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Entrevista Idelber Avelar

Entrevista Idelber Avelar

A presença de Ideber Avelar na internet é tão antiga quanto significativa. À frente do blog “O biscoito fino e a massa”, foi artífice do auge dos blogs de política no Brasil, junto com nome como Celso Rocha de Barros, do antigo “Na prática a teoria é outra”. No universo da blogosfera interagia eventualmente no blog de meu pai, o “Blog do Galinho”, que foi onde tive contato com ele pela primeira vez.

Formado em Letras pela UFMG em 1990, Idelber no mesmo ano seguiu para os EUA, onde reside desde então. É atualmente professor titular de Estudos Latinoamericanos na Universidade Tulane, em Nova Orleans.

Autor de diversos títulos, lançou recentemente o livro “Eles em nós: Retórica e antagonismo político no Brasil do século XXI”.


O livro

O livro é o resultado de alguns anos que eu venho estudando sobre o processo político brasileiro. Esse tema é bastante amplo e passou a ser muito explosivo porque a bibliografia é muito polarizada, ou como eu prefiro dizer, sobrepolitizada ou sobrepartidarizada.

A bibliografia também tem um característica que é o fato de que as várias áreas se comunicam muito pouco entre si. Com isso eu quero dizer que a ciência politica brasileira sobre o processo politico brasileiro dos últimos 20 anos se escreve sem diálogo, diferente do que fez a antropologia, que mostra o Brasil real, das comunidades indígenas, das periferias. Por exemplo, toda a bibliografia sobre a Lava-Jato, seja ela escrita por jornalistas simpáticos à operação, procuradores, ou delegados da PF, se escreve em completa ignorância de toda a literatura jurídica sobre direitos fundamentais, sobre garantias, sobre a Constituição de 88 etc. E eu poderia te dar outros exemplos. O ensaísmo politico de esquerda, digamos, tanto o mais acadêmico, quanto o mais partidarizado, todo ele se escreve em ignorância da bibliografia brasileira das últimas 2 décadas. Ou seja, a literatura sobre o chamado golpe contra Dilma sistematicamente ignora os números da economia, as intervenções no setor elétrico, a progressiva quebra da economia no governo Dilma, etc.

Tudo isso faz com que seja um campo muito minado. Já é normalmente um campo minado escrever um livro sobre política contemporânea, mas sobre a política contemporânea brasileira é muito mais.

Então eu resolvi fazer no livro 2 coisas básicas. A primeira é escrever um livro que demonstrasse ao leitor que eu li toda a bibliografia disponível, ou pelo menos toda a relevante. E que eu só trabalharia no livro com afirmações que eu pudesse demonstrar, ou pelo menos que pudesse argumentar e defender.

E o segundo projeto desse livro é fazer uma contribuição que fosse especificamente minha, da minha disciplina, especificamente da análise do discurso.

Então meu livro é sobre como a linguagem operou na politica brasileira, ou como a politica brasileira transformou a linguagem, o português que se fala no Brasil no últimos 20 anos. Esse é o projeto. Ele é um livro sobre os últimos 20 anos, sobre um brasil do século 21. Mas ele não tem o formato de um livro historiográfico, que conta a história em ordem cronológica. Os capítulos seguem uma ordem de conceitos retóricos que eu localizo como os fundamentais para operação da política brasileira.


Os capítulos

No capítulo 1 mostro como funciona a hipérbole, presente no discurso do Brasil grande. Para isso eu volto até Vargas e a invenção deste povo brasileiro que nasce homogeneizado. Falo da retórica da Ditadura Militar, especialmente durante o acordo nuclear com a Alemanha no governo Geisel. Mapeio a utilização do discurso do Brasil grande durante o Lulismo e vejo essa ponte, essa apropriação que o Bolsonarismo só pode fazer porque ela já estava lá, herdado de uma historia pregressa, na qual o bolsonarismo intervém. Esse é um capítulo, sobre a hipérbole, como é que funciona o discurso grandioso, do exagero. E aí a coleção de pérolas é sensacional. E diz muito sobre o brasil.

