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Conhece-te a ti mesmo, candidato

Conhece-te a ti mesmo, candidato


Por FERNANDA GALVÃO
Jornalista, consultora política e Master Coach.


Quem poderia imaginar que eu iria até o filósofo Sócrates para falar das eleições de 2020? Mas é isso mesmo. Vamos lá.

Vem do filósofo grego, que viveu lá pelos anos 499 A.C., a ideia de que só o autoconhecimento seria capaz de nos levar à autotranscedência e fazer com que fôssemos capazes de nos transformar e ao mundo ao nosso redor. E o que querem – ou dizem querer, não é mesmo? – os políticos a cada eleição, se não ter a chance de impactar suas regiões e transformar as suas realidades?

Como consultora política, e atuando no meio político há 20 anos nas mais diferentes funções, posso afirmar que as campanhas mais bem sucedidas em que atuei tinham um ponto em comum: o candidato sabia o que queria, sabia onde queria chegar e mais: sabia quem era e do que era capaz de fazer. Estes fatores faziam com que as ações desenvolvidas ao longo da corrida eleitoral tivessem efetividade, visibilidade, eficácia. E eventualmente traziam o resultado esperado: a eleição. Neste ponto é bom considerar que não necessariamente uma campanha precisa levar à eleição do candidato para ser avaliada como bem sucedida, já que sabemos que muitas vezes tal fato decorre de uma série de fatores. Não faz sentido considerar um candidato que não foi eleito, mas que era um solene desconhecido e depois de um pleito passou a ser considerado alguém a ser considerado e respeitado, como um fracassado. Campanha bem sucedida é aquela de onde o candidato sai maior do que entrou, eleito ou não – sim, é possível sair menor mesmo sendo eleito.

E até a capacidade de enxergar isso, e não se deixar derrotar pelo que se vê nas urnas, fala a favor de um candidato que sabe quem é.

O problema é que entra ano, sai ano, o que sempre bate nas nossas mãos de consultores são candidatos querendo fórmulas mágicas que garantam a eles um mandato. Iguais a todo mundo. Com a mesma linguagem, a mesma cara, a mesma fôrma, o mesmo tudo. Antigamente, bastava ver o horário eleitoral pra ver como pareciam todos resultados da mesma receita de bolo, hoje basta dar uma olhadinha nas páginas de Facebook e nos perfis de Instagram de pré-candidatos.

Eu até entendo, em certo nível. É aquela coisa, né, se todo mundo faz é porque deve dar certo, não é? Só que não, não é nada disso.

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A escolha de um candidato, mas a escolha mesmo — não estou falando daquele que recebe o voto porque alguém passou pra ele o número numa mensagem no WhatsApp minutos antes de ir votar — demanda um processo que vai da indiferença à adesão.

A meta de todo candidato tem que ser a adesão, porque é neste momento que o eleitor passa a ser aquele que, além de clicar seu número na urna, tenta trazer mais voto para o escolhido. E como aderir ao que não temos a menor ideia do que seja? O eleitor quer saber com quem o candidato anda, o que ele pensa, o que ele deseja e o que acredita. Quer se sentir parte, quer se ver como agente da mudança do mesmo jeito que o seu candidato. É disso que a política representativa trata: ele sou eu, no Governo, no Parlamento.

Só que é meio desafiador mostrar pro eleitor quem é o candidato quando este mesmo candidato chega pro consultor com uma lista de materiais de outros e fala: quero igual pra mim. Não dá, sem condições.

Aí você me pergunta: mas qual a grande dificuldade em buscar o autoconhecimento? Pois é, parece uma coisa simples. Só que não é, e eu vou explicar o porquê.

Olhar pra dentro e enxergar nossa verdadeira essência significa encarar nossos defeitos, nossas manias, nossas idiossincrasias. É ter que admitir que de repente você não está sempre tão coberto de razão. É ter que reconhecer que às vezes é melhor perder, de um lado, pra ganhar lá na frente.  Este ano, ainda por cima, temos uma campanha atípica. Como ir pra rua, fazer caminhada, apertar mãos e abraçar pessoas, se estamos no meio de uma pandemia? O coronavírus bagunçou o script de todo mundo, que foi obrigado a migrar pro digital pra tentar garantir alguma relevância e manter o nome ativo na mente do eleitor – vamos combinar que não podemos falar que foi de uma hora para outra, não é? Pelo menos desde 2006 o cenário eleitoral vem fazendo uso das ferramentas de internet para aumentar a capilaridade dos candidatos, então o pré-candidato que ainda não estava na rede quando a covid-19 chegou já estaria errado, com ou sem vírus pra bagunçar o coreto.

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Mas o que tem o autoconhecimento a ver com isso? Tudo!

O candidato que sabe o que quer, que tem clara qual a mensagem que quer passar e o que estaria disposto a fazer para garantir seu bom desempenho sempre consegue ter uma boa fluidez nas redes. O discurso acaba saindo claro porque ele é claro mesmo, pra todo mundo. Vai além daquela coisa de “quero o melhor pra minha cidade” – claro, né, quem vai dizer o contrário?

Buscar o autoconhecimento é o que permite que o candidato reconheça para si próprio as suas deficiências, pois só assim ele pode avançar. Só cresce aquele que reconhece que ainda tem o que conquistar, o que aprender, o que abraçar. É aquilo que mostra pra ele que ele precisa, por exemplo, entender mais sobre o que aflige o cidadão deste ou daquele bairro, em vez de chegar lá cheio de ideias pré-concebidas sobre o que ELE acha que é o melhor para aquela população.

Vou dar um exemplo muito claro. Em 2016 assisti a um programa na televisão de um candidato a prefeito. Ele dizia que tinha andado muito pelo bairro onde eu moro, e que tinha chegado à conclusão de que o

problema era a falta de praças para lazer. E onde eu moro tem um número absurdo de praças, muitas delas, à época, em ótima condição de conservação. Outros problemas mais urgentes, como por exemplo a falta de transporte de qualidade, sequer foram citados. Porque o senso comum dizia que o problema era a praça, não a falta de trens ou ônibus.

Só se permite ouvir o outro aquele que tem segurança suficiente para não se sentir diminuído diante do fato de que é preciso beber dos outros saberes. E o marketing político é sobre isso, é sobre estudar o movimento dos desejos da população. Não é sobre fabricar um candidato de acordo com os seus desejos, e sim sobre responder àquela pergunta:

O que é que o povo quer?

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Artigo assinado por Fernanda Galvão foi publicado com exclusividade na Papo de Galo_ revista #9, páginas 31-34.


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Capa da edição #9 da Papo de Galo_ revista sobre o papel do município na política.

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