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Os filhos adolescentes do Brasil

Os filhos adolescentes do Brasil

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por Durval Lucas Jr.
Doutor em Administração


— Pai, quero sair de casa.

— Como assim, meu filho? Por que você quer sair de casa?

— Quero ser independente. Acho que já tenho condições de trilhar meus próprios caminhos.

— Tá bom. Se é assim, pode ir.

— Pai…

— Fala, filho.

— Aumenta minha mesada. Com o que ganho, não vai dar pra me sustentar.

Um filho querer ser independente com a mesada do pai garantida soa bastante bizarro, não é mesmo? Afinal de contas, quem quer ser independente junta seu dinheiro, arranja um trabalho e corre atrás dos seus sonhos. Se considerarmos a União como essa família hipotética, os municípios têm feito o papel de filhos adolescentes. E essa relação familiar conturbada tem gerado grandes problemas para a família Brasil como um todo.

Dos 5570 municípios atualmente existentes no Brasil, 1079 foram criados desde 1991, ano do primeiro dado disponível no IBGE dentro da vigência da constituição de 1988. Trata-se de um crescimento de 24% no número de municípios ao longo das últimas três décadas. Na outra ponta, projeto de lei enviado ao Congresso Nacional em 2019 prevê a extinção de municípios com menos de 5 mil habitantes e de 10% de receita própria. Segundo os cálculos divulgados à época do envio do projeto, estima-se que 1254 municípios passariam pelo escrutínio da nova regra. Ou seja, temos um forte sinalizador de que a criação de municípios no Brasil, ao longo das últimas três décadas, tem ocorrido de forma descontrolada e irresponsável.

Opositores à proposta governamental poderiam alegar que o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) é uma fonte de renda legítima, já que há o recolhimento de impostos federais e estaduais também nestas pequenas regiões. Porém, não se trata de defender a legitimidade ou não do FPM, mas de uma análise crítica sobre como a sustentabilidade econômica de um município afeta a qualidade dos serviços prestados ao cidadão. O contribuinte deve ser informado sobre os custos da manutenção da infraestrutura estatal, e o quanto isso significa em termos de redução de investimentos em saúde, educação, cultura, e tantas outras necessidades que fazem parte do quotidiano da sociedade.

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Criar um município não significa certeza de benefícios imediatos para a população, mas certamente traz a necessidade de se criar e manter uma burocracia estatal. Prefeito, vice-prefeito e vereadores são a parte visível do iceberg, mas não se pode esquecer dos secretários, assessores, diretores, coordenadores e funcionários para as mais diversas funções. Um sem-número de servidores que, de uma hora para outra, precisam ser custeados – nestes casos, com uma renda inexistente – para que o município faça valer sua autonomia e seu relacionamento com os cidadãos e demais entes federados.

O corporativismo da classe política, quando o assunto é criação e extinção de municípios, é escancarado. Só quem passou os últimos 30 anos em Marte acreditaria nos argumentos dos defensores das emancipações, mesmo quando recorrem ao princípio da autodeterminação dos povos. Ainda que este princípio seja legítimo, e tenha o Reino Unido como principal expoente e utilizador – especialmente no trato de suas regiões coloniais, a exemplo da disputa que a Argentina insiste em ter em relação às Ilhas Falkland –, não conheço nenhum cidadão que tenha dito que prefere um secretário de educação em vez de uma escola, ou um secretário de saúde em vez de um hospital.

O Brasil tem aprendido nos últimos anos que não é o fato de uma povoação ser ou não município que garantirá atendimento de qualidade à população. Quem mora nas capitais e grandes cidades brasileiras certamente já se deparou com ambulâncias oriundas de outras cidades, e mesmo de outros estados. É paradoxal constatar que, para vários municípios de pequeno porte, a política pública de saúde mais importante é justamente a de remoção dos doentes para centros de excelência em outras regiões. Ainda que gestões mais modernas tenham apelado para instrumentos como os consórcios intermunicipais para o financiamento conjunto de serviços públicos, fica o questionamento: “Qual seria a realidade dos serviços públicos se todos esses municípios insolventes simplesmente não existissem?”

Portanto, a criação de municípios não deveria ser objeto de discussões apaixonadas ou vítima do voluntarismo político, mas resultado de análises racionais e econômicas sobre a viabilidade da manutenção da máquina estatal, e a relação direta com a melhoria da qualidade dos serviços públicos. Regiões que se desenvolveram economicamente, separadas de outros centros, e que precisam da atuação estatal organizada para viabilizar o desenvolvimento social podem e devem virar novos municípios. Inclusive, porque farão valer o significado da palavra “emancipação” mais efetivamente do que o filho adolescente do começo da nossa história.

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Artigo sobre criação de municípios assinado por Durval Lucas Jr. foi publicado pela primeira vez com exclusividade na Papo de Galo_ revista #9, páginas 15-17.


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Capa da edição #9 da Papo de Galo_ revista sobre o papel do município na política.

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