Em cada capítulo eu vou com um conceito retórico: antagonismo no capítulo 2; oxímoro no capítulo 3; lexicocídio, que é o assassinato de palavras, no capítulo 4; o nome próprio e o eufemismo no capítulo 5; e depois o antagonismo de novo capítulo 6 que é sobre o bolsonarismo.

O bolsonarismo pôde ter sucesso porque ele passou a representar pra dezenas de milhões de brasileiros não um antagonismo específico, mas a própria possibilidade de antagonizar.

O que caracteriza o bolsonarismo é que tem que antagonizar o tempo todo, tem que ter um inimigo o tempo todo. O bolsonarismo ganha legitimidade no momento em que ele intervém em um sistema político que é caracterizado por um mascaramento dos antagonismos. O sistema politico mascara o antagonismo em reuniões de portas fechadas, no que o Marcos Nobre chama de PMDBismo.

Essa é a estrutura, é o que tento fazer. E tem análises detalhadas de muita coisa, da Lava-Jato, de junho de 2013, de como se quebrou o pacto Lulista, aquele pacto que organiza a sociedade brasileira de 2005 até 2013 e que cai ali daquele processo das manifestações de 2013, da resposta do governo a elas e depois do processo eleitoral de 2014.


Interação entre bibliografias

Os corpos bibliográficos têm que analisar os diferentes aspectos da politica brasileira, porque politica não é só pro cientista politico estudar, ela é uma coisa pro sociólogo, historiador, economista e pra nós da análise do discurso estudarmos. Mas esses corpos bibliográficos se escrevem em ignorância mutua. E alguns deles perdem mais do que os outros. A ciência politica perdeu muito com a reiterada elucubração sobre um conceito em particular, o presidencialismo de coalizão, que domina a disciplinas nos últimos 30 anos. E que vai progressivamente passando de instrumento descritivo de uma realidade para ser pressuposto cada vez mais frequentemente como um conceito de caráter prescritivo.

Assim, o presidencialismo de coalizão seria uma espécie de demonstração de maturidade da presença brasileira no rol das democracias estabelecidas.

Eu tenho vários amigos professores de ciência política, o atual diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFMG, por exemplo, é um cientista político, Bruno Reis, um cientista de ponta no Brasil e é meu amigo. Não há nenhum intento de atacar uma disciplina, mas algumas coisas precisam ser ditas. A ciência política, por exemplo, teria lucrado muito se tivesse se nutrido de toda a antropologia produzida no Brasil, sobre o brasil dos últimos 20 anos. Quando eu digo antropologia, eu digo tanto a etnografia das nações indígenas, como a etnografia urbana, de tribos urbanas. A antropologia produziu muito material sobre evangélicos, sobre polícia. E essa bibliografia não entra quando um cientista político está pensando o sistema político brasileiro. Ele está pensando Brasília, a matemática do PTxPSDB, e aquilo ali está de alguma forma descolado, sim, de processos que acontecem no solo da sociedade.


Antagonismos e o lulismo

Quando eu disse que o bolsonarismo representou pra muita gente a possibilidade de projetar antagonismos, eu falei só de Bolsonaro, eu não falei de Trump. Nos EUA o antagonismo está dado, é um sistema bipartidário. O sistema político americano não está caracterizado em incompetência de administrar antagonismos. Ou pelo mascaramento de antagonismos. Essa é uma característica do sistema político brasileiro.

Quando eu digo mascaramento de antagonismos, quero dizer uma coisa muito simples. Os antagonismos reais existem na sociedade. Antagonismos que uma sociedade complexa como a do Brasil, com mais de 200 milhões de habitante, vai ter em profusão. Muito especialmente numa sociedade pluriétnica que foi construída à base da escravidão e do genocídio ameríndio.

