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_Entrevista: Juan Medeiros

_Entrevista: Juan Medeiros

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Juan Medeiros é uma figura carismática. Nascido na Ilha do Governador, morou quase 3 décadas em comunidades cariocas, sendo duas delas no Morro do Dendê. Cresceu na vida corporativa depois de obter cursos técnicos em informática. Foi executivo de empresa multinacional e camelô, palestrou em TEDx, e é também presidente da associação comercial de Nilópolis, um dos 13 municípios da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, que escolheu chamar de casa. Com desenvoltura e sem conter as palavras, conversa sobre sua história, suas ambições e sua entrada na política.


Eu sou presidente do PSDB de Nilópolis e tenho orgulho de dizer o quanto a nossa estrutura é bem organizada. Eu estou no mercado executivo há 23 anos, empreendo há 15. Então quando  eu peguei o diretório, eu o peguei com 6 anos de dívidas, com prestação de contas a ser feita, com processo no TRE… Eu tive que pegar meu advogado e desarquivar processos para ver o que estava rolando. Hoje eu tenho aqui uma estrutura fantástica, com um auditório pra 120 pessoas, com telão gigante. Ninguém tem igual.

E para mim, politica é empresa. O candidato tem CNPJ, presta conta, o partido também. Tudo aquilo que trabalho na minha vida corporativa, eu uso para a politica.


Eu sou iniciante na política. Muito políticos vem da historia pregressa da família politica, que tem aquelas habilidades, principalmente as habilidades escusas de negociação e não tem a questão do relacional. Um dos rios que corta a cidade, o Periperi, ele destruiu  um muro de contenção de um terreno baldio e tem uma residência ao lado. Se aquilo for assorear, o muro da residência vai cair e tem vidas ali. Ah, aquilo é atributo e compromisso do INEA, mas a responsabilidade de estrutura física é da prefeitura. E fica um disse-me-disse. A cidade tem pressa, o problema precisa ser resolvido. Ficar muito nesse jogo, vai muito do próprio judiciário. Fazendo uma analogia de uma ordem temporal, aqui nós temos o Legislativo, que são aqueles que fazem as leis, ou seja o passado, e você tem o Executivo, que tem que atuar diante daquela lei criada pelo Legislativo, isso é presente. E o futuro é o judiciário, que vai criar sanções e punir se não tiver sendo executado.

A politica é isso, ou você tem jogo de cintura ou não.


Eu nasci na Ilha do Governador, um bairro da cidade do Rio de Janeiro, numa colônia de pescadores em frente ao aeroporto internacional do Galeão. No inicio da década de 80, o bairro foi desapropriado e as  famílias foram para outros locais, como Duque de Caixas e Tubiacanga. A minha família optou em ir ao Morro do Dende. O Dendê, por logos anos, foi a favela, depois da Rocinha, com maior armamento bélico dentro do estado do RJ. Eu morei 27 anos na Ilha do Governador, sendo 20 no Morro do Dendê.

Perdi muitos amigos para o tráfico, gente da minha família se envolveu também. Só que eu nunca me envolvi. Logico, tive relação de proximidade, porque é o meio, mas nunca atuei em nada ilícito ou criminoso.

Comecei a estudar, fiz o ensino fundamental e o médio na Ilha do Governador, e comecei a trabalhar muito novo com informática. Fui crescendo, passei por diversas empresas. Comecei com analista de suporte e em meu último emprego, em 2016, fui gerente nacional de uma empresa suíça. Entrei como consultor e em 9 meses virei gerente nacional. Gerenciei 18 estados no país. Eu só me submetia ao meu diretor nacional e ao CEO da empresa e em 18 estados eu fazia a função de preposto e todos os negócios tramitavam sob a minha gestão.


Crise e trabalho como camelô

Antes disso, em 2008 eu passei fome. Nesse período eu conheci a minha atual esposa, com quem estou casado há 11 anos. Fomos camelôs, porque eu estava desempregado, apesar de ter um currículo excepcional, mas foi um momento muito ruim de crise. Depois eu tive essa oportunidade nessa empresa suíça, graças a deus. Tive empresa na Europa nesse ínterim em que eu trabalhei nessa multinacional, fui um cofundador de uma startup em Luxemburgo, fui incubado na Plug & Play Tech Center no Vale do Silício, na Califórnia, tive algumas outras startups. Ganhei e perdi muito dinheiro. Aí, em 2016, eu optei por sair e tocar meus pequenos negócios.

