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Beethoven e a ode à alegria

Beethoven e a ode à alegria

Beethoven, pintura, música

Neste domingo 10 de junho de 2018, uma coisa foi puxando a outra até chegar aqui neste texto. Começou com um vídeo do pianista brasileiro Hercules Gomes, interpretando “Cintilante“, uma polca perdida de Chiquinha Gonzaga que ele ajudou a reconstruir. A polca me levou a Mozart, que dali me levou a Beethoven. Um festival de sinapses que me fizeram me emocionar, uma vez mais, com a Nona Sinfonia de Beethoven.

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BEETHOVEN E A ODE À ALEGRIA

A sociedade vienense do começo do século XIV consagrara Ludwig van Beethoven como sucessor legítimo de Mozart. Nascido em Bonn, na Prússia – hoje Alemanha – em 1770, fez sua história em Viena, capital do Império Austro-Húngaro, local onde músicos deveriam estar, muito antes de Paris emergir como maior centro cultural da Europa.

A história de Beethoven é, em característica comumente encontrada em gênios das artes, fascinante. Culmina justamente na Sinfonia No. 9 em Ré Menor, op. 125, ou A Nona. Sua quarta parte, Presto, é das composições mais reconhecidas de todos os tempos. Informalmente, passou a ser chamada de “Ode à alegria”, especialmente por ter como letra cantada pelo coral – o poema An die Freude (“À Alegria”), de seu compatriota Friedrich Schiller– algo que Beethoven almejava há tempos.

Um compositor de sua época tinha, prioritariamente, 3 fontes de renda: comissionamentos para composição de óperas, sinfonias, sonatas e afins – caso d’A Nona; como professor de música para famílias abastadas da alta sociedade, incluindo a realeza em si; ou como funcionário de alguma ópera.

OCASO

Quando lançada sua obra-prima, em 1824, Beethoven vivia o ponto mais baixo de sua carreira. Com 53 anos de idade, estava completamente surdo. Sua surdez foi crescendo primeiro a partir de uma dita má-educação – ele não cumprimentava de volta as pessoas que o chamavam nas ruas ou eventos, gerando uma indisposição geral. Depois, suas aulas de música e piano foram cessando com a certeza de sua surdez, algo que tentava manter em segredo, por óbvio. Independentemente de sua condição, era extremamente respeitado e admirado por sua obra.

Foi ficando cada vez mais recluso, isolado. Especialmente quando em 1822 fez sua última aparição pública antes da estreia d’A Nona.

Então há 10 anos sem compor novas obras, Beethoven foi convidado pelo maestro Michael Umlauf para reger sua própria ópera, Fidelio. O resultado foi tão lamentável quanto patético. Incapaz de reger por conta de sua surdez, Beethoven errava tempos, pulava partes. Quase em transe, fez os músicos que o seguiam se perderem. O espetáculo desastroso contribuiu para que fosse decretado o fim de sua carreira. Humilhado, recolheu-se em sua residência.

A COROAÇÃO

Acontece que em 1817 a Philarmonic Society of London (atual Royal Philarmonic Society) comissionou uma nova obra a Beethoven. Em 1822, quando de seu isolamento definitivo, ele trabalhava há 4 anos sem que ninguém soubesse do andamento da composição, havendo, inclusive, dúvidas de que jamais seria entregue.

Fato é que em 1824, sabendo ser aquela a sua última obra, totalmente descreditado, Beethoven resolveu lançar mãos de suas últimas fichas. Mostrou a composição de sua nova obra ao mesmo Umlauf de dois anos antes. A  mitologia diz que, ao finalizar a composição, afirmou, sozinho em sua casa, num momento de epifania, que tinha, finalmente, “encontrado a alegria”.

Com o aval do seu amigo regente, conseguiu teatro e unir grandes músicos de sua época para a montagem. Algumas medidas foram tomadas por Umlauf para que fosse evitado o mesmo problema de 1822. A primeira deles: Umlauf seria o regente principal, enquanto a Beethoven estaria reservado um assento a seu lado. A segunda, houve instrução direta aos músicos para que ignorassem os gestos de Beethoven e seguissem somente a Umlauf.

Segundo relatos de músicos da época, no dia da estreia, Beethoven gesticulava fervorosamente em alguns momentos. Por vezes, mantinha-se quieto. Na quarta parte, ergueu-se. Em transe, regeu sua orquestra imaginária de olhos fechados, como se tentasse tocar todos os instrumentos ao mesmo tempo.

Ao fim, numa cena cheia de simbolismo marcante, uma das cantoras dirigiu-se a Beethoven. A orquestra, já tendo terminado sua apresentação, era aplaudida efusivamente pelo teatro de pé. Ainda se auto regendo, Beethoven foi interrompido e ajudado a virar-se a seu público. Foi aclamado, a seu modo, como gênio que era. A redenção definitiva de um dos maiores compositores de todos os tempos.

Beethoven faleceu em Viena em 1827. Seu enterro, diz-se, foi acompanhado por cerca de 20.000 pessoas.

ENCONTRANDO A ALEGRIA

Em 1994 foi lançado o filme “Minha Amada Imortal”. Beethoven foi interpretado por Gary Oldman. O enredo conta a história de um amigo do músico que, depois de sua morte, dedica-se a encontrar uma amada desconhecida com quem Beethoven se comunicava por carta. O filme, tão belo quanto singelo, traduziu a cena do encontrar da alegria de maneira primorosa.

Nela, um jovem Beethoven vivia às turras com o pai alcóolatra, que se viu tendo que cuidar dos filhos sozinho depois da morte de sua esposa. Saía todas as noites para retornar embriagado e surrar o filho, descontando nele todas as suas frustrações. Nos meses mais quentes, Beethoven, ao ouvir o pai retornar, escapava por uma janela e corria para um lago próximo. Era seu refúgio

A alegria veio da reconexão com sua essência. Com a criança que ignorava a realidade, mesmo que por poucas horas, para refestelar-se no que era oferecido como lugar seguro. Nas águas calmas do lago, Beethoven boiava olhando o céu aberto e estrelado. Em meio às agruras de uma vida cheia de violência, encontrava, por fim, a paz.

Escute também no Deezer.

Tem também Hercules Gomes no Deezer e seu álbum “No tempo de Chiquinha“.

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