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O ponto zero: no rastro do coronavírus

O ponto zero: no rastro do coronavírus

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Como mutações genéticas, erros de diagnóstico, censura e descaso empírico provocaram a maior crise deste século: a pandemia de coronavírus.

Por Gabriel Galo (twitter: @gpgalo), com contribuição de Alexandre Galvão (twitter: @Alexandregalvs)

A PESTE NAS PLANÍCIES DA MONGÓLIA

Era 3 de maio de 2019 quando ganhou o mundo a notícia de que um casal da etnia Kazakh tinha morrido na região de Bayan-Ulgii, oeste da Mongólia. O diagnóstico foi rápido. Tratava-se de mais um caso de peste bubônica – antigamente conhecida como peste negra -, doença que apesar de rara e altamente letal, ainda persiste por conta de hábitos alimentares ‘exóticos’ da região.

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A região de Bayan-Ulgii é atração turística.
A peste negra causou uma das maiores pandemias da história. Entre 1346 e 1353, a doença matou entre 75 e 200 milhões de pessoas na região da Eurasia. Na Europa, entre 30% e 60% da população morreu, levando cerca de 200 anos para que os números voltassem ao patamar pré-pandemia.
A cultura local contribuiu para a fatalidade. Apesar de inúmeros avisos sobre os perigos para a saúde, o jovem casal saiu à caçada da marmota. A crença do folclore mongol diz que comer o rim cru da marmota é bom para saúde. A marmota, no entanto, é um dos hospedeiros de pragas como a peste, e sua caça e consumo são proibidos pelas leis do país.

O caso, então, evoluiu para uma peste pneumônica (ou pulmonar), o estágio mais avançado e agressivo da doença causada pela bactéria Yersinia pestis. Quando admitidos no hospital, ambos já apresentavam extrema dificuldade respiratória.

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Marmota é transmissora de doenças como a peste bubônica.

O levantamento do histórico do casal sacramentou a urgência para que as autoridades locais iniciassem a quarentena de todos com quem tiveram contato.  Como consequência, a fronteira com a Rússia foi fechada e os turistas russos, alemães e suíços que viajavam pela região ficaram presos até liberação de tráfego.

Reportagens diferem sobre a data da morte do casal. A Forbes informa, a partir do jornal local Siberian Times, que ele faleceu no dia 27 de abril, enquanto ela, no dia 30 de maio. Para o inglês The Guardian, a data é 1° de maio. Eles deixaram 4 filhos.

A MONGÓLIA INTERIOR

Ao sul da Mongólia, entrando em solo Chinês, fica localizada a região da Mongólia Interior. É um território autônomo que desde 1947 está sob controle de Beijing. Assim como toda a região centro-asiática, a Mongólia Interior se caracterizou como foco de disputas entre alguns dos impérios mais dominantes da história, como o de Gengis Khan, grande conquistador e imperador Mongol, e as dinastias chinesas

A história geopolítica complexa da região fez com que a região, passasse a ser chamada também de Mongólia do Sul (Southern Mongolia), sendo incorporada em 2007 à Organização das Nações e Povos Não Representados. Ou seja, para efeito de identidade nacional, a Mongólia Interior não se vê como chinesa, bem como os chineses não enxergam o território, que abrange cerca de dois terços da fronteira com a Mongólia, como original chinês.

A PESTE NA CHINA

No dia 3 de novembro de 2019, Li Ji-Feng, médica especialista em pulmão do Beijing Chaoyang Hospital, unidade de referência no tratamento de doenças infectocontagiosas no país, iniciou tratamento de um casal de meia-idade que apresentava forte insuficiência pulmonar. Eles viajavam pela Mongólia Interior e demoraram alguns dias para contatar as autoridades, uma vez que seus sintomas se aproximavam mais de uma gripe, tendo no estágio mais avançado, chegado às vias respiratórias.

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Beijing Chaoyang Hospital.

