Yemanjá, 2 de fevereiro, burocracia, Elomar, baianinho-de-meninos e como a identidade de uma gente deve ser respeitada. Das 3 coisas nesse mundo vão.
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Vou letrar neste espaço de parágrafos diagramados as coisas lá da minha modernagem. Eu falo sério e não é vadiagem, embora, cedo esse tanto, eu seja escritor, e perambular a esmo faz parte do mise em scène da profissão. E pra você que agora está me lendo, eu juro até pelo Santo Menino – se for mentira, me mande um castigo. Só há três coisas nesse mundo vão, e uma delas não é dinheiro.
Apois.
Não que eu seja tradicionalista. Tanto pelo contrário. Na busca por entender o que levam aos caminhos de um ou outro, transporto-me aos pés alheios, massageando-os para que, ao fazê-los mais à vontade, compartilhem o que de mais secreto guardam. Assim, posso até não concordar com o que dizem, mas compreensão leva à evolução, creio. Concluo: eu até entendo o conservadorismo, o que me perturba é a acomodação.
No São Paulo, jovem da casa faz gol da vitória em clássico e sai pra galera, em momento de comunhão com a massa que foi ali pra ver gol. Mas os burocratas da bola e da segurança pública, que carregam em suas decisões o dom secar a alegria do esporte e do entretenimento, instituíram que esse negócio de abraço é perigoso demais. A quem se aninha no ressentimento e na preguiça, demonstrações de amor são subversivas demais para serem toleradas.
Eu até entendo o conservadorismo, o que me perturba é a acomodação.
Em Salvador, domingão dois de fevereiro, redestinado de descanso à farra sem moderação. No Rio Vermelho, a Bahia se vendo e se fazendo em plenitude, porque se cá qualquer coisa é motivo pra virar festa, algumas dessas de largo constroem a identidade de um povo e escrevem a alma do que é este quinhão de boa terra bonita por natureza e lambuzada de dendê.
Mas quem é de paletó não se dobra a Yemanjá e a procissões de êxtase coletivo. No apertado do calendário que eles mesmo definiram, colam-se datas e define-se que hoje é dia de jogo e pronto, está marcado, não gostou?, vá chorar no pé do caboclo.
Percebam como a atuação dos burocratas tem como objetivo – só pode – implodir os estaduais de vez. Se ao campo vão os meninos nas datas-FBF, Dona Janaína não aceita concorrência. Porque progresso não é desbaratino, não senhor. Avance, incréu, mas cuidado, com o sagrado.
O que se viu foi um Pituaçu às muriçocas, sem barulho, sem vida, sem futebol. Mais a sudoeste, na terra do sertanejo violeiro, fez certo ele ao se retrair à sua porção, alheio ao que se mancha com o mau-olhado dos inoportunos.
Nesse esvaziamento de dia de bola, a Bahia e sua gente se fortalecem. Porque, ao fim e ao cabo, não era dia de bola. Era dia de festa no mar, de rosas em barcos, de alfazemas e axés. Sorriem, pois, todos os rebeldes frente à derrota inequívoca dos incautos, que ousaram afrontar as águas do mar que fluem exclusivamente ao bel-prazer de nossa mãe.
Ter fincado pé na Mariquita é desvencilhar-se das amarras desta horda que visa deslegitimar o popular, porque sim, porque podem. É libertar-se pela manutenção de tradições que, somadas, são representações de algo mais importante que menino correndo atrás de bola num caça-níquel que nada vale.
Primeiro o que é importante. Amor. Furria. Viola. O resto a gente corre atrás.
*Gabriel Galo é escritor.
Foto: Felipe Oliveira / EC Bahia / Divulgação
Artigo publicado na página 2 e no site do Correio da Bahia. Link AQUI.
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