Cabe ao sistema político administrar esses antagonismos, traduzi-los num aparato político representativo da democracia de alguma forma. Quando saímos da ditadura, e se escreveu a Constituição de 88 e logo depois se derrubou o governo Collor, o esquema político que se estabelece ali ele é caracterizado por certos arranjos. Esses arranjos foram descritos pelo filósofo Marcos Nobre com o conceito de PMDBismo. O PMDBismo não é só o PMDB, é todo o arranjo institucional brasileiro, que faz com que os antagonismos não se traduzam no sistema político. Os antagonismos são canalizados para reuniões a portas fechadas onde se formam as maiorias legislativas brasileiras. E o mecanismo de formação dessas super maiorias é conhecido, é a chantagem, o veto e o suborno. Certo? Nesse arranjo os antagonismos são mascarados, eles vão lá pro fundo.

Você tem por exemplo tanto uma figura de esquerda, como o Lula, como uma figura reconhecidamente da direita mais fisiológica, vamos dizer, Eduardo Cunha. A campanha capitaneada por Lula, em tentativa bem sucedida de eleger Dilma Rousseff em 2010, escolheu Eduardo Cunha como seu porta-voz no meio evangélico. Eduardo Cunha não era desconhecido, fazia duas décadas que todo mundo sabia quem ele era.

Esse é um dos muitos exemplos de como o lulismo operou dentro desse sistema de mascaramento de antagonismos, de uma maneira particular. No caso do lulismo, ele administra esse sistema PMDBista apostando na estratégia do oximoro, que é aquela categoria retórica que designa a afirmação simultânea de 2 polos, enunciados em que opostos estão ocupando o mesmo espaço semântico, como círculo quadrado.

O Lulismo é o movimento que vai administrar, eleito em 2002, toma posse em 2003, o sistema de mascaramento dos antagonismos que ele herda dos governos anteriores. Quando acontece o Mensalão, Lula se reposiciona naquele sistema de mascaramento dos antagonismos. Ele traz o PMDB, que era oposição em 2004, para o governo. E ali se configura o pacto que Andre Singer chama de Lulismo.

Lulismo não é só seguidores do Lula – quer dizer, hoje é – mas na época era o nome do pacto que organiza e estabilizava todo o sistema político brasileiro. O Lulismo com esse sentido dura de 2005 a 2013. Neste último ano, com o cambaleio da resposta de Dilma e do PT às manifestações e depois com o estelionato eleitoral e o massacre da Marina em 14 e as manifestações que começam muito cedo em 15, o Lulismo como pacto de administração  dos sistema de mascaramento de antagonismos desmorona e passa a ser só uma corrente política no interior do antagonismo, uma força política a mais. Talvez a mais decisiva, porque o antipetismo continua sendo o partido político mais forte do Brasil.

É nesse sentido que eu uso a imagem do antagonismo. O caso brasileiro não se compara com outros países. Ninguém tem PMDB, só nós temos, Só existe um sistema político que funcione como o nosso, que combine presidencialismo, representação proporcional no Parlamento e formação de super maiorias legislativas.


Por dentro do Bolsonarismo

Bolsonaro tem várias coisas em comum com os movimentos da nova extrema-direita no mundo. Isso é algo que foi compilado por mim em pesquisa empírica. Eu passei muito tempo em grupos bolsonaristas de WhatsApp, como grupos de escola, de igreja, de família, da campanha de Bolsonaro em 2018. E é muito nítido que existem ali vários conteúdos, o patriotismo exacerbado, o moralismo comportamental, de família, o teocrático. Mas os conteúdos podem ser vários outros.

