A primeira vez que soube da existência de Maradona foi na Copa de 90. Estávamos em Mutá, vila de pescadores no limite da Baía de Todos os Santos. O Brasil perdeu e meu pai, num mau humor acumulado desde a decepção de 82, colocou as crianças para brincarem fora de casa. Mas chovia e fazia frio naquele junho baiano. Procurando abrigo, fiquei embaixo da antiga ponte de madeira do cais, que pingava gotas geladas por entre as vigas podres e eu ali, morrendo de frio e sem entender nada da injustiça daquela situação.
Com o tempo, enquanto a paixão pelo futebol crescia, a figura de Maradona foi criando outra forma na minha cabeça. Porque se dentro de campo ele era sublime, fora de campo é que a sua imagem se transformava em outra coisa. Especialmente quando pesado o significado do título mundial de 86.
Quando Maradona fez um gol de mão contra os ingleses, ele vingou um país inteiro. Se o gol de mão era uma injustiça, as Malvinas também eram, então foi reparação na mesma moeda. E depois, Diego foi imortalizado na voz de Victor Hugo Moralez no gol de todas as copas.
Mau exemplo: o exemplo perfeito
Mas em vez de exemplo de conduta, o pibe era o oposto. Era ser humano falho, ao mesmo tempo em que genial. E nisso se fazia espelho do povo argentino: superior, que não busca a perfeição porque é perfeito como é, cheio de alma, politizado, que erra e segue e jamais abandona quem lavou a alma de uma nação abalada. E para que não houvesse dúvidas, elevaram-no à condição de Deus, o mais humano dos deuses, conforme escreveu Galeano, como se a dizer para nunca o tocarem em sua magnitude.
Agora Maradona se foi. Não o vi no auge dos gramados, mas aprendi a respeitá-lo naquele junho de 90. Seu poder era evidente, embora eu, criança, não o compreendesse. Vi, contudo, o seu auge como ser mitológico. E por conviver com argentinos diariamente, observo curioso o significado de seu nome. E em vez de partir para a iconoclastia que tanto prezo, concedo este tanto à Argentina. O mundo chora como uma criança debaixo da ponte num dia de chuva. É uma injustiça ter que dizer adeus a quem mudou o mundo, a quem redefiniu uma nação, a quem não é idolatrado pela sua perfeição, mas justamente por não ter vergonha de não sê-lo. Compreender este viés engrandece ainda mais seu significado. E dificilmente teremos um novo Maradona.
Eu sou Gabriel e esse foi o 90 segundos especial para o Futebol SA. Me acompanhe também nas minhas redes sociais no @souogalo e no papodegalo.com.br. Um forte abraço e até a semana que vem.
Ler também sobre Maradona
Acompanhe todos os áudios e textos do quadro “90 segundos” do Futebol S/A clicando aqui.
Ouça o programa completo sobre Diego Maradona no Spotify e Google Podcasts.
Veja no YouTube do Futebol S/A!
Apoie!
Você pode contribuir de diversas maneiras. O mais rápido e simples: assinando a nossa newsletter. Isso abre a porta pra gente chegar diretamente até você, sem cliques adicionais. Tem mais. Você pode compartilhar este artigo com seus amigos, por exemplo. É fácil, e os botões estão logo aqui abaixo. Você também pode seguir a gente nas redes sociais (no Facebook AQUI e AQUI, no Instagram AQUI e AQUI e, principalmente, no Twitter, minha rede social favorita, AQUI). Mais do que seguir, participe dos debates, comentando, compartilhando, convidando outras pessoas. Com isso, o que a gente faz aqui ganha mais alcance, mais visibilidade.
Ah! E tem também os meus livros! “Futebol é uma Matrioska de Surpresas” (2018), com contos e crônicas sobre a Copa do Mundo da Rússia, está na Amazon, esperando seu Kindle pra ser baixado. Além disso, em dezembro de 2020 lancei meus 2 livros novos de contos e crônicas, disponíveis aqui mesmo na minha loja virtual: “A inescapável breguice do amor” e “Não aperte minha mente“.
Mas tem algo ainda mais poderoso. Se você gosta do que eu escrevo, você pode contribuir com uma quantia que puder e não vá lhe fazer falta. Estas pequenas doações muito ajudam a todos nós e cria um compromisso de permanecer produzindo, sem abrir mão da qualidade e da postura firme nos nossos ideais. Com isso, você incentiva a mídia independente e se torna apoiador do pequeno produtor de informações. E eu agradeço imensamente. Aqui você acessa e apoia minha vaquinha virtual no no Apoia.se.