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A perfeita simbiose entre Salvador e o Tricolor

A perfeita simbiose entre Salvador e o Tricolor

por Faustino Menezes

Quando a Cidade do Salvador se tornara a primeira capital do Brasil, em 29 de março de 1549, mal sabia ela que seu processo de pioneirismo nacional estaria só começando. Ou talvez soubesse. Tanto que parecia por longo tempo aguardar o abraço na prole mais pródiga: uma instituição  esportiva – a grande paixão nacional – que só seria fundada meses antes dos seus festejos de 382 anos.

O Sport Club Bahia não era o primeiro clube de Salvador a ser criado, em 1931. Já existiam outras nove agremiações de futebol naquele 1º de Janeiro. Mas, inspirada na sua cidade-mãe, aquela que fora vitrine da sociedade brasileira por longos anos, era o Bahia quem tomaria para si, o quanto antes, o protagonismo da peleja.

Primeiro, precisou se provar um time nascido para vencer, sendo campeão baiano no ano de sua fundação – olha que coincidência, né minha Salvador? Depois, sendo abraçado por uma massa de soteropolitanos que, representados pelas cores azul, vermelho e branco, bateram no peito em algum momento da vida para, aos quatros ventos, bradar: “Sou de Salvador, pai, sou Bahêa!”

Mas faltava algo ao Bahia, que fizesse sua terra-mãe, a primogênita entre as capitais nacionais, olhar marejada com as águas da Baía de Todos os Santos e reconhecer: “Puxou a mãe!”

E não teve outra! Como filha de guerreira, guerreira é, a esquadra tricolor desembarcou no Rio de Janeiro, à época capital do Brasil, sucedendo Salvador, para brilhar no dia mais importante da nossa cidade: 29 de março de 1960. Dia da primeira capital do Brasil. E como diria esse jornal de Fortaleza abaixo, dia do Primeiro Campeão Brasileiro.

Salvador era novamente pioneira! Que baita presentão de aniversário, hein?



Mas continua…

A expansão e o orgulho entre Salvador e o Esporte Clube Bahia continuavam, com anos e anos de conquistas regionais e exibições internacionais poderosas, que não liberaram nem para bravos bávaros nos anos 1960 – vide o Bayern de Munique e um sacode de 6×1 do tricolor em terra alemã. Alemães esses que, em 2014, se sentiriam em casa às margens da Baía, para se tornarem campeões mundiais e devolverem a goleada em certa seleção aí.

O Bahia foi o primeiro brasileiro também a desbravar oficialmente partidas em terras de libertadores sulamericanos. Continuou disputando favoritismo e pioneirismo, mas, assim como Salvador foi perdendo popularidade com a coroa portuguesa para deixar de se tornar capital, o Bahia foi perdendo prestígio dentro de campo. Fruto de más organizações e interesses escusos que deixaram o clube à margem da falência, bem como nossa capital, que por anos ficara abandonada por gestões hereditárias.

Como estamos tratando, neste texto, a relação entre clube e cidade como maternal, aquele bendito cordão umbilical que rompem no parto, desta vez não se rompeu. E os efeitos disso são completos laços de humor, personalidade e companheirismo que se confundem dia após dia, inúmeras vezes, entre um e outro.

É a cidade quem sofre quando o Bahia perde em campo. E é a cidade quem vibra quando o Bahia levanta aquele bendito tento no apagar das luzes da Fonte Nova – a mesma Fonte que tem servido como poste de luz da esperança de milhares de soteropolitanos que clamam pela vida. Aquele maldito pioneirismo que já foi nossa especialidade em outros tempos não está mais aqui. Novamente fruto de uma má administração, agora sediada lá em Brasília, que parece querer nos levar de volta à terceira divisão.

É osso! Mas, ninguém desanima por aqui. Porque ser Bahia é acreditar até o apito final, principalmente quando o jogo é em casa, quando é em Salvador, onde o time é sempre carregado por uns milhões de soteropolitanos que saem dos quatro cantos da cidade baixa e da cidade alta para empurrar com um mesmo sotaque o motor principal do seu amanhã. Aquele que fará Salvador sorrir ou chorar no dia seguinte. Ou, como diria o anúncio do grupo imobiliário no jornal abaixo, é o que fará a obra andar ou parar na cidade.

A cerveja “agua”, o caruru azeda e o mar fica revolto quando o time vai mal. Em compensação, o sol brilha, o motorista do buzu é gentil e sorridente, o baleiro faz promoção e as ruas ficam banhadas de três cores quando o Bahia broca.

Enfim… essa relação entre time-cidade é a mais íntima e umbilical que existe por aqui. Afinal, quando o Bahia ganha, quem ganha é Salvador.

Pois, então, ‘umbora’ Bahêa!

*“Soteropolitano de Camaçari”, Faustino Menezes é tricolor, músico, ativista cultural e jornalista em contínua formação. Eleito criador de tendências do Spotify e inimigo público do presidente da república no Twitter. Seu hobby predileto é destampar uma e degustar
a peleja.


Artigo publicado na Papo de Galo_ revista #14, de 28 de março de 2021, páginas 32 a 37.


Capa da Papo de Galo_ revista #14, de 28 de março de 2021.

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