Por exemplo, pra falar das feminazis, do petismo ladrão que inventou a corrupção no Brasil, essa coisa misteriosa que o Brasil nunca tinha tido. Há muito conteúdo islamofóbico, por exemplo. O bolsonarismo está nesse bate-bumbo delirantemente sionista, colocando o Estado de Israel como uma espécie de paradigma da bondade e da justiça e do bem. Este é também um elemento novo, que a gente não tinha no Brasil.

O que eu quis descrever no livro foi o mecanismo de funcionamento, que inclui várias coisas. Mas ele inclui fundamentalmente, me parece, o fato de que o bolsonarismo passou a ser uma espécie de significante vazio do antagonismo. Ou significante vazio da possibilidade do antagonismo. O que eu quero dizer com significante vazio é que você pode preencher com qualquer conteúdo, Mas o que nitidamente lhe dá legitimidade perante tantos milhões de pessoas é o fato de que ele passou a representar a própria possibilidade de antagonizar.

Vou dar um exemplo. Umas das figuras prototípicas sociais que você mais encontra nos grupos bolsonaristas é um público que era lulista até pouco tempo atrás. É um publico, digamos, que vem da experiencia do Prouni, de uma classe trabalhadores empobrecida, que pela primeira vez manda alguém da família à faculdade, que recebe aquele diploma de nível superior como uma espécie de grande coroação, uma conquista ao mesmo tempo do país ou do governo e do individuo. Há uma grande celebração meritocrática desse diploma. o problema acontece porque esse diploma passou a não valer nada. A partir de 2012 até 2014, o mercado claramente dá mostras de que não vai incorporar toda aquela multidão de pedagogos, bacharéis em Direito e profissionais de Letras que se formam nas faculdades privadas alimentadas pelo Prouni. Isso significa que muita gente leva um tombo violento de expectativas. Inclusive a explosão de 13 tem algo a ver com isso. E daí vai morro abaixo até o esfacelamento da economia brasileira que está mais ou menos completo em 16, quando Michel Temer toma posse.

Eu não sabia muito bem qual era a forma que a rebelião antipetista tomaria. Mas eu sabia, já bastante cedo, antes de 2013, que seria uma rebelião que contaria com a presença de diplomados que hoje trabalham como caixa de supermercado. Entendeu?

Mas isso não se encaixa em certos estereótipos do bolsonarista que existem na esquerda.

Os conteúdos de grupos bolsonaristas podem incluir, e com frequência incluem esses conteúdos teocráticos, militaristas, de reacionarismo comportamental, que realmente ganham um papel protagonista no Brasil nos últimos 5 anos. No entanto, se fosse só isso, o bolsonarismo não teria a penetração que ele tem. Não existem 57 milhões de fascistas no Brasil. O bolsonarismo tem a penetração que tem porque passou a expressar certos dilemas reais, de forma distorcida, manipulativa, extremista e perigosa, mas expressou. Isso não é juízo de valor, é simplesmente uma constatação.

O bolsonarismo tem a penetração que tem porque passou a expressar certos dilemas reais, de forma distorcida, manipulativa, extremista e perigosa, mas expressou.

O que era aquilo  que o bolsonarismo estava expressando? Não era por exemplo que, como alguns petistas acreditam, que existia lá no fundo do Brasil 50 milhões de fascistas que estavam esperando o seu porta voz. E que apareceu Bolsonaro e esse fascismo que existia na sociedade brasileiro abraçou Bolsonaro e que essas pessoas sempre foram fascistas e burras. Como se justifica chamar de burro o eleitor de 2018 por ter votado em Bolsonaro, sendo que este mesmo eleitor votou em 2014 e 2010 na Dilma, votou em 2006 no lula? Grande parcela do eleitorado passa de um bloco pra outro. Eles ficaram mais burros de repente, ou viraram racistas? As explicações não se encaixam.

O meu intento é por isso mesmo menos prescritivo, estou tentando fazer uma descrição rigorosa do que eu vi e que pude deduzir da análise, tanto do que eu recolhi na análise empírica, quanto o que eu recolhi da leitura das várias disciplinas.


