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Arizinha Souza: a cara de uma Salvador 2.0

Arizinha Souza: a cara de uma Salvador 2.0

Apesar de alta madrugada, as mensagens não paramm de chegar ao celular de Ariane de Araújo Souza. Mas não há quem a chame assim. Para todos os efeitos, assumiu como praticamente oficial o apelido: Arizinha.

É alta madrugada, mas Arizinha ainda trabalha. Boa parte do apartamento em que mora com os pais é depósito de seus materiais: esculturas de gesso, tecidos, linhas, fitas, pedrarias, embalagens, e mais o que for necessário para dar cor aos santos e aos orixás, que produz sob encomenda.

Adianta o lado das artes que precisa entregar para clientes. Prefere o silêncio da noite para produzir, quando acelera a produção sem as distrações de dia claro. E mesmo que vá dormir perto de sol raiar no amanhã, desperta com um olho só às 7 horas justamente para responder pelo Whatsapp os clientes que insistiram noite adentro. Por uma hora, atualiza e retira pedidos, oferece atenção especial, para então voltar a dormir, num sono reparador de quem tem muito menos tempo do que gostaria de ter para dar vazão às muitas ideias na cabeça.


Arizinhazinha

Nascida no Hospital Evangélico da Bahia, em Brotas, um dos maiores bairros de Salvador  em 1 de julho de 1987, Arizinha é a caçula de 5 fiilhos de Seu Bidão, e a mais nova dos 2 filhos de Dona Preta, apelidos de Valdir e Nilde, seus pais. Mas a infância não é carregada de memória afetiva e eventos familiares cheios.

“Eu sou a mais nova por vários anos. Então, quando pequena, a casa vivia vazia. Meus irmãos já tinham ido viver a vida deles. Principalmente quando a família se mudou para Feira de Santana.”

Aos 3 anos de idade, Arizinhazinha descobriu 2 de suas maiores paixões.

A primeira era Xuxa.

A loira da TV fascinava a pequena, de quem sabia todas as músicas, dançava todas as coreografias. Era motivo de certa chacota na família, mas não se importava. Queria ser como Xuxa. E no calor tropical da capital baiana, desfilava com botas de cano alto, quase até os joelhos.

A boneca da Xuxa, aliás, era a única que a menina aceitava. Odiava desde sempre os brinquedos de menina que eventualmente recebia. Instantaneamente, ao ganhar uma boneca, as degolava e fazia a cabeça-sem-corpo de bola de futebol.

Personalidade é destino.

A bola seria a descoberta de sua segunda, e talvez maior, paixão.


Quê que tá acontecendo?

Ser a caçula tinha vantagens. Desde muito nova, Arizinha foi (e de uma certa forma, ainda é) a protegida de Seu Bidão. A história de Valdir, em si, une reviravoltas e dores demais. Órfão aos 12 anos, perdeu o pai e a mãe num intervalo de apenas uma semana. Mais velho, tornou-se viúvo com 3 filhos para criar. Conheceu, então, dona Nilde, ou Dona Preta, que, 15 anos mais nova que ele, assumiu a bronca do pacote completo. Com ela teve mais 2 filhos, sendo Arizinha a que fechou a conta.

Jogador profissional de baba, Seu Bidão, hoje com 77 anos, é funcionário de carreira aposentado do DNIT. E numa dessas artimanhas do destino, passou para cumprimentar os amigos num bar, Arizinha, então com 3 anos, a tiracolo. Era dia jogo do Bahia.

Arizinhazinha não entendia muito bem o que estava acontecendo, mas queria pra ela o que quer que aquilo fosse. Lembra-se de toda aquela gente enlouquecida, vibrando e cantando. Caiu de amores pelo Bahia ali, num estalo. Para quase angústia de  seu pai, torcedor do Vitória.

(Mas o tempo mostrou fluida essa paixão de Bidão. Acompanha os filhos a jogos na Fonte, mesmo não vestido, e mantendo em casa um personagem de torcedor rubro-negro. Dirão alguns que por conta da filha, e como dizer que não? Em dia de jogo tricolor, bate na porta da filha pra avisar, “vai começar o jogo. Não vai assistir essa porcaria, não?”, no que a filha retruca, “Oxe, quer ver o jogo do Bahia, né? Peraí que eu já vou.”)


