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Dia 10: O bambuzal

Dia 10: O bambuzal

Salvador, 3 de fevereiro de 2017

Irrompíamos a BA-142 nos primeiros dias do ano de 2015. Saíamos de Lençóis rumo a Mucugê, e há coisa de duas noites passamos uma surpreendentemente feliz virada de ano. Na praça central da cidade uma banda montou seus instrumentos e danou-se a tocar e a fazer todos pular. Nos pedidos, desejos de um excelente ano. E ele começou pomposo.

A rodovia estadual Andaraí-Mucugê não tem acostamento, mão única para quem vai e para quem vem. Era cedo muito cedo quando pongamos no carro. Em muitos trechos, as copas das árvores fecham criando um céu de galhos e folhas, com a luz buscando brechas para iluminar o caminho, trazendo um toque de divino ao trajeto. Para completar e fazer explodir em beleza, milhares e mais milhares de pequenas borboletas amarelas saíam felizes a celebrar o dia, agradecidas pela vida, na pista onde algumas delas as perdiam para-brisadas.

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Quando a gente era pequeno, um dos programas de passeio era pegar o velho Fusca e seguir para o 2 de Julho. Coisa de quem tem apenas a possibilidade e a oportunidade de sonhar um dia entrar naquele grande bicho de metal. A gente ficava espantado quando casava de, no caminho, ver um deles pousando! Uau!

Daí a gente quebrava à direita e atravessava o bambuzal do aeroporto de Soterópolis.

As copas dos bambus fecham a via, criando uma espécie de túnel natural.

Talvez seja isso, e seja assim.

O encantamento juvenil com a BA-142, tem muito, claro, da beleza a ser contemplada, na alvorada ou no crepúsculo, quando a hora perfeita da fotografia exagera a contemplação. Mas tem muito, e demais, do bambuzal do 2 de Julho.

Porque o condicionamento fez com que uma via de teto pintado em copas namorando, dando-se as mãos por sobre o mundo que cruza desapercebido. Algumas, mais audaciosas, esticam-se a beijar a face de quem lhe opõe logo à frente. Meninos de um lado do salão, meninas do outro, até que um finalmente criou coragem para ir lá dizer “oi”, e outros tantos se seguiram, num balé de coordenação primeiro envergonhada, depois descoberta no amor correspondido.

O bambuzal é a caixa de sapatos que guardamos escondida no guarda-roupas, ou embaixo da cama, com recordações valiosas para somente nós mesmos. Está ali, ao nosso alcance, fácil, disponível, sem exigir pressa no retorno. Guarda reminiscências de infância que se maturam com chocolate e cafuné. Que se aninham no fantástico e vão criando vida dentro dela.

O bambuzal é o portal para uma nova dimensão. Atravessá-lo significa, sempre, embarcar numa jornada onde o surreal e o inacreditável dividem sala e comandam a cerimônia.

Sorria, você está na Bahia!

Vou-me embora anestesiado por ter vivido tantos dias mais em que me deixei levar pelo que significa ser baiano e viver a Bahia. As memórias novas, as amizades novas, os lugares novos; está tudo ali, armazenado e embrulhado em saudade. Agradecido por ter sido feliz no máximo que se pode ser.

– Me aguarde que já, já eu volto, viu?

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