Os 6 partidos do Bolsonarismo

O bolsonarismo toma forma de coalizão em 6 partes. Não chega a ter o caráter de frente, de uma simples colagem de vários partidos. Ele é uma força política enraizada na sociedade. E ele tem a forma de uma coalizão porque ele tem vários diferentes elementos que vão se grudando uns nos outros para formá-lo. E todos esses elementos me parecem importantes.

Eu chamo esses 6 elementos com o nome de partido exatamente para indicar que os partidos políticos tradicionais não importam pra explicar quem é Bolsonaro.

Os partidos que compõem o bolsonarismo são:

Em primeiro lugar, cronologicamente, é o Partido do Boi. É o partido do agronegócio, mas também é uma força política que arrasta milhões de brasileiros, inclusive trabalhadores rurais. Em 2012, 2013, Bolsonaro não era ninguém na política. Em 2013, quando Marco Feliciano foi eleito presidente da Comissão de Direitos Humanos, Bolsonaro era o cara que ficava plantado na porta batendo boca com os militantes do PSol que estavam protestando contra a posse do Feliciano. Os líderes da extrema-direita em Brasília eram Feliciano e Malafaia, Bolsonaro não era ninguém. Mas em Barretos ele já era alguém, já era carregada nos ombros.

Bolsonaro é essa figura de uma masculinidade paulista-carioca-fake. Uma masculinidade caipira fake, muito homofóbica e muito anti-indígena. O racismo de Bolsonaro contra negros tem outra natureza, uma natureza mais brasileira, a do racismo cordial. O racismo dele contra indígenas é racismo de extermínio. E isso fez com que ele fosse já uma figura de certa aceitação no agronegócio.

O segundo é o Partido Teocrata. Eu chamo de teocrata, não chamo de fundamentalista, e certamente acho que é equivocada a designação de partido evangélico. Não são teocratas só os evangélicos, e nem todos os evangélicos são parte disso. Por isso o Partido Teocrata. Em outras palavras, o que o caracteriza não é o conceito fundamentalista de inerrância. Os caras não estão nem aí pra inerrância. É um projeto teocrático de apropriação do estado. O Partido Teocrata vai se cozinhando também do mesmo jeito que o Partido do Boi, sob o Lulismo, primeiro como aliado ao Lulismo, como parte do bloco lulista.

E aí tem mais dois partidos relacionados à área do Direito, das leis e da policia. O Partido da Polimilícia e o Partido da Lava-Jato.

O Partido da Polimilícia é o núcleo leninista original do bolsonarismo. É de onde vem Bolsonaro. Esse partido é formado por capangas, milicianos, ex delegados e ex policiais. O Partido da Lava-Jato é o outro lado desse partidão da ordem. É a turma que sabe usar talheres, como juízes, procuradores, delegados da PF.

O quinto partido é o curioso partido que só tem uma pessoa só. É o Partido do Mercado, o do Paulo Guedes. Não é que Paulo Guedes tenha sido a única pessoa do mercado que apoiou Bolsonaro, mas ele é o cara que cacifa Bolsonaro no mercado, sem o qual Bolsonaro não teria sido eleito. Ele precisava de um avalista no mercado, todo mundo precisa. E ele, por razões pessoais, de ressentimento, embarcou nessa pra cacifar Bolsonaro.

De finais de 2016 para começo de 2017 o Bolsonaro tem uma ideia original. E a ideia é simples. Isso está dito em uma entrevista com Nando Moura, Youtuber de extrema-direita que entrevistou Bolsonaro duas vezes no processo de construção da candidatura dele. Ele diz, não com essas palavras, mas analisando a situação. “Se eu juntar o partido do boi, com esses evangélicos que já gostam de mim e exacerbar o discurso antipetista e arrastar a Lava-Jato junto comigo, trazendo a capangada minha do Rio, que tem voto, só fica faltando alguém me avalizar no mercado.” Essa ideia é do Bolsonaro.