Cria de estádio

Ver o Bahia na Fonte se tornou imprescindível para Arizinha. Fazia de tudo para estar no estádio, mesmo que se metesse em algumas enrascadas de vez em quando.

“Dia de jogo eu fugia de casa pra ver o Bahia. Passava a semana comprando e vendendo adesivos ou o que fosse pra juntar o dinheiro do ingresso e ia. Na época era mais fácil, ingresso custava barato. E anda envolvia os amigos na história! Ligava pra eles e pedia pra ligarem pra casa me chamando pra ir na casa deles. Vê se pode! Algumas vezes um desses, mais velhos, ia até em casa como se tivesse indo me buscar pra ir pro jogo. Pois no caminho a pessoa ficava em casa e eu ia pra Fonte Nova ver o Bahia sozinha. Futebol é um ambiente machista, é difícil pras mulheres irem a um jogo sozinhas. Naquela época, então! Deve ser por isso que eu não pedia a meus pais pra eu ir no jogo. Eu sabia que era um lugar hostil, seria correto de meus não me deixarem ir. Mas a possibilidade de não assistir a um jogo do Bahia no estádio era mais grave. E eu ignorava tudo e ia.”

Ia até mesmo a Ba-Vis no Barradão, estádio onde nunca viu das arquibancadas o Bahia vencer.

“Aos 14 anos eu fui com um amigo, Marcelo, torcedor do Vitória, assistir a um Ba-Vi no Barradão. Compramos o ingresso e na entrada combinamos de nos encontrarmos na saída do jogo no lugar tal. Ele desceu pra arquibancada e eu fui lá pro canto onde fica a torcida do Bahia. Jogo acabou, noite chegando, fui pro ponto de encontro e cadê Marcelo? Começou a me bater o desespero: era exatamente o motivo que meus pais precisariam pra me proibir pra sempre de ir a um estádio de futebol. Aí, olha o perigo, para um carro oferecendo carona. Era um torcedor do Bahia com 2 crianças pequenas. Me senti segura e fui. Deixei Marcelo, onde quer que ele estivesse, pra trás. Cheguei em casa – meu Deus, agora me dei conta que meus pais nem conhecem essa história! – como se nada tivesse acontecido. Tomei meu banho, dormi tranquila. No dia seguinte acordei pra tomar café e lá estava Marcelo pendurado na árvore na frente de casa. A gente não tinha celular, né? E o coitado passou a noite ali, preocupado se eu estaria bem. Acontece que teve briga no Barradão, alguns grupos foram detidos e ele acabou indo junto sem ter nada a ver com a história. Quando foi liberado, correu pra me encontrar, mas eu já estava em casa, e sem saber de nada. E ficou na árvore esperando pra ter certeza de que eu estava bem. Coitado. (risos)”

A vida na arquibancada sofreu um baque quando a família se mudou para Feira de Santana. E se por um lado a frequência na cancha caiu naturalmente, por outro a mudança descobrir de vez sua veia artística e empreendedora.


A veia empreendedora


Embora nunca tenha faltado nada, Arizinha queria mais. E queria sem ter que pedir. E no recreio da escola, descobriu que tinha jeito pra vendas. Fez seu primeiro negócio trocando o dinheiro do lanche do recreio comprando adesivos, que vendia para os colegas na escola. Gostou da sensação.

“Eu sempre fui muito atirada. E de cara eu comecei a fazer um dinheirinho comprando e vendendo adesivos. Percebi que levava um jeito pra coisa. E olhe que eu nunca precisei de nada, sabe? Eu sei que eu podia pedir pra meus pais, mas eu queria conquistar as minhas coisas. Talvez eu tivesse também um medo de ouvir ‘não’.”

Essa postura seguiu com Arizinha por muito tempo. Adolescente, se virava como podia, mas com propósito diferente: ver o Bahia na Fonte Nova.


Descobrindo a arte

Foi quando a família morava em Feira de Santana, fazendo da cidade uma filial dos Barris, bairro de seus pais, que Arizinha descobriu que levava jeito pra arte.

