Lendo agora
A Copa 2022 será como você quiser que seja

A Copa 2022 será como você quiser que seja

Al Bayt, estádio da abertura da Copa 2022 no Catar.

Em breve, daqui a pouquinho, piscou já foi, a Copa 2022 vai começar no Catar. Uma competição diferente do que nos acostumamos a ver. Em novembro/dezembro, no Oriente Médio, num país cujo território é pouco mais que a metade do estado do Sergipe. Mas antes que vocês me acusem de saudosista, tenham sua calma, porque dar vez aos periféricos da bola é necessário e encorajador, apesar do calafrio que causa aos conservadores do mercado. Azarões são bem-vindos, dão sabor ao esporte, alimentam histórias e sonhos.

Agora, veja, não é que se possa considerar uma monarquia ditatorial, que dorme em vastos campos de petróleo e que vê direitos humanos básicos como pecado no mínimo e crimes mortais ao extremo, como algo periférico a ser enaltecido. Apesar do Catar viver na periferia boleira, petrodólares não estão exatamente no grupo dos esquecidos. Se há algo que a Copa do Mundo nos ensinou em suas últimas edições, é que é instrumento valoroso para fortalecer a máxima d’As Meninas e seu refrão de que o de cima sobe, o de baixo desce, e bom, como mudar?

Não, não vou hackear o texto-zero desta série especial da Copa 2022 com debates acalorados sobre temas outros. Não tanto, ao menos. No fim, sejamos honestos: esta Copa terá o viés que você quer que tenha. Esta Copa será o que você quer que seja.

Como sempre, vamos todos aproveitar o palco para empunhar bandeiras particulares e despejar certezas cada vez mais certas. Vamos todos ignorar hipocrisias óbvias, levantar falsas simetrias, e fazer o necessário para nos provarmos certos, tudo em nome de uma pretensa coerência, essa falácia do mundo moderno como a meritocracia e o sapatênis, que apesar de existir, não deveria.

Convenhamos: ninguém vai escutar nada fora de sua bolha. Ninguém liga, my little friend.

Há nessa postura do confrontamento irredutível um erro de premissa: exigir coerência do futebol é tarefa estranha. Vive-se na relação apaixonada de torcedor um eterno ir e vir de amor e ódio. “Não vou torcer para o Brasil por causa do Neymar”, apressam-se uns, esquecendo Richarlison e Paulinho, que não foi à Copa 2022, mas anda com Exu a lhe proteger. Outros tratam do pretenso absurdo de se proibir a venda de cerveja a 2 dias da abertura, e estamos falando de droga lícita e de valores morais de um povo contra o deus-mercado e contratos. Camisa canarinho: símbolo nacional que deve ser reapropriado? Entende a dificuldade? Ser ou não ser? A lista é longa.

Ao escolhermos batalhas, jogamos aos céus a viabilidade do mundo real, tão múltiplo, caótico, injusto e incongruente quanto um drible do Neymar, no campo e na Receita. Mais do que isso, corremos o risco de nos fecharmos à beleza de uma Copa do Mundo e do ineditismo do futebol.

Jamais serei capaz de dizer a quem quer que seja que baixe suas armas e se entregue ao espetáculo. (Até porque, na minha bolsa particular de apostas e de opiniões esdrúxulas, Catar e Equador, que abrem o Mundial, dificilmente será um jogo descrito como espetáculo no ponto futuro – no que espero queimar minha língua como areia no deserto às 12 horas de um dia de verão.) Nem tratarei de definir fronteiras de espaço e tempo para quando uma pauta deve ser abordada. Segue o seu, camarada.

Eu vou seguir o meu. Abraçando o sim e o não, caminhando com anjos e demônios, torcendo pelo maravilhamento em cada esquina.

Que venha a Copa 2022!

Gabriel Galo é escritor de vez em quando não se aguenta com Copa do Mundo.


Para ler as Crônicas da Copa 2018, que formaram o livro “Futebol é uma Matrioska de surpresas”, clique AQUI.


Esta série de Crônicas da Copa 2022 está também no Correio da Bahia.

Ver Comentários (0)

Deixe um comentário

Seu e-mail jamais será publicado.

© Papo de Galo, desde 2009. Gabriel Galo, desde 1982.