Mais informações sobre este caso permanecem um mistério. A estranheza cresceu a partir do encobrimento das pistas, tanto oficiais quanto pessoais, que levaram o caso ao mundo.

Li Ji-Feng, médica do Beijing Chaoyang Hospital

No dia 12 de novembro, Li Ji-Feng escreveu no WeChat, rede social chinesa, que um casal havia falecido naquela data, depois de dar entrada no hospital 9 dias antes com um caso de insuficiência respiratória tão grave que ela não conseguia afirmar com exatidão qual o diagnóstico. A notícia ganhou caráter oficial quando saiu no Xianhua, website de notícias governamental, e em redes independentes como Sohu e Baidu confirmando o diagnóstico de peste pneumônica. Na nota, acrescentaram que todas as medidas de quarentena já haviam sido tomadas, e aqueles que tiveram contato com o casal estavam em isolamento.

Diante da confirmação, os maiores portais de notícias do planeta, como CNN e NY Times, replicaram o caso e foram unânimes em relembrar o que apenas 6 meses antes tinha ocorrido na Mongólia.

O que era até então nebuloso, uma vez que nenhum histórico de viagem ou hábito alimentar perigoso havia sido detalhado, ganhou contornos conspiratórios.

O post de Li Ji-Feng foi deletado da rede social, possivelmente por censores do regime chinês. Na China, somente autoridades podem comentar sobre assuntos de interesse nacional. Os envolvidos não falaram mais sobre este assunto.

Desta forma, a peste negra, por meio de sua face mais severa, a peste pneumônica, tinha mais uma vez chegado à China, mas seus desdobramentos foram encobertos.

A RESPOSTA DA CHINA SOB ESCRUTÍNIO

No dia 16 de novembro um artigo no site Foreign Policy (política estrangeira, em tradução livre), escrito por Laurie Garrett levantava motivos para se desconfiar da resposta chinesa aos casos de peste pulmonar. Escreveu ela:

Não é a doença que preocupa, é a resposta do governo a ela.

O cerne do artigo falava de como o governo chinês, em vez de focar na resolução do problema, se empenhava em controlar a opinião pública. Nele, Garrett debatia, inclusive, a omissão de informações sobre o casal morto no dia 12 de novembro. Apenas no dia seguinte, 13 de novembro, com a notícia propagada, a OMS foi notificada.

A preocupação de Garrett, quando extrapolada do caso único, se resumia em levantar questão contra a falta de transparência na abordagem do problema. Até que ponto estaria o governo chinês disposto a ocultar dados, como comprovadamente fizera na epidemia de SARS em 2013?

Garrett encerra o artigo afirmando que:

Reduzir os riscos [da peste negra], contudo, requer transparência da parte das autoridades de saúde pública. […] Mas dado o histórico de saúde pública do governo, […] uma boa quantidade de cautela e de ceticismo são merecidos.

A PESTE NEGRA ATACA NOVAMENTE

No dia 17 de novembro, apenas 5 dias depois da morte do misterioso casal no Beijing Chaoyang Hospital, um senhor de 55 anos faleceu com severa insuficiência respiratória. O diagnóstico da peste negra foi facilitado pelo histórico do paciente, que além de ter retornado há poucos dias da Mongólia Interior, onde alegadamente comeu uma lebre selvagem, trabalhava no Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan, em Wuhan, na província de Hubei.

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Wuhan, epicentro da crise, está localizada a cerca de 1.150km ao sul de Beijing.

A proximidade dos ocorridos acendeu diversos alertas a China e no mundo. O comunicado oficial da Xianhua se apressou em afirmar que os casos, apesar de próximos temporal e geograficamente, não estavam ligados, baseando-se no fato de que os cuidados de isolamento foram tomados. A peste pneumônica somente consegue ser transmitida entre humanos caso a saliva, em espirros e tosses, de um doente entrem em contato com as vias respiratórias de um interlocutor. No geral, a contaminação acontece via hospedeiro.

Como era de se esperar, o caso foi amplamente propagado na imprensa mundial.

