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Chove, chuva

Chove, chuva

Logo cedo, uma chuva não muito pesada, mas persistente. Dormir com chuva é dessas coisas que nos pega pelas mãos e nos leva ao sono profundo. Alegria que não tem tamanho. Pro Luis era assim que funcionava.

Torcia para chover todos os dias. A ele lhe agradava o cheiro, o barulho, o vento úmido soprando na janela. Despertador marcado para as 6 horas da manhã, religiosamente. Até nos fins de semana. Rotina adquirida de seu pai, meio que à força, pois quando o sol raiava, galo já tinha cantado e a terra do sítio precisava de cuidados.

No sertão do Nordeste o sol castiga a plantação e quem dela vive.

Danavam a resistir.

Exercício diário de enxadar a terra seca, jogando as parcas sementes que se sobravam. Sol a pino, suor escorrendo pela testa.

O sino dos ventos que anunciava que ainda tinha água a chegar. Enchiam-se de esperança. Errava muito, o danado. Às vezes o prenúncio era só vento, mesmo. Acertava aqui e ali, de vez em quando chovia.

No cair d’água, à noite, quando a luz do dia se esvaía e cessava a labuta, sentavam-se perto da janela, e ali, por horas, contavam histórias, riam e cantavam. O barulho da chuva que escorria na parede de barro, as gotas que pingavam do teto de palha. O cheiro de terra molhada. Era o ápice de sua vida de garoto.

Já entrando na adolescência, viu seu pai cair e fazê-lo como testemunha, em mais um dia de sol inclemente. Caiu de fome, de sede, de cansaço. Olhava para os dias à sua frente, e queria que tivesse sido ele. Ficou aliviado por seu pai, mas odiava o sol.

Na penúria que se avizinhava, seguiram a Oeste. De burro, de carona, de ônibus, de barco, no que lhe emprestassem a pena e um lugar no trajeto. Ouviu dizer, veja o que não é a comunicação boca-a-boca, que havia emprego na tal da Zona Franca.

O rio que parecia o mar. Água para todo canto.

Logo arrumou uma vaga numa indústria de lá. Fretado da empresa passava às quinze para as sete, de segunda a sábado. Arrumava-se rapidamente, banho a jato, postava a esperar sempre com antecedência.

No fim do dia, quando a chuva é obrigatória, já no ônibus voltando para casa, abria a janela e esticava a mão para fora. Queria o toque do pingo grosso e farto em sua mão. Fechava os olhos e sorria.

Chegava em casa extasiado.

– Visse, mainha, como choveu?

E a mãe, cheia de ternura, respondia.

– Coisa linda de se ver, meu filho.

Quando ainda havia chuva em sua chegada, sentavam à pequena janela de frente pra rua, e nada falavam, mãos dados e sorrisos aliviados.

Belo dia, lá sentados, resolveu falar.

– Mainha, a senhora já ouviu falar de Londres?
– Diabéisso?
– Londres, Mainha. Na Inglaterra, lá na Europa. O Tino, amigo meu da fábrica meu falou de lá.
– E?
– E aí que ele falou que lá quase não sai sol. Parece que fica nublado o tempo inteiro. E chove o tempo todo.
– Oxe.

Depois de uns segundos, a mãe lhe segurou a cabeça, deu-lhe um carinhoso beijo na testa, e o fez deitar a cabeça em seu ombro. E mais não disseram.

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