Lendo agora
Como fica a rejeição a Lula?

Como fica a rejeição a Lula?

Na eleição de 2018, o maior sentimento político do país não foi um de aprovação a um modelo político ou a um candidato: foi o de rejeição a um partido e a uma pessoa. O antipetismo foi o motor das decisões de voto, suprimindo por completo a razão, e estimulando decisões por meio de argumentos autoevidentes.

Lula? Bandido.

PT? Organização criminosa.

Governos do PT? Cleptocracia que visava se perpetuar no poder.

Parte desse sentimento veio de erros das administrações petistas. O Mensalão dissolveu a aura puritana do PT – embora Lula ainda fosse eleito para mais um mandato e o terminasse com 87% de aprovação. Mas foi durante os governos Dilma Rousseff que os problemas estouraram.

As manifestações de 2013 expuseram a insatisfação popular com uma economia que apenas ensaiava uma curva para baixo, mas que tinha em seguidas acusações de corrupção, exemplificadas pelos nababescos estádios para a Copa do Mundo e o mundaréu de obras paralelas, jorrando dinheiro público pelo esgoto – mas isso segundo a semiótica da Globo.

A gestão Dilma foi, sim, cheia de erros. Erros na gestão das finanças públicas, no que muitos consideram propaganda enganosa durante a campanha, na incapacidade de negociação com o Congresso. E a partir de 2014, nasceu a Lava-Jato, fortalecendo o sentimento de justiçamento de um grupo abnegado, lutando contra uma pretensa organização criminosa.

Se há na rejeição raízes inerentes às consequências práticas dos governos petistas, a ojeriza veio a partir da Lava-Jato – com anuência e impulsionamento de boa parte da mídia. Lula foi feito alvo principal, aquele que seria o elemento maior da cadeia alimentar da corrupção desenfreada, ou, como diriam os memes falsos de internet – alô fake news! – o maior esquema de corrupção da história. Exagero que caiu como uma luva para os anseios de uma classe média que bateu no teto do consumo, mas ao chegar lá encontrou endividamento e uma vida assim não tão diferente.

A Lava-Jato, então, expôs suas garras e partiu para cima de Lula, que de presa, logo foi preso. Devassou o histórico de Lula como pôde. O objetivo era encontrar aquele ponto escondido em que fortuna amealhada estaria guardada. Mas tudo o que encontraram foram reservas em previdência privada – com valores integralmente declarados –, o tríplex do Guarujá – que não era nem de Lula nem de Marisa –, o sítio de Atibaia – um arremedo de processo – e as entradas de recursos no Instituto Lula – também tudo ‘por dentro’.

Diz uma conhecida, certa das falcatruas de Lula, que o fato de não terem encontrado nada é porque a vida que ele leva, há décadas morando exatamente no mesmo endereço, sem luxos ou regalias, é pura fachada. Pois haja perseverança no propósito para manter uma fachada assim tão singela. E haja qualidade de escoamento de recursos e lavagem de dinheiro para que o máximo que tenham encontrado tenha sido processos frouxos de propriedades que não são dele.

É o paradoxo do fanatismo de convicção: a ausência de provas é certeza de crimes.

Atendo-se aos fatos, no entanto, o caminho indica outra conclusão. O que é mais provável, face a essa nova realidade exposta pela Vaza-Jato e referendada pelo STF: que Lula tenha um esquema indetectável de lavagem de dinheiro, mesmo com toda a PF empenhada na investigação e mantenha uma vida espartana sem poder usufruir dos recursos que supostamente roubou, ou que o que se viu até agora tenha sido uma grande farsa, panaceia armada pela convicção de quem se viu e se vê acima da razão?

Todos os fatos, alguns emergidos recentemente, indicam a segunda opção.

Então como fica a rejeição a Lula? Como fica a rejeição quando se desfaz a cortina da certeza irretratável para colocá-la como farsa repugnante?

Esta mesma pessoa conhecida citada acima, que expõe a ojeriza ao PT sem reservas, quando perguntada, não conseguia dizer o motivo. Ensaiou falar de Lulinha, repetindo fake news que mais se adequam justamente aos filhos de Bolsonaro. De Lula, no cerne, apenas o “não gosto”.