Até o dia 13 de março de 2020, quase 4 meses depois, este foi o diagnóstico válido.

MERCADO DE HUANAN

As vielas estreitas do Mercado Atacadista de Frutos do Mar de Huanan vivem cobertas de água. Os corredores se tornam riachos por onde circulam milhares de pessoas por dia em passo rápido à procura de alimentos de toda espécie. O mercado se caracteriza por vender iguarias que, se não fazem parte do cardápio tradicional mais a oeste do planeta, são desejos saborosos da região.

Gaiolas prendem cachorros prontos para o abate. Lebres são expostas e escolhidas a dedo. Apesar da proibição, pangolins, um mamífero local que lembra um tatu, podem ser encontrados eventualmente. Sem contar a contagem de morcegos, insetos e animais de toda sorte, em meio a peixes e carnes que são cortadas ali mesmo, aos olhos do freguês, espirrando entranhas e sangue, que escorrem para se juntarem à água lamacenta dos caminhos das pessoas.

Imagens do mercado de Huanan, em Wuhan, China. Clique na foto para ampliar.

Catalisado pelos filmes de pandemias e contágios globais em versões atualizadas de vírus super resistentes, o mercado se tornou fonte inequívoca de ampliação de doenças graves, especialmente aquelas que que se assemelham a uma gripe comum e provocam insuficiências respiratórias agudas, como a H1N1, SARS e MERS.

No crescimento do número de casos que chegavam ao Beijing Chaoyang Hospital vindos de Wuhan, cidade onde morava o paciente do caso mais recente diagnosticado como peste pneumônica, foi natural que o mercado se tornasse alvo de uma investigação mais aprofundada e provável epicentro da crise. Nele, o contato humano é direto com animais transmissores de doenças a humanos, bem como havia ampla possibilidade de transmissão de hospedeiro intermediário, caso, por exemplo, de morcegos, que poderiam infectar outros animais antes do vírus atingir os seres humanos numa versão patogênica.

OS CASOS SE AMONTOAM

Algo, no entanto, estava errado.

Sem alarde das autoridades, dezenas de casos de crise respiratória com comprometimento grave da capacidade pulmonar chegavam ao hospital. A esta altura, o diagnóstico por proximidade de peste negra caía por terra pela quantidade fora da curva. Iniciou-se, então, um esforço de mapear os motivos de tantos casos ao mesmo tempo.

O primeiro a ser descartado foi o da peste negra, pela ausência da bactéria Yersinia pestis.

A hipótese mais provável passou a ser algum vírus que provocasse os sintomas, que se aproximavam mais dos da gripe que dos da peste. Os testes, no entanto, voltaram negativos para SARS, MERS, influenza, gripe aviária e adenovírus. Ainda assim, a semelhança com o SARS intrigava a todos.

Paralelamente, o mercado de Huanan, possível epicentro da doença, passou por limpeza meticulosa como medida preventiva na expansão da doença.

O silêncio das autoridades na exposição dos casos passou a incomodar os profissionais diretamente envolvidos. O médico oftalmologista Li Wenliang foi um dos que falou publicamente sobre o ocorrido no WeChat. Ele alertava para o perigo do que acontecia no hospital. Pela exposição, o médico e seus companheiros foram punidos severamente, sendo exonerados dos cargos e proibidos de retomarem o assunto.

Os profissionais da saúde, contudo, sabiam do que falavam: a experiência do dia-a-dia no tratamento indicava que o problema era mais grave do que aparentava, e que, sim, era contagioso. Ao mesmo tempo, diversos enfermeiros e médicos começaram a apresentar sintomas.

A evidente incoerência no tratamento da gravidade da doença, que para fora era inexistente e para dentro era minimizado, provocou efeitos devastadores.

ENFIM, A OMS É ACIONADA

Foi apenas no dia 31 de dezembro que a OMS foi informada do problema que acontecia com a China. A solicitação de ajuda veio quando o país, por fim, decidiu procurar ajuda para que fosse detectado o misterioso vírus, já abertamente ligado ao SARS.