Em 2017 eu vim pra Nilópolis. Nesse lapso temporal, de escolha de cidade, eu sai da Zona Norte do Rio de Janeiro. Eu sempre gostei muito de periferia, de economia colaborativa, da questão do empreendedorismo, por eu ter vindo de favela e ter me tornado, de certo modo, uma referência corporativa. Eu queria ensinar as pessoas, especialmente do meu lado social. Para empreender, a formação pedagógica é muito importante, mas vai muito além do empreendedorismo. Resiliência, resistência, empatia, trabalhar reciprocidade, isso socialmente falta nas pessoas, que às vezes tem uma formação excelente, MBA, doutorado, pós-doc, mas é alguém que não dá bom dia pro porteiro. Então pra você ser um bom gestor, tem que primeiro saber servir muito bem.


Ascensão e chegada a Nilópolis

Em 2017 eu me tornei vice-presidente de um dos 15 conselhos da Associação Comercial do Estado do RJ. Eu fui o primeiro empresário oriundo de favela, de periferia, a assumir uma cadeira de conselheiro e executivo lá, e isso é motivo de orgulho e pertencimento. E eu pensei ‘eu preciso replicar isso pra cultura periférica’. Eu queria que essas pessoas com que lidava investisse na periferia. Falei ‘ não vou fomentar Urca, Gávea, Ipanema, porque estes não precisam de mim pra disso’. Isso é nativo. Eu preciso falar pros caras da Ilha do Governador, de Santa Cruz, de Campo Grande, de Bangu, de Padre Miguel, eu preciso falar para esses empreendedores.

Nascido em 7 de junho de 1937, Aniz Abraão David já foi preso diversas vezes e é presidente de honra da Beija-Flor, escola de samba tradicional que é símbolo da cidade.

Eu escolhi a cidade de Nilópolis porque dentro do meu estudo muito breve dos 92 municípios do estado do RJ, Nilópolis é o 9º IDH, sendo o primeiro  da baixada fluminense. E ele até pouco tempo, 3 anos atrás, foi o município com o maior adensamento demográfico do país. Eu me perguntei como uma cidade com 9 km de perímetro urbano, encravada no meio de grande potências industriais do estado, como Nova Iguaçu e Duque de Caxias é o nono IDH do Rio de Janeiro e o primeiro da Baixada? O que que tem lá? E eu vi que a cidade é quase como uma propriedade privada sob controle da família de Aniz Abraão David, o bicheiro mais velho em vida do Brasil.

A economia aqui é muito provinciana. Não tem nada muito inovador. E a cidade vive isso há 72 anos. Isso por conta da família que a controla. Então eu fiz um benchmark, eu estudei muito a região. E concluí que Nilópolis era o oceano azul. Pensei, se eu souber aplicar tudo que eu aprendi em 15 anos empreendendo e 23 anos de carreira corporativa, eu vou despontar e ficar rico. Eu vim pra cidade pra ficar rico. Não tenho vergonha de falar isso.

Ninguém monta um negócio, contrata pessoas e paga impostos para viver com pouco. Eu fundei um negócio para que em 5 anos eu ficasse de fato rico. Meu objetivo era criar um negocio totalmente inovador. E assim fundei o primeiro coworking, algo que todo mundo só conhece em bairro rico, em São Paulo, da Baixada Fluminense.

Graças a deus, o negócio cresceu. No espaço tem auditório pra 120 pessoas, elevador, banheiro com acessibilidade, um polo universitário EAD com graduação e que vai ter pós-graduação. E isso foi uma “mosquinha” dentro da Associação Comercial do Estado, que começou a me atribuir voz, destaque, liderança. Isso eu demorei muito a aceitar porque a gente quando vem de uma origem extremamente pobre, é difícil a gente ser elogiado e falar ‘eu sou foda’. Hoje não, hoje eu falo, eu sou foda. E não é porque eu sou competente, é porque eu venci.


