, pouco depois da meia-noite que inaugurou o domingo de Dia dos Pais de 2020, vídeos e fotos de meus filhos, descrevendo orgulhosos, seus desenhos de presente à distância.
Ambos vão discorrendo os detalhes, cada traço tem porquê, tem razão de ser. Ambos sorriem, minha filha mais que meu filho, que, mais emocional, demonstra estar coberto de saudades.
Pois é, filho. Eu também tô com saudade que não aguento.
Nestas férias de verão, quando se desenpirulitam da Patagônia para ver calor no Brasil, embarcamos em viagem para Salvador. Seria o primeiro contato direto de minha filha com a Bahia, enquanto meu pequeno até iniciado no Barradão já era.
Túnel do tempo.
Refrescávamos na piscina na casa de amigo-irmão da família na bucólica Jauá. Alexandre, que dali a 3 meses completaria 4 anos, fazia a festa. Algo, no entanto, incomodou meu pai. Ele, na piscina, me pergunta:
— Venha cá, Alexandre não fala palavrão, não, é?
— Oxe, claro que não, meu pai.
— Nenhum?
— Não.
— Então vamos resolver isso agora.
E o sacaninha virou sacana a viagem toda.
Mas, divago, voltemos para o começo deste 2020 e a viagem à Bahia.
Nos 11 dias em Salvador, eles viram e fizeram de tudo. Foram à praia, claro; visitaram a parentada toda, inclusive o último abraço em Seu Perez, meu Voinho; pediram ao Senhor do Bonfim, meteram até fitinha no pulso; andaram de ferry boat; estrearam em Mutá, com direito a passeio de lancha e tudo; mataram a saudade da avó que não viam há anos; se esbaldaram no acarajé, mas preferiram moqueca; ouviram o pai no rádio; viram o pai na TV; aprenderam a pra sempre chamar a vovó Angelica de vovó Angelica; pularam carnaval com os palhaços do Rio Vermelho; inventaram gritos de guerra no Barradão, com sorvete e pipoca; gritamos gol do Brasil num campeonato sub qualquer coisa, e ainda contra a Argentina!; curtiram demais.
Foi uma pequena amostra da Bahia para eles, uma breve conexão com a querência tão importante pro papai.
Mas, insista-se o tanto que foi, visite-se com a frequência que seja, há uma dorzinha importante: jamais serei painho.
Jamais ouvirei a doce e rouca voz de minha filha, desse tipo de gente impossível de dizer não, que pede sorrindo, me chamar de Painho. Nem a doçura maravilhosa de meu filho, me chamar de Painho.
Diz o pai de grande amigo que, quando foram morar na Bahia com filhos pequenos, que o primeiro Painho foi rechaçado, com ameaça implícita, para nunca mais retornar àquela casa.
Qual o quê!
Queria era eu poder ter e viver ainda mais as coisas da Bahia com meus filhos, sem cortar possibilidades.
Queria eu tanta coisa com eles…
Mas hoje somos só saudade.
A despedida da viagem deste ano foi um até logo sem data programada. Primeiro, que o aperto financeiro espaçou as visitas para quando der – e faz tempo que não dá. Depois, a pandemia mudou tudo, refez calendários, reorganizou prazos, e agora nem nossa farra de ano está garantida, porque um ano letivo emenda no outro para não atrasar a escola.
Mas que coisa.
De meu pai, saudade.
Eu como pai, também.
Aí não tem vantagem.
Aceito, contudo, o presente que me mandam com tanto carinho lá do Fim do Mundo. É, pois, o limite do possível.
Se não tem o Painho por vir, adquiriram o vocábulo local com fluidez. Sou papá, ou pá, assim como a mão deles é a mamá. Ah, esses quase-argentinos!
Intercalam, pá, papá, pai, papai, à mercê de suas vontades.
Sou, então, o vocativo que eles querem que seja.
E tudo bem, ora, ora.
Teremos as nossas interações diárias para matar a saudade dentro do possível, planejando viagens dentro do possível, programando férias dentro do possível. Seguirei orgulhoso demais dos projetos de pessoas que são, carinhosos, inteligentes, cheios de energia e sempre com um “eu te amo” na ponta da língua.
Só que o possível, neste 2020, é uma fresta ínfima de uma janela trancada.
A Bahia será sempre um pedaço deles. Estará sempre ali, para sorverem com gosto quando as circunstâncias assim permitirem.
Não sou Painho, mas sou Papá. ¿Te parece?
Editorial publicado pela primeira vez com exclusividade na Papo de Galo_ revista #8, páginas 50-52.
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