Naquele momento, somavam-se 44 casos oficiais, sendo 11 com internação em estado grave.

Na sexta-feira, dia 3 de janeiro, o caso ganhou ainda mais notoriedade. Na nota que foi extensivamente publicada, falava-se sobre um vírus desconhecido que causava sintomas parecidos com o SARS e causando problemas pulmonares, tendo Wuhan como epicentro. A lembrança dos impactos da epidemia mais recente de SARS, também na China, nos anos de 2002 e 2003, haveria de causar comoção. Principalmente porque havia muitas críticas à demora da China em ter comunicado o problema e por ter maquiado os números para baixo. No geral, esta epidemia de SARS afetou mais de 8 mil pessoas em 26 países, matando 349 na China e 299 em Hong Kong. Desde 2004 não havia novos casos de SARS no país.

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Imagem da BBC mostra o alcance provável da epidemia de SARS entre Nov/02 e Jul/03. Fonte: OMS.

Como consequência, Singapura Taiwan e Hong Kong implantaram restrições de entrada de passageiros de voos provenientes de Wuhan em seus territórios, principalmente com medição de temperatura ainda nos aeroportos.

A nota, entretanto, tentava acalmar preventivamente os ânimos, dizendo que a OMS e a China estavam trabalhando em conjunto para identificar o vírus o mais rapidamente possível. Ademais, foram enfáticos ao afirmar que não havia possibilidade de contágio entre humanos.

Esta versão durou até o dia 7 de janeiro de 2020.

A PRIMEIRA RESPOSTA: O MAPEAMENTO DO CORONAVÍRUS

O dia 8 de janeiro de 2020 foi um divisor de águas no tratamento da doença misteriosa. O Wall Street Journal, a partir de fonte anônima, confirmava que a doença pulmonar que se alastrava pela China era uma versão nova do coronavírus, mapeada no dia anterior. Assim, tratava-se de uma variação do vírus que tantos temiam. Em seguida, a OMS chancelou o furo do jornal americano. Ele passou a ser chamado de novel coronavírus.

Ter mapeado o mercado de Huanan como epicentro da doença passou a fazer ainda mais sentido, dado o cardápio diferenciado de vida animal à disposição.

Essa hipótese, contudo, carecia da validade empírica, uma vez que cerca de metade dos casos em Wuhan não tinha qualquer relação com o mercado de Huanan.

ORIGEM NATURAL E AMPLAMENTE ALARDEADA

No dia 17 de março, um estudo publicado na Science Daily concluiu que, após análise do sequenciamento do genoma do SARS-CoV-2, não foram encontradas evidências de que o vírus tenha sido desenvolvido em laboratório. Tratava-se, portanto, de uma evolução natural do vírus.

Esta conclusão jogava por terra as teorias da conspiração que afirmavam que o vírus foi uma arma biológica criada pelos chineses num plano de dominação mundial tão delirante quanto os enredos de vilões da guerra fria.

Kristian Andersen, professor do Scripps Research Institute

O estudo, liderado por Kristian Andersen, PhD, professor associado de imunologia e microbiologia do Scripps Research Institute, aponta dois cenários possíveis para que o vírus evoluísse.

Em uma delas, o vírus se desenvolveria num hospedeiro à sua versão que pudesse, então, contaminar humanos, como foram os casos da epidemia de SARS na China (civetas) e de MERS na Arábia Saudita (camelos).

No outro cenário, o vírus não-patogênico seria transmitido do hospedeiro para humanos, onde evoluiria para sua versão patogênica. Esta hipótese se encaixaria no caso do pangolim ser a fonte do coronavírus.

O pangolim é o animal silvestre mais traficado do mundo e corre risco de extinção.

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O pangolim.

A teoria de a origem ser levada aos humanos pelos morcegos não era algo novo.