“Eu fazia faculdade de Pedagogia UFES e namorava com Lawzinho. Aliás, eu era conhecida como Arizinha de Lawzinho, porque ele é de família rica. Já eu venho de família que vive bem, mas é que rica não é. São mundos muito diferentes. E nas festas, principalmente Natal, eu não tinha condições de dar um presente pra ele ou pra alguém da família no nível que eles estavam acostumados. Então eu comecei a fazer os presentes pra dar, como camisetas e bolsas. E as pessoas começaram a me procurar querendo saber se eu vendia. E comecei a vender, na faculdade e entre amigos.”

Mas para fazer da arte uma profissão, Arizinha precisava aprender algumas coisas. E se livrar de outras.

“Em 2008, 2009, eu virei pra minha avó, que trabalhou a vida inteira como costureira, e pedi pra ela me ensinar a costurar. E assim comecei a costurar as minhas bolsas, que eu vendia principalmente na faculdade.”

Aos poucos, a faculdade foi ficando menos importante. Quanto mais se dedicava à arte, menos a pedagogia parecia viável. Criou página no Facebook para mostrar seu trabalho. E um evento a levou a decidir pôr fim na faculdade, e até mesmo à vida em Feira.

“Eu só tive um emprego na vida. Estagiei numa escola em Feira, trabalhava com a Diretora do Colégio. Um dia, a avó dessa diretora esteve na escola e começou a desdenhar de quem trab-lhava, de mim principalmente. E eu não sou de levar desaforo pra casa, né? Respondi firme. Aí juntou um monte de coisa. A saudade de Salvador, dos meus amigos, do Bahia… E eu me dei conta de que eu não queria fazer Pedagogia. Eu queria fazer arte, era o que me movia.

“Faltando um semestre para concluir o curso, conversei com meus pais que eu queria voltar pra Salvador, e eles me apoiaram. Tranquei a faculdade, terminei o namoro e deixei Feira pra trás, vindo morar com minha irmã.

Entrou na UFBA para estudar Artes. Fez dessa graduação um sincretismo acadêmico.

Cheia de planos, em 2016 Arizinha teve que interromper tudo por conta de um medo que toda mulher tem: se envolveu em um relacionamento abusivo.


Relacionamento abusivo

Um vídeo aterrorizante em outubro de 2020 despertou lembranças traumáticas em Arizinha. Nele, um homem agride uma mulher com socos no meio da rua. O caso, ocorrido em Ilhéus, ganhou repercussão nacional. Do apartamento onde mora com os pais – que também voltaram de Feira pouco depois da filha – sentiu a dor e a humilhação daquela mulher.

“As pessoas perguntam ‘por que não denuncia? Por que não se separa?’ Eu era dessas, inclusive. Mas só quem viveu um relacionamento abusivo sabe o que isso significa e como qualquer pessoa pode ser arrastada a isso. Aprendi na pele o quanto eu estava errada ao julgar.”

Foram anos até conseguir falar do assunto.

“Eu o conheci nem lembro bem como. Ele era coordenador de uma torcida organizada do Vitória. Era dependente químico. Dizia sem vergonha nenhuma que adorava brigar com as torcidas do Bahia.

“Ele tinha uma ex que mais que perseguir a ele, me perseguia. Ela me telefonava, mandava mensagens, dizendo que ele iria embora pra ficar com ela.

“Os amigos diziam apenas que ‘fulano é doido’, mas aqui na Bahia isso tem uma conotação meio de piada, de sujeito engraçado.

“Quer dizer, todos os sinais de relacionamento abusivo estavam ali. Mas a gente ignora, acha mesmo que ‘comigo vai ser diferente’. E nunca é. E nem posso dizer que alguém deveria ter falado mais a sério do risco que eu estava correndo, porque essa responsabilidade era minha. E hoje sei que mesmo que tivessem falado, eu teria escolhido não acreditar, fazer de conta de que era uma grande mentira contada por uma pessoa que queria nos separar.

“O relacionamento evoluiu muito rápido. Em pouco tempo a gente estava morando juntos. Mas era um clima sempre muito tenso. Eu sabia que ele poderia explodir a qualquer momento. E passei a tentar evitar esses ataques de fúria, como se eles fossem culpa minha.

