Lendo agora
A perspectiva Temer

A perspectiva Temer

Michel Temer, Roda Viva, Papo de Galo, Gabriel Galo, impeachment, golpe

O Roda Viva desta segunda-feira, 16 de setembro, recebeu o ex-Presidente Michel Temer. Afora o Noblat e a pergunta sobre Marcela – talvez ele esperasse uma resposta à la Ciro Gomes, mas, veja bem, o Temer usa mesóclise e não cairia nesta armadilha porque pode ser tudo, mas não é burro. Usou-a como escada, o que, na verdade, era a intenção da pergunta -, foi um programa de alto nível.

Em que se pese as acusações gravíssimas de corrupção envolvendo Temer – algo que o Xico Sá já mostrava em reportagens sobre os esquemas escusos escondidos no Porto de Santos desde o meio da década de 90 -, Temer mostrou a sua habilidade de fugir de perguntas cabeludas. Mas, mais do que isso, Temer deu nome a algo que sempre se manteve no imaginário popular. Tal qual o duelo biscoito x bolacha, a política tem o seu dilema filosófico: foi golpe ou não foi golpe? Sem rodeios, Temer se referiu repetidamente ao impeachment de Dilma Rousseff como golpe.

A declaração causou certa surpresa. Especialmente quando ele continuou afirmando que não tomou parte no processo. Tanto pelo contrário, continuou: tentou impedir, mas era tarde demais. E usou a ligação de Lula como álibi para livrá-lo de todo o mal, amém.

Michel Temer, Temer, Roda Viva, Papo de Galo, Gabriel Galo

Como sempre é importante lembrar, a política se interpreta nas entrelinhas. E o que não falta nesta postura de Temer é adaptação ao contexto. Afinal, um bom político navega em muitos mundos sem ser derrubado.

Vamos de trás pra frente entendendo o que aconteceu lá, para chegar até ontem e como ele se camufla na onda daquilo que está por cima.

***

Temer foi, sim, golpista

“Contra fatos não há argumentos.”

Assim reza o ditado, que vai perdendo sua força em meio ao achismo que viceja nesta melancólica nova era.

Atente-se, pois, aos fatos.

A relação entre governo e base aliada, que já vinha desgastada há tempos, ruiu depois das eleições 2014. Dilma se mostrou incapaz de conversar com o Congresso. Bateu de frente e foi perdendo o apoio comprado com o Mensalão – e que, lembremos, mesmo em menor número, permaneceu fiel depois de 2006.

Com a pressão popular pela derrubada de Dilma (o que se convencionou chamar de terceiro turno) e a base aliada se organizando para estar à frente do Governo, formou-se a tempestade perfeita para o impeachment.

Só que, por mais que o próprio Temer tente maquiar a história, a sua participação não pode ser minimizada. E teve o ápice na carta divulgada em que ele mostrava sua insatisfação com o papel que exercia. Virou, com suas próprias palavras, um ‘vice decorativo’, alguém que perdera o ‘protagonismo político’ e que só era chamado em épocas de crise.

Na política que se deve ler nas entrelinhas, Temer rompia ali de vez com Dilma.

O maior exemplo do acordo que rolava por debaixo dos panos foi a inesquecível ligação telefônica entre Sérgio Machado e Romero Jucá. Esta ligação é muito mais relevante para entender a trama do golpe do que a de Lula divulgada na semana passada.

Sérgio Machado: Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer]… É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.

Romero Jucá: Com o Supremo, com tudo.

SM: Com tudo, aí parava tudo.

RJ: E delimitava onde está, pronto.

***

A ligação de Lula não isenta Temer

O fato de Lula ter ligado para Michel Temer para tentar frear o inevitável não diz nada sobre Temer, mas muito sobre Lula, Dilma e a relação entre eles.

Usar a ligação como salvo-conduto, aliás, diz respeito a uma lógica crível, mas não necessariamente factual: se Lula me ligou, argumenta Temer, é sinal de que éramos parceiros, de que havia confiança.

Não é bem assim.

Do lado de Lula, via-se o tamanho do mato sem cachorro. Ausente da vida pública durante Dilma-I, era a única possibilidade de sobrevivência do Dilma-II. O ex-Presidente, diante do praticamente inevitável, lançava mão de sua estatura para travar o impeachment, mesmo com o risco que ele temia de ser apenas uma tentativa de fugir da Lava Jato. De tal maneira que teve que conversar com Michel Temer, como uma espécie de último recurso.

Porque necessariamente ele já tinha tentado entrar em acordo com Eduardo Cunha. O golpe passava pelas mãos do então Presidente da Câmara. Na impossibilidade de se negociar diretamente com o agora cassado e preso deputado, o ex-Presidente procurou o intermediário a quem imaginava poder recorrer. Só que era tarde demais e Temer já estava do outro lado.

Tem-se, pois, de um lado, o desespero diante do imparável impedimento; do outro, o “não posso fazer nada” que foi o nocaute das pretensões de manter Dilma no Palácio do Planalto.

***

Então por que Temer diz que é golpe?

Toda esta história aponta para uma certeza da política: só existe governo com o MDB. Isso significa que o partido oscila de acordo com os ventos do momento. Mas nunca destrói pontes.

Em 2015/206, o MDB virou golpista porque viu a janela de oportunidade escancarada e aproveitou a deixa. O combo pressão popular + alinhamento político foi atraente demais.

Agora, em 2019, o que Temer faz é exatamente procurar se alinhar ao lado mais “forte” da história, ou pelo menos aquele que tenha mais caráter democrático.

No último mês foram 2 os movimentos criados para se lutar pela democracia, em constante ataque. O Direitos Já, capitaneado por políticos de 17 partidos e um ato na USP em prol da liberdade de imprensa, com participação ativa do Intercept.

Isso, contudo, não seria suficiente para que Temer se posicionasse tão abertamente como fez no Roda Viva. Para que assim o fizesse, há de se ter um lastro interno dentro do Congresso que valide poder se aninhar de volta com aqueles que um dia tramou contra.

Isto é: o barco do governo atual está afundando.

A perspectiva Temer é justamente esta: não se embarca em Governo afundado. E procura, pois, de todas as maneiras se distanciar desta lambança que é a administração Bolsonaro.

O movimento “não foi golpe” foi incorporado pela massa bolsonarista. Dizer que é golpe representa opor-se a esta gente. E a necessidade de desgarrar-se deste grupo faz com que flerte com o discurso que ajudou a conjurar.

Se Temer diz que é golpe, é muito golpe. O resto de sua argumentação, entretanto, é apenas pretexto para melhorar a sua imagem perante o grupo que ele enxerga como eventual aliado daqui pra frente.

***

Assista o Roda Viva de 16/setembro com Michel Temer na íntegra:

Ver Comentários (0)

Deixe um comentário

Seu e-mail jamais será publicado.

© Papo de Galo, desde 2009. Gabriel Galo, desde 1982.