Os mais de 35 mil torcedores que foram à Arena Fonte Nova ontem deveriam, em ação coletiva, pedir ressarcimento do valor pago no ingresso. Por um motivo simples. Quem se habilitou a perder seu tempo na esperança de carimbar presença em mais um capítulo de uma das maiores rivalidades do planeta, o fez no afã de ver um jogo de futebol. E o que se praticou no gramado sagrado da velha Fonte pode ser chamado do que for, menos de futebol.
Agora, fosse o clássico um clipe da La Fúria, aí sim, tudo faria sentido. Análise tática seria descrita de cabo a rabo em verso. Acompanhe e diga que não.
Desfile maluco, quicada lateral, movimento confuso. Marcação vertical, modelo abusada, deu risada sem graça, câimbra giratória. Jogou pro lado, subiu, desceu. Bola na área, e sobe, e zaga! Sobrou, quicou, bico-pra-onde-o-nariz-aponta.
E teile e zaga. E vai.
Põe os caras no falante de uma vez e estabeleça-se a balbúrdia, num carnaval fora de época dentro das dependências da gentrificada arena. Ritmo é ritmo de festa! Puxe-se o bloco das lamentações que em vez de cordeiro tem catraca. Faça-se oficial o desmantelo de que na Bahia, todo absurdo tem precedente!
Pense bem como seria mais fácil a vida de todo mundo! Narradores poderiam cantar o jogo na letra da música. Comentaristas citariam trechos com aquele típico ar de embasamento. Torcida ia sorrir da desgraça consumada de seus mantos. Como num passe de mágica, a realidade paralela seria mais bela e divertida que a dureza daquilo a que se assistia com os olhos sangrando. Viva à fantasia que tudo aceita!
Os pés-no-chão do que não é imaginação, no entanto, reservou zero a zero insosso, aguado, insípido, incolor e inodoro – mas com fortes efeitos soníferos –, espelhando a situação absolutamente preocupante tanto de Bahia quanto de Vitória. Porque se o que praticam em campo é algum esporte que está para ser inventado, os adversários insistem, resolutos, em jogar o tal do ludopédio. Assim fica difícil competir. E vão os rivais soteropolitanos amontoando eliminações e vexames.
Pobre futebol (futebol?) baiano. Onde moram suas ideias? Onde foi parar a verticalidade de um jogo que parte para cima puxando o grito da torcida, pressionando os oponentes até cederem (lá eles) ao poderio de Charles, Bobôs, Rickys e Petkovics? Onde se esconde a rivalidade que puxa pra cima, em vez de se amarrar numa âncora em alto mar?
Façam renascer, pelo bem da terra que é boa e única, o futebol que excita, que move e comove!
Mesmo que, para isto, uma correção de rumo seja tomada. Conserte-se a bússola das pranchetas que não sabem para onde vão, mas para o alto e avante é que não é. Assimile-se que a dor das derrotas consecutivas e o tempo investido numa escalada irracional pioram cada vez mais a perspectiva de ambos. Decerto, o prejuízo pela mediocridade prolongada pode ser maior que o desfalque financeiro das rescisões de agora.
Ressurja, ludopédio da Bahia! Até lá, La Fúria não é apenas o nome de uma banda, mas o sentimento certeiro de toda uma nação que ama o futebol.
Gabriel Galo é escritor
Artigo publicado na página 2 e no site do Correio* em 11 de março de 2019. Link AQUI!