“Me fechei ao Bahia. Guardei tudo o que eu tinha numa caixa. Era como se eu cortasse a minha identidade para que se adequasse à dele. Num relacionamento abusivo você perde essa noção de individualidade. Tudo passa a girar em torno do abusador.

“Mas ele não chegava necessariamente a me agredir fisicamente. As agressões eram psicológicas. E o abusador consegue fazer você achar que é você que começa as agressões, ou pelo menos que é tão parte do abuso quanto ele e que é você, na verdade, a culpada pela agressão. Mas só eu era diminuída, humilhada. Vivia retraída. E olha que eu nunca fui assim. Sempre fui atirada, expansiva. Aquela ali não era Arizinha, era uma figura que fui moldando para evitar consequências piores.”

Consequências que vieram.

“Eu comecei a ir a todos os jogos do Vitória com ele, por medo de que ele fizesse alguma besteira. Achava, de verdade, que minha presença o faria se controlar mais.

“Ele foi detido várias vezes, mas sempre era solto, conseguia se livrar sem tantas consequências. E aos poucos as brigas comigo foram se tornando também físicas.

“Quando eu não consegui esconder os hematomas, para quem perguntasse, eu mentia. Dizia ter sido assaltada, ou algo parecido. Fui assaltada muitas vezes.

“Mas ele não conseguiu me quebrar por completo. Racionalmente eu percebia o absurdo da situação, sabia que eu precisava me livrar dele. Mas não conseguia. Por vários motivos.

“Eu me perguntava, por exemplo, o que aconteceria com ele se eu não estivesse junto. Ou seja, eu me culpava por eventuais consequências que eram somente responsabilidade dele.

“Mas eu sabia até onde ele podia ir. E mais do que ter medo por mim, eu tinha medo do que ele poderia fazer com a minha família. E acabava ficando. Teve vezes de eu dormir na rua de medo de voltar pra casa. Esperava a poeira baixar e voltava com ele mais calmo. Era um sacrifício que eu achava ser necessário fazer.

“Eu consegui ver com mais clareza o quanto eu corria perigo num sonho. Nele, eu sangrava, e o sangramento era causado por ele. Esse sonho, eu acho, foi a incepção, a origem da minha libertação.

“E quando ele me agrediu com mais violência, e eu vi minha roupa rasgada e ensanguentada, a ficha caiu. Eu saí de casa correndo, quase nua, machucada, pedindo socorro. E vi, nesta hora de maior vulnerabilidade, o quanto a violência contra a mulher é relativizada.

“No prédio morava um soldado do exército. E me vendo naquele estado, em vez de me ajudar, me acolher, ele aumentou a minha culpa, dando a entender que tudo aquilo poderia ser por minha causa, que o melhor era voltar pra casa, que ele logo haveria de se acalmar.

“Saí pelo portão e pulei na frente de um táxi que me levou para a casa de meus pais. Esse homem foi um anjo na minha vida. Foi de um desconhecido o primeiro gesto de acolhimento, de respeito à minha dor, que eu tive em muito tempo.

“Meus pais foram, como sempre, extremamente acolhedores comigo. E, sabe?, eles sempre foram exemplo de marido e mulher, companheiros, carinhosos. Temos ainda o costume de jantarmos todos juntos, todos os dias. Família unida mesmo. Eu tinha isso dentro de casa.

“Depois daquele dia, nunca mais voltei ao apartamento. Assumi  o prejuízo – das minhas coisas, dos móveis, do dinheiro que eu tinha emprestado a ele – e segui com a minha vida. Pra conseguir se desvencilhar de um relacionamento abusivo é preciso cortar laços por completo. Depois de alguns anos, era, enfim, vida nova.

“Em 2017 eu soube que ele foi preso, por conta de uma briga de torcidas em um jogo da Copa do Nordeste. Não sei porque, ele me colocou como contato. Tive que comparecer em juízo, mesmo sem querer ter mais qualquer relação com ele, direta ou indiretamente.

“Ele assinou um TAC. E nesse processo, redescobri a alegria que me faria voltar a ser quem eu era.

