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As Mães e os Bons Negócios

As Mães e os Bons Negócios

O Dia das Mães de 2021 foi marcado pelas homenagens ao ator Paulo Gustavo e à sua mais famosa personagem, a carismática Dona Hermínia. Uma legião de fãs, amigos, e pessoas dos mais diversos meios culturais e sociais prestou homenagens nas redes sociais ao ator que lutou contra a COVID-19 por mais de 50 dias, mas que, infelizmente, teve a vida ceifada. A comoção não poderia ser maior com a proximidade de uma data tão querida aos brasileiros, já que Dona Hermínia vinha se consolidando como uma das mães mais famosas do nosso mundo artístico.

A receita do grande sucesso da personagem teve como base, logicamente, o grande talento de seu intérprete. Porém, acredito que muito mais exitoso foi o processo de concepção artística e mercadológica que esteve por trás das câmeras. Sim, pouca gente discute a natureza mercadológica do mundo artístico, mas não se pode deixar de considerar que artistas fazem arte também para pagar boletos.

Se você parar para pensar, não há uma fórmula mágica que explique o sucesso de Dona Hermínia. Pelo contrário: a construção da personagem, eminentemente de natureza autobiográfica, traz à tona o mais comum do nosso quotidiano. Todos temos mãe, independentemente de condição social, política e econômica. Por isso, entendemos perfeitamente aquela relação tumultuada retratada no teatro e no cinema, e a reconhecemos como algo que faz parte da maioria das famílias.

A grande sacada de Paulo Gustavo foi assumir ele mesmo o papel inspirado em sua mãe. Até então, mães como Dona Armênia ou algumas das várias Helenas contavam com a parceria entre um texto genial e uma maravilhosa interpretação feminina. No caso de Paulo Gustavo e Dona Hermínia, a aposta foi ousada, mas tinha um fundamento: ninguém melhor do que ele para representar aquilo que viu, ouviu e sentiu ao longo de toda a sua vida.

Mercadologicamente, o resultado não poderia ter sido mais lucrativo: centenas de apresentações de sua peça nos palcos de todo o Brasil, e três filmes considerados sucesso de público e bilheteria – sendo o terceiro e último episódio de “Minha Mãe é uma Peça” o atual recordista em bilheteria no cinema nacional. Artisticamente, Paulo Gustavo consolidou-se como referência no cenário humorístico nacional, sendo quase uma unanimidade, mesmo em tempos de polarização. Gerou o seu próprio emprego, bem como o de várias pessoas. Não à toa, sua generosidade é destacada nos depoimentos dos diversos amigos que conquistou no mundo das artes.

A meu ver, uma das grandes lições que Paulo Gustavo deixa para o mundo dos negócios, por meio do legado de Dona Hermínia, é escancarar que fazer o arroz com feijão bem feito pode ser uma excelente estratégia de negócio. No mundo em que a inovação é perseguida a qualquer preço, por vezes esquecemos que não se come estrogonofe, lasanha ou caviar todos os dias, mas que o arroz com feijão sempre cai bem. Para acabar com a mesmice, nada como dar aquela reembalada, dando uma cara nova ao arroz ao colocar vegetais, carnes ou especiarias, ou transformando o feijão clássico em feijoada ou feijão tropeiro. Coisas que nossas mães fazem todos os dias, com criatividade e maestria. 

Paulo Gustavo foi um exímio reembalador de produtos. Dava-lhes frescor e uma pitada de novidade, e nos convidava a consumi-los como se fossem inteiramente novos. Reembalou nossas mães e todas as mães da dramaturgia ao dar vida à Dona Hermínia; reembalou a versatilidade de Chico Anysio e Jô Soares com as várias personagens em seu “220 volts”; reembalou a fórmula bem-sucedida do “Sai de Baixo”, ao fazer parte do primeiro elenco de “Vai Que Cola”. Já com “A Vila”, que supostamente seria uma reembalagem de “Chaves”, o resultado não foi tão bom quanto o esperado. Nem sempre a gente ganha, não é mesmo?

O desafio de inovar nas empresas pode ser comparado ao de criar uma personagem. Certamente, prevalecem as dúvidas sobre como trazer novidades reais para o mercado, ou como convencer as pessoas de que o novo produto em questão será o que elas não sabiam que precisavam até aquele dia. Mas, às vezes, a resposta está na reembalagem. No toque de acolhimento, que não ignora a busca pela produtividade, mas que deixa claro que o que está sendo feito tem por objetivo beneficiar a todos.

Lembro sempre de uma viagem que fiz certa vez, na qual voei a ida por uma companhia aérea e a volta por outra. Quando fui, recebi a clássica barra de cereais, uns petiscos e o suco. Nada surpreendente. Na volta, ao entrar no avião, fui surpreendido com um presente. Constatei, ao abrir, que nada mais era do que a mesma barra de cereais e os mesmos petiscos da ida. Mas a diferença estava clara: a empresa estava tão feliz em me ver, que fazia questão de me dar um presente. A embalagem e, principalmente, o gesto de carinho e acolhimento fizeram a diferença.

É claro que o mercado vai continuar demandando por inovações, e que as empresas devem continuar desenvolvendo seus processos inovativos. Mas, particularmente, eu acredito que o básico bem feito tem o poder de exceder qualquer expectativa. É só lembrar como comida de mãe pode ser tão gostosa sem ser nada diferente!


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Artigo publicado na Papo de Galo_ revista #17, de 14 de maio de 2021, páginas 26 a 28.

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