E aqui está o trunfo maior de Lula e sua momentânea inocência: ela despe de razão a sua rejeição, deixando apenas o gosto amargo do ódio. O que está ali, na maior parte dessa rejeição atroz, é tão somente o pior lado possível do ser humano. E o lado ruim adorou ter um manto de civilidade para disfarçar sua ira. Agora há pouco além do puro sentimento de repulsa infundada. Que foi alimentada justamente pela Lava-Jato.

Não seria, pois, essa rejeição, assim como o processo de Lula, uma farsa de uma narrativa que um certo grupo tentava vender?

Estamos todos suscetíveis a sermos marionetes de péssimas intenções quando a fala odiosa de alguém encontra fiapo de similaridade num achismo pessoal.

Agora, no entanto, há somente o ódio. Caíram as máscaras, que, aliás, gente como Bolsonaro nunca quis usar. Ele sempre ali, limpo, aberto, raso como um pires e raivoso como um rato acuado.

Em algum momento, a rejeição a Lula vai cair. Seu nome, por sinal, altera por completo a corrida presidencial. Tem rejeição menor que o PT. E vai acelerar seu favoritismo – ou de seu candidato – em 2022 quanto mais explícito for quão absurdo foi seu envolvimento na Lava-Jato e quão espúrio Bolsonaro é.

Mas há de se olhar para dentro e entender qual é o parâmetro interno de uma moral que apelou à incivilidade há apenas 3 anos. Retomar a via da moderação é representação da queda de Bolsonaro.


Artigo publicado na Papo de Galo_ revista #13, de 17 de março de 2021, páginas 52 a 55.


Capa da Papo de Galo_ revista #13 mostra Lula sendo abraçado pelo povo. A anulaçãop de condenações do petista no âmbito da Lava-Jato o recoloca não apenas na corrida presidencial de 2018, mas cria oponente poderoso a Bolsonaro no duelo de narrativas pelo controle político nacional.
Capa da Papo de Galo_ revista #13, de 17 de março de 2021.

Assine nossa newsletter!

Conteúdo exclusivo e 100% autoral, direto no seu email.


Contribua!

Antes de você sair…. Tudo o que você lê, ouve e assiste aqui no Papo de Galo é essencialmente grátis. Inclusive o que escreve em outros lugares vêm pra cá, sem paywall. Mas vem muito mais pela frente! Os planos para criar cada vez mais conteúdo exclusivo e 100% autoral são muitos: a Papo de Galo_ revista é só o primeiro passo. Vem por aí podcasts, vídeos, séries… não há limites para o que pode ser feito! Mas para isso eu preciso muito de sua ajuda.

Você pode contribuir de diversas maneiras. O mais rápido e simples: assinando a newsletter. Isso abre a porta pra gente chegar diretamente até você, sem cliques adicionais. Tem mais. Você pode compartilhar este artigo com seus amigos, por exemplo. É fácil, e os botões estão logo aqui abaixo. Você também pode seguir a gente nas redes sociais (no Facebook AQUI e AQUI, no Instagram AQUI e AQUI e, principalmente, no Twitter, minha rede social favorita, AQUI). Mais do que seguir, participe dos debates, comentando, compartilhando, convidando outras pessoas. Com isso, o que a gente faz aqui ganha mais alcance, mais visibilidade.

Livros!

Ah! E tem também os meus livros! “Futebol é uma Matrioska de Surpresas” (2018), com contos e crônicas sobre a Copa do Mundo da Rússia, está em fase de finalização de sua segunda edição. Além disso, em dezembro de 2020 lancei meus 2 livros novos de contos e crônicas, disponíveis aqui mesmo na minha loja virtual: “A inescapável breguice do amor” e “Não aperte minha mente“.

Apoie: assine a Papo de Galo!

Mas tem algo ainda mais poderoso. Se você gosta do que eu escrevo, você pode contribuir com uma quantia que puder e não vá lhe fazer falta. Estas pequenas doações muito ajudam a todos nós e cria um compromisso de permanecer produzindo, sem abrir mão da qualidade e da postura firme nos nossos ideais. Com isso, você incentiva a mídia independente e se torna apoiador do pequeno produtor de informações. E eu agradeço imensamente. Aqui você acessa e apoia minha vaquinha virtual no no Apoia.se.


Ver Comentários (0)

Deixe um comentário

Seu e-mail jamais será publicado.

© Papo de Galo, desde 2009. Gabriel Galo, desde 1982.