“A juíza do caso me conhecia dos tempos de blog do Bahia. O filho dela, torcedor tricolor, me acompanhava, mesmo eu estando há alguns anos sem participar da vida do clube. Mas ali tinha um sinal forte demais para ser ignorado. Estava no Bahia, na torcida, no estádio, o sustento emocional que eu precisaria.

“Anos mais tarde, como parte dos 12 passos de recuperação dos Narcóticos Anônimos, ele me ligou para pedir desculpas. Ouvi por respeito ao processo, não a ele.

“A dor do que eu passei sempre vai ficar. Aprendi a conviver com essa dor e a, principalmente não ser dominada por ela. Até pouco tempo atrás, relembrar este período da minha vida me fazia mal. Hoje finalmente consigo falar do assunto. Aconteceu faz parte da minha história. E me apoio no fato de que vocalizar o que aconteceu comigo talvez ajude outras mulheres a se livrarem de seus relacionamentos abusivos.”


Bahia, comunidade e sustento emocional


A volta de Arizinha ao mundo do Bahia foi quase épica. Morando com os pais em apartamento a menos de 10 minutos da Fonte Nova, sobraram incentivos para que retomasse a rotina de se vestir de vermelho-azul-e-branco e seguir para o estádio com a sua gente. E foi recebida de braços abertos.

Ali no meio da torcida, ela não era mais uma. O acolhimento dos seus remonta aos tempos das comunidades do Bahia no Orkut. Os laços criados então permanecem fortes, como se imunes à ação do tempo.

“O Bahia é mais que um clube de futebol. Tem laços de comunidade dentro da torcida que são fortes demais. É sustentação emocional pra muita gente.”

O talento na artes se faz presente também em outras frentes. Arizinha substituiu Pri Ulbrich como colunista do Bahia no “Donas da bola”. Escreve como poucos sobre o lado de torcedora.

Sócia, faz parte do grupo de apoio ao Núcleo de Ações Afirmativas (NAA) do clube. Foi por meio de conceitos de ações originadas no NAA que o Bahia deu uma guinada na sua valorização institucional.

Arizinha também não tem papas na língua no que se refere às decisões do clube. No mal gerido caso Jean, foi uma das vozes mais críticas ao retorno do ex-goleiro ao time, por conta da agressão à sua ex-mulher. Ela, que viveu o trauma, se indignou do fato de o clube, progressista na forma de atuação, ir tão contra a tudo o que prega e o que é certo pregar. Com isso, não apenas decepciona uma parcela gigantesca de sua nação, como também joga fora uma imagem cuidadosamente cultivada por anos.

Falar o que pensa, mesmo com criticidade, não a impediu de se tornar presença constante nas redes do clube. Principalmente depois do lançamento do Sócio Digital, plataforma exclusiva para sócios, com programas especiais, bastidores e transmissão ao vivo dos jogos do clube.

Arizinha foi convidada a fazer parte de alguns programas. E neste ano de 2021, assume de vez o posto de âncora do programa “Corneta da FOONte”. Antes dividia bancada com outros 3 companheiros. Hoje, a casa é dela. No programa, recebe torcedores para fazer aquilo que o torcerdor melhor sabe fazer: cornetar.

“É um privilégio, uma honra ter o espaço que eu tenho dentro do clube que eu tanto amo. Às vezes eu acho que eu pego um pouquinho pesado demais (risos), mas isso também mostra o quanto o Bahia é um clube diferente. Não tem só gente que puxa o saco da diretoria. Tem gente criticando, e que faz porque quer o bem do clube.”

No Bahia, conheceu ídolos. A desenvoltura, entretanto, perto dos ídolos se tranforma em vergonha. E a impediu por anos de ter uma foto com Ávine, seu ídolo maior.

“Eu era louca por Ávine. Já briguei em estádio de sair na mão com quem falava mal dele. E quando eu o vi num evento do clube, não conseguir fazer nada. Fiquei só olhando com cara de boba. Demorou anos pra eu ter, finalmente, uma foto com ele. E a foto só veio porque a esposa dele, que acabou virando minha amiga, mandou uma mensagem pra ele dizendo pra bater uma foto comigo. Porque se dependesse de mim… (risos)”

Arizinha revela também um projeto novo.