A possibilidade de proliferação de uma nova versão do coronavírus era exatamente aventada. Em artigo acadêmico intitulado “Bat Coronaviruses in China” (Coronavírus de morcegos na China, em tradução livre) enviado para a MDPI (Multidisciplinary Digital Publishing Institute), uma plataforma de acesso aberto a publicações científicas, no dia 29 de janeiro de 2019, e publicado em 2 de março do mesmo ano, cientistas chineses alertavam para os perigos de novas epidemias a partir do coronavírus de morcegos.

O resumo do estudo preconiza:

“[…] Portanto, é altamente provável que futuros casos de coronavírus semelhantes ao SARS ou MERS tenham morcegos como origem, e há uma probabilidade significativa de que isto ocorrerá na China.”

Adicionalmente, no dia 3 de fevereiro, um artigo científico publicado na Nature atestou que o DNA do coronavírus encontrado em humanos era 96% igual ao coronavírus encontrado em morcegos. No dia 7 de fevereiro, pesquisadores da South China Agricultural University, em Guangzhou, comprovou que o coronavírus era 99% igual àquele encontrado em pangolins.

Com isso, a hipótese mais aceita da comunidade científica é a de que o coronavírus do morcego infectou pangolins. No novo hospedeiro ele evoluiu ao ponto de poder contaminar humanos. Uma vez em humanos, transformou o 1% que faltava para finalizar seu processo de evolução, proporcionando o contágio entre humanos.

O CALENDÁRIO DO CORONAVÍRUS

Desde o mapeamento genético em 7 janeiro de 2020, o novo coronavírus continuou avançando rapidamente.

11/JANNo dia 11 de janeiro, a China registrou oficialmente a primeira morte pelo coronavírus; esta informação foi depois atualizada para 8 de dezembro de 2019 e depois revista uma vez mais para 17 de novembro do mesmo ano.

13/JANNo dia 13 de janeiro, o primeiro caso de coronavírus fora da China foi confirmado na Tailândia.

20/JANMesmo assim, as autoridades chinesas se recusavam a assumir o caráter transmissivo entre humanos, mesmo que isso fosse necessário para preencher a lacuna existente por haver contágios fora do alcance do mercado de Huanan. Somente no dia 20 de janeiro, foi confirmado que o coronavírus podia ser transmitido entre humanos. Esta notícia aumentou significativamente o perigo da doença.

23/JANEm 23 de janeiro, aproximadamente 2 meses depois do início do problema, a cidade de Wuhan entrou em quarentena.

30/JANNo dia 30 de janeiro, a OMS declara o coronavírus como emergência pública de saúde de interesse global.

02/FEVNo dia 2 de fevereiro, as Filipinas registram a primeira morte por coronavírus fora da China.

11/FEVEm 11 de fevereiro a doença é formalmente batizada de covid-19 pela OMS.

08/MARNo dia 8 de março, diante do colapso do sistema de saúde e do rápido avanço do coronavírus em seu território, a Itália decreta quarentena oficial no país, fechando as fronteiras e impedindo as pessoas de sair na rua.

11/MARNo dia 11 de março a OMS classificou o coronavírus como pandemia.

24/MARAté às 08h GMT (05h no horário de Brasília) do dia 24 de março, de acordo com apontamento da Johns Hopkins University, o vírus infectou mais de 382 mil pessoas no mundo e matou aproximadamente 16.600. O número segue crescendo em proporções alarmantes.

A CONFIRMAÇÃO QUE MUDA A HISTÓRIA

LI Wenliang, Li Wen-LiangLi Wenliang, médico chinês que alertou para os perigos da doença.

No dia 20 de fevereiro, Li Wenliang, o médico oftalmologista punido em dezembro por ter divulgado informações pretensamente falsas, morreu em decorrência do coronavírus. O fato gerou muita comoção no país e fez com que ele recebesse um póstumo pedido formal de desculpas pelo Partido Comunista Chinês.

Não foi a única admissão de erros dos chineses frente à crise.