Entrada na política

Eu entrei na política em dezembro de 2018, e me filiei ao PSDB em junho de 2019. Antes, conversei com vários partidos, fui a Brasília, tive reunião com políticos influentes. E aí eu cheguei ao PSDB por meio de um diretor da Alerj. Eu já dei muita entrevista para falar do mercado periférico, sobre o mercado de empreendedor de periferia, que é uma grande potência. Eu sou TEDx Speaker (ver próxima página). Então eu sou um cara foda, minha história é muito rica. Eu demorei a aceitar isso.

Juan Medeiros, TEDx, speaker, Rio de Janeiro, Nilópolis, Morro do Dendê

Eu escolhi entrar na politica exatamente pelo nojo da politica, por eu ter sido favelado, por eu ter tido mais oportunidade que amigos meus que tinham a mesma capacidade intelectual, mas por eles serem pretos, eles não entraram e eu entrei. Então eu comecei a ver isso e falei, ‘não dá, eu tenho que fazer alguma coisa.’ Eu uso isso nas minhas palestras e reuniões com os amigos políticos.

Platão, muito antes de Cristo, falava o seguinte: ‘Não há nada de errado com aqueles que não gostam de política, simplesmente serão governados por aqueles que gostam.’ Então se pessoa não votar certo, não fizer uma anamnese, se não for buscar a vida pregressa do candidato, o que ele entende de história, se tem lisura, se é alguém que está envolvido com ilicitude, essa sociedade vai fracassar.

Eu, então, aceitei o convite do Paulo Marinho e do João Dória. Me filiei ao PSDB apesar de ter na minha veia, por conta da minha história, um carinho pela esquerda, mas não sou esquerda.

A Ilha do Governador tem 23 favelas. Eu entro em qualquer uma. Eu sou um cara querido porque eu sempre respeitei o cara que era o produto do meio, eu entendia o cara e falava ‘ irmão, não entra nessa porra, tu vai se foder’, mas eu entendia que se o cara não entrasse, a família dele ia estar passando fome. É a ausência do poder publico.

Eu escolhi o PSDB porque tem fit com muito da minha história, de estar hoje centro-liberal, mas não ter problema de conversar com a esquerda, de trazer gente da esquerda pra tratar de assuntos que sejam para o bem da sociedade, e também o pessoal de direita. Eu sou liberal. Eu voto pela competitividade das empresas. Eu sou empresário, não político. O meu objetivo de ter entrado pra política é usar toda a minha habilidade, meu conhecimento, para transformar a política em negócio. É enxergar o cidadão como um cliente, a quem vou vender o melhor produto, que será acolhido, bem tratado, auxiliado. Eu não tenho compromisso com a política. Esse é um desafio que eu aceitei, um desafio pesado. Eu estou lidando com pessoas inescrupulosas, pessoas que tem histórico pregresso pesadíssimo. Só que ninguém me toca porque eu sou um cara respeitador, mas eu não deixo de fazer as minhas denúncias, entendeu?


A realidade da Baixada e da política

53% da receita gerada no estado do RJ é oriunda da Baixada Fluminense. Dos 53%, 47% é de indústria. O grande polo é Duque de Caxias, que hoje, se eu não me engano, é o sexto maior PIB municipal do pais (nota do editor: Duque de Caxias é, de acordo com dados de 2019, o 18º maior PIB municipal do país), é uma máquina. Nilópolis não tem refinaria, não tem poço de petróleo, mas recebe milhões por mês de royalties de petróleo.

O governo do estado precisa olhar com mais carinho pra Baixada. Sempre houve essa segregação social e segregação hereditária. O município do Rio de Janeiro e Niterói são as meninas dos olhos do estado e esquecem da Baixada Fluminense. Mas mais da metade da geração de empregos e de economia vem da Baixada Fluminense.

Por conta dessa força municipais, eu enxergo que na região há uma vaidade exacerbada dos prefeitos. Os governantes se distanciam e criam burocracia, quando o melhor seria ter uma interlocução próxima.