“Escrevi por 10 anos em sites do Bahia sobre os jogos, a torcida. Eu quero reunir estes textos em um livro. Quem sabe não lanço no fim desse ano? Não tenho quase nada pra fazer mesmo… (risos).

A mesa ocupada por imagens que precisam ser pintadas entregam que o trabalho é muito, assim como a vontade também.


Arizinha presentes e ArizinhaArts

Os cômodos do apartamento há tempos se tornaram ateliê de Arizinha. Neles estão espalhados imagens em

gesso, tecidos, contas, fitas e linhas, imagens, caixas, maquinário e tudo o mais necessário para produzir.

O tempo de camisetas e bolsas ficou pra trás.

“Dá muito trabalho e tem uma competição desleal. O trabalho do artista tem competição direta da indústria. Como eu posso competir pra entregar uma camiseta de 60 reais, com uma arte feita à mão, quando se vende por aí um pacote com 4 camisetas por 15, 20 reais?”

Mas a alma de quem comprava e revendia adesivos quando criança não a deixaria parada. Inquieta, procurou outros meios para ganhar o seu. E também, outras maneiras de se manifestar artisticamente.

No perfil Arizinha Presentes, no Instagram, vende peças de artesanato. Já no perfil Arizinha Arts (@arizinha_arts), dá vida a uma nova paixão: as imagens de santos e de orixás.

“Comecei a fazer as imagens em 2018, mas não vendeu. Mas eu fui estudando, pesquisando, principalmente sobre o Candomblé. Aprendi sobre as cores, sobre como trabalhar cada orixá. E eu vejo no meu dia-a-dia, com esse trabalho, o quanto a religião é discriminada. Mesmo em Salvador.

“As imagens cruas em gesso eu tenho que pedir de uma fábrica no Paraná. Não tem, aqui em Salvador, quem fabrique os orixás, enquanto santo católico é fácil de achar. Mas o pior é na hora de vender. Eu procuro fazer parcerias com lojas físicas, para expor o meu material. Muitas lojas, inclusive, têm interesse, me procuram. Mas quando eu comento dos orixás, a conversa para. Dizem que ‘não querem se envolver com religião’, mas se fosse somente a imagem de Nossa Senhora Aparecida, não teria essa restrição. E olhe que estamos na capital mais negra fora da África.

“Retomei a confecção dos orixás quando recebi um pedido pra fazer Oxalá, em 2020. Desde então, não parei mais. Hoje a maior parte do meu trabalho é com as imagens.

Recuperando-se da Covid, Arizinha aposentou temporariamente a máquina de costura.

“No começo da pandemia eu fiz muitas máscaras. Mas parei, porque depois ficou comprovado que as máscaras de tecido protegem pouco. Varei muita noite fazendo máscara, furando o dedo na máquina… Mas a demanda era tanta, que ficou mais fácil comprar máscaras pra revender. Hoje a máquina está quase parada. Meu trabalho maior é com as mandalas e as imagens. E é muito trabalho! Desde fazer o acabamento da escultura em gesso até pintar e colar os detalhes em pedraria, passando por uma costura pequena das roupas, são várias horas por imagem. E hoje o que mais sai é a Iemanjá baby.”

Arizinha é um recorte de uma parte fundamental de Salvador 2.0. Negra numa cidade predominantemente negra; mulher numa cidade de maioria feminina; torcedora do Bahia, a maior torcida; batalhadora e destemida numa cidade em que o desemprego é o maior do país entre capitais e a correria do ganha-pão é tarefa diária; une candomblé e catolicismo em seu trabalho numa cidade sincrética; artista numa cidade que gosta de se amostrar.

Mas é uma versão atualizada desta nova Salvador. Resgata o candomblé com respeito à religião. Conectada, faz da internet o seu  local de conexão com o mundo. Solteira e sem filhos, não é Oxum, mas é dela, num mundo que se renova em cultura e sociedade.

Um exemplo de vida, herdeira fiel do sangue de Seu Bitão e Dona Preta.


Perfil publicado na Papo de Galo_ revista #14, de 28 de março de 2021, páginas 18 a 31.


Capa da Papo de Galo_ revista #14, de 28 de março de 2021.

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