Entre março de 1983 e abril de 1984, o Brasil viveu o auge do movimento Diretas Já. Pessoas tomavam as ruas exigindo poder votar. O movimento teve apelo não apenas popular. Políticos abraçaram a campanha com fervor. Até mesmo o Corinthians, time de futebol da capital paulista, estampou em suas camisas chamadas para eleições diretas – primeiro para governador, em 1982, depois para defesa da democracia.
Em São Paulo, a eleição para governador em 1982, ainda dentro do regime autoritário e realizada sob tutela das forças armadas, foram as primeiras desde 1962, e elegeu André Franco Montoro ao Palácio dos Bandeirantes. Era mais um passo em direção à reabertura democrática do Brasil. Mas o povo queria mais. Queria, principalmente, votar para presidente.
Com este fim, o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) propôs, então, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 05/1983, que ficou popularmente conhecida como Emenda Dante de Oliveira. Segundo pesquisa do IBOPE, 84% da população era favorável à aprovação. Mas o Congresso tinha outros planos.
Por considerar que a transição seria abrupta demais, no dia 25 de abril de 1984, a PEC, foi rejeitada por pouco. 298 deputados se declararam a favor, sendo que para seguir ao Senado, seriam necessários 320 votos. 113 deputados se ausentaram da votação. Com isso, o primeiro presidente civil do Brasil desde 1964 seria oriundo de eleição indireta.
Costuraram-se acordos para minimizar o problema. O PMDB, oposição de primeira hora à Ditadura, conseguiu emplacar o nome de Tancredo Neves para concorrer, mesmo que, para isso, tivesse que aceitar José Sarney, que era contrário ao voto popular, como seu vice. E, no mesmo ano, 21 cidades elegeriam seus prefeitos pelo voto direto.
Foi em 1985 que São Paulo viu Jânio Quadros ser eleito prefeito, derrotando um favorito Fernando Henrique Cardoso, que inclusive bateu controversa foto na cadeira de alcaide antes da data de votação.
O mandato teria apenas 3 anos. Em 1988, na esteira da nova Constituição, novas eleições seriam conclamadas. Em 1989, finalmente, teria-se a eleição presidencial, com mandato de 5 anos, últimos antes que se equalizassem os mandatos, em termos de duração de 4 anos, entre os entes federativos.
Estaria, assim, estabelecido que a cada 2 anos, a partir de 1992, o Brasil teria eleições. Uma para se elegerem o que hoje representa quase 90% dos políticos eleitos, ou seja, prefeitos e vereadores; outra, para serem eleitos representantes executivos e legislativos das esferas estaduais e federal.
No resto do mundo, quase sempre sem o advento do voto municipal, as eleições são apartadas entre executivo e legislativo. Esse arranjo favorece um equilíbrio entre os poderes.
Algo similar pode ser aplicado no entendimento da importância de manterem eleições apartadas no Brasil. Pese-se o argumento correto de que uma eleição a menos representaria menos gasto público, maior autonomia individual entre poderes – evitando os casos de políticos que abandonam mandatos para buscarem voos maiores em outras instâncias – e minimização de atuação política a cada 2 anos – o que efetivamente trava prefeituras, utilizadas como agentes de organização e mobilização de campanhas políticas –, há uma condição que se destaca: evitar a federalização de temas.
Na hierarquia política, o município é o menos visível. O noticiário é dominado pelo governo federal e o estadual. Pouco, ou nada, se acompanha do cotidiano municipal.
E se o argumento de Franco Montoro para justificar os municípios como entes federativos é válido, é fundamental se criar o ambiente para fazer com que eleições municipais tenham como pauta principal as necessidades do município. As eleições apartadas podem ter origem num arranjo de adequação de datas e na separação de cargos eletivos absolutos, mas está no evitar a federalização do debate público o valor maior para que se construa uma abordagem adequada da política municipal.
Artigo publicado com exclusividade na Papo de Galo_ revista #9, páginas 28-30.
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