No dia 13 de março, a China soltou nota que mudou a forma de contar a história do coronavírus. A nota admite erro de diagnóstico e informa que o paciente zero era o homem de meia-idade que trabalhava no mercado de Huanan e tinha recentemente chegado da Mongólia Interior, morto em 17 de novembro.

Dessa maneira, a primeira notícia oficialmente a sair sobre o coronavírus foi a do Xianhua que indicava equivocadamente a morte deste homem por peste pneumônica.

Ainda assim, muitas dúvidas passam a ser levantadas a partir dessa admissão de erro.

Teria sido efetivamente ele o paciente zero ou teria sido o casal que falecera 5 dias antes, tendo a Mongólia Interior como origem – e que entrara instantaneamente em quarentena -, mas que precisou de um centro urbano mais populado para crescer via o paciente zero? Teria sido a proximidade temporal e geográfica meramente coincidência ou há relação causal?

Outras perguntas poderiam ser respondidas de maneira prática, com evidências comprobatórias. Foram realizados os procedimentos laboratoriais para validar o diagnóstigo post mortem do casal?

Dado o fato de a hipótese mais provável de evolução de virus em humano a partir de infecção por um pangolim, que foi infectado por um morcego, como é possível excluir o casal como paciente zero? Isto não significaria admitir que há um tráfico de pangolins no mercado de Huanan e a fiscalização falha? Não poderia, assim, que estes pacientes dos dias 12 e 17 tivessem sido infectados na Mongolia Interior por algum contato em comum, não necessariamente entre si, sendo este intermediário um paciente zero assintimático?

Há, portanto, alguma brecha para que o paciente zero não seja, efetivamente, o paciente zero?

Ademais, uma reportagem do South China Morning Post apresenta mais informações sobre o caso que ficaram de fora da estatística e do conhecimento geral. Ela noticia que o médico Zhang Jixian, do Hubei Provincial Hospital of Integrated Chinese and Western Medicine, informou às autoridades no dia 27 de dezembro de 2019 que a doença era causada por um novo coronavírus, mas foi ignorado. Nesta mesma reportagem, a quantidade estimada de casos reais no fim de dezembro chegava a 266, muito acima dos 44 reportados à OMS.

Por fim, cabe perguntar: quantos casos similares foram ocultados pela China nos últimos anos? E qual o tamanho real da crise atual na China?

A PANDEMIA DO SUBDIMENSIONAMENTO

Independentemente da investigação sobre o paciente zero ser precisa ou não, mais uma vez a China demonstra ao mundo uma absoluta incapacidade de lidar com epidemias, mesmo que seja o território perfeito para sua proliferação, fato impulsionado pela superpopulação e pelos hábitos alimentares que incluem hospedeiros de doenças graves.

A pandemia foi iniciada por um falso diagnóstico de peste por proximidade e potencializada pela ausência de histórico de transmissão entre humanos de um vírus de origem animal com sintomas de gripe, seguida por uma cadeia de erros a que a China agora busca se retratar, sendo o grande apoio de países para conter o avanço do vírus.

Assim como a crise do SARS em 2002-2003, a China demorou para tratar o assunto com a gravidade que ele merecia. A validade da verificação empírica, personalizada na figura do médico Li Wenliang, foi abandonada em prol de uma esperança de que não fosse nada sério enquanto controlava a opinião pública, inclusive maquiando números e omitindo informações da comunidade internacional.

É de se pressupor que o interesse econômico sobrescreveu o risco sanitário, afinal, conforme se viu em outras nações, manter a economia pujante seria mais importante que atacar com providências rígidas uma doença que, possivelmente, em seu nascedouro, seria caso isolado.

Além da China, Itália, Espanha, EUA e Brasil são exemplos de países que esperaram, em nome da preocupação econômica, que o problema se tornasse grande demais até o ponto em que não apenas a crise econômica seria inevitável, mas viria a um preço de graves crises políticas, sanitárias e humanitárias.

Subdimensionar perigos reais baseados em evidências é passo fundamental rumo à tragédia.

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