Um exemplo que eu admiro demais é o Flavio Dino. Ele fez um consórcio com vários estados em que, unidos, compram num grande processo de licitação unificado. A compra em lote é mais interessante, é a máxima da competitividade empresarial, de ganho de escala. Os municípios da Baixada Fluminense deveriam se unir para se tornarem sedutores pro estado. A gente precisaria se unir em um grande consórcio. Poderíamos entrar, por exemplo, num ranking de cidades inteligentes. O marco civil de inovação pra cidades inteligentes estabelece que projetos de até 200 mil reais não precisam de licitação publica. Então se os municípios se juntassem, poderiam fazer projetos juntos.

Com meus acessos a grandes empresas de tecnologia, se eu consigo trazer uma grande empresa dessas para cá, para montar um centro de tecnologia, o estado vai olhar de outra forma. Falta aos prefeitos e prefeitas deixarem de ser vaidosos e começarem e a se tornar sedutores pro governo do estado e aí o relacional vem a reboque, de forma mais natural. Conversar com o governador, por exemplo, e definir que necessidades podem ser trabalhadas em conjunto. E aí a gente vai pra mídia junto.

Quem entra na politica, como eu, não pode ter uma visão poliana de que vai mudar tudo. É obvio que entrar na politica agora tem que ter uma vida pregressa ilibada, e não tenha que se misturar com assuntos corruptíveis, mas a velha politica ainda é fundamental para a maquina funcionar, esse é o grande problema que a gente tem que começar a mudar. Um dos elementos para corrigir essas distorções é liderar pelo exemplo e ter governança. Tem que auditar, dar autonomia para controladorias, principal-mente para a procuradoria do município.


Sobre criar autonomia para os municípios

Eu sempre penso em dar voz e autonomia ao empreendedor local. Por exemplo, os camelôs aqui de Nilópolis. Na cidade, temos um calçadão que tem mais 300 barraquinhas de camelô, junto com empresas e lojas de grandes redes. Esses caras são a grande mola propulsora da economia local. O público consumidor que tem maior importância é o publico de comunidade – e isso é histórico dado – que compra mesmo, que empodera o local. Só que eles são muito segregados, esquecidos. A gente tem que dar autonomia, corroborar e fomentar mais esse empreendedorismo.

Calçadão de Nilópolis.

E a gente tem arrecadação suficiente. A questão é como esse recurso é empregado. Quando ele é bem gerido, naturalmente, vindo a reboque, isso vai diminuir, porque a nossa economia vai estar pulsando mais, e a distribuição vai ser proporcional ao PIB local, ao desenvolvimento local. Isso ocorre quando eu der autonomia aos camelôs, aos empresários, principalmente em redução de imposto, é o calcanhar de Aquiles na Baixada. Em Nilópolis, o ISS é de 5%. Quando eu falo com qualquer grande empresa que poderia estar empregando 200 pessoas aqui na cidade, o executivo fala ‘Pô, Nilópolis? ISS de 5%, pagar imposto numa cidade daquele tamanho?’ Mas no momento em que eu chego e beneficio o empresariado, com ISS a 2%, natural e implicitamente, os empresários vão pensar em Nilópolis de maneira mais positiva.

Outro exemplo é o IPTU, que em Nilópolis é absurdamente alto. Tem que equacionar, dar isonomia. Quanto mais eu reduzir, mais eu vou ter pessoas pagando. Em Nilópolis devemos ter apenas 40% dos IPTUs em dia. Quando eu coloco mais baixo, eu posso ter 100% da arrecadação sendo gerada. Quando eu baixo o ISS, eu trago empresas. Eu acho que essa é a forma de trabalhar. 52% dos munícipes saem todo dia pra trabalhar na cidade do RJ, porque não tem emprego aqui. É uma cidade dormitório. O pessoal se gradua no RJ, mas mora e dorme aqui. Gasta o dinheiro no RJ. Quando a pessoa está formada, vai trabalhar onde? No município do Rio de Janeiro. Temos que mudar isso.


Entrevista publicado com exclusividade na Papo de Galo_ revista #9, páginas 46-53.


eleições, controladoria, FPM, município, política, política pública, papo de galo, revista, Gabriel Galo, Fernanda Galvão, Davi Carlos, Durval Lucas, Marcos Silveira, Juan Medeiros, Edmar Braga, Daniel Caribé, Rogério Barrios, entrevista, artigo, ensaio, análise, Galo Consultoria
Capa da edição #9 da Papo de Galo_ revista sobre o papel do município na política.

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