O sexto partido é o que oferece a linguagem ao bolsonarismo. Se Bolsonaro falasse só com a linguagem do Paulo Guedes, jamais teria ganhado a eleição, certo? Bolsonaro ganha a eleição falando uma língua desenvolvida na internet, que eu chamo de Partido dos Trolls, que é toda essa coalizão de olavistas, terraplanistas, monarquistas, youtubers de extrema-direita, o bate-bumbo do Carluxo no Twitter e no Facebook.

Essa é a turma que fornece a linguagem pro bolsonarismo vencer a eleição. É a linguagem do troll, caracterizada pela extrema agressividade e pela participação no debate de forma a dinamitar a possibilidade de conversa. Mas o que caracteriza o discurso dela é a denegabilidade. Você nunca sabe se ele está falando sério ou se ele está brincando. Se ele é desmascarado na mentira, ele vira e fala, “não , isso é trollagem, é brincadeira, você não entendeu a piada…” e passa à trollagem seguinte. O Trump fez isso muitas vezes, nisso o Trump e o bolsonarismo são muito parecidos.

Essa é a anatomia do bolsonarismo à qual eu cheguei.


E adiante?

Quebrar o feitiço da atração bolsonaristas é uma tarefa muito difícil. Prefiro limitar o meu comentário ao que eu consigo descrever e analisar. Ou seja, eu posso descrever e analisar o que eu vejo como um possível futuro próximo, isso eu posso fazer, eu tenho obrigação de fazer, eu acabei de escrever um livro sobre os últimos 20 anos, tenho que ter condição de dar algum palpite informado sobre onde as coisas podem estar. Mas eu simplesmente não gostaria de, morando nos EUA, trabalhando numa universidade que é o topo da elite sobre estudos latino-americanos, ditar regras sobre como as pessoas têm que esvaziar o bolsonarismo. Elas têm que encontrar o caminho delas.

É pouco produtivo pra mim que o meu discurso adquira tons prescritivos. O que eu posso oferecer como uma elucubração ancilar à sua pergunta, é o seguinte. O mapa demográfico eleitoral brasileiro não é complicado, hoje. Ele se compõe ao meu ver de 3 elementos. O bolsonarismo tem por volta de 25% a 30% da sociedade.

A maior força política brasileira continua sendo o antipetismo, que a gente pode localizar ali por todas as evidências disponíveis. Mais de 50% da sociedade brasileira vota, se precisar, em qualquer outro nome para não votar no PT e isso inclui Bolsonaro.

O terceiro componente dessa tragédia brasileira é que o petismo continua sendo a maior força política brasileira dentro das forças políticas não bolsonaristas. Ele mobiliza. Qualquer candidato que o PT lançar vai ter entre 15% e 20% dos votos. Então vamos resumir que Bolsonaro tem 30, o antipetismo tem 50% e o PT tem 20% e o PT não larga o seu lugar de protagonismo. Não largando o seu lugar de protagonismo, a tragédia se encaminha pra mesma coisa que aconteceu em 2018.

Isso é o que eu vejo deduzindo dos números que estão disponíveis pra nós. Como vai quebrar esse ciclo? As lideranças políticas brasileiras vão ter que se resolver e se encontrar e fazer, inclusive porque o povo organizado não tem como fazer, dadas as condições da pandemia.


Entrevista publicada na Papo de Galo_ revista #13, de 17 de março de 2021, páginas 10 a 19.


Capa da Papo de Galo_ revista #13 mostra Lula sendo abraçado pelo povo. A anulaçãop de condenações do petista no âmbito da Lava-Jato o recoloca não apenas na corrida presidencial de 2018, mas cria oponente poderoso a Bolsonaro no duelo de narrativas pelo controle político nacional.
Capa da Papo de Galo_ revista #13, de 17 de março de 2021.

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