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Entrevista: Ricardo Caian

Entrevista: Ricardo Caian

Em outubro de 2018 eu lançava o meu primeiro livro de contos e crônicas, o “Futebol é uma Matrioska de surpresas”. Noadia, colega da turma de Direito da UFBA de meu pai, falecido pouco mais de 2 anos antes, tinha garantido o dela e o do filho. Mãe-coruja, garantiu que eu fosse assistir ao espetáculo “Amor Barato” no Teatro Itália, no centro de São Paulo, pois a temporada findava. No palco, o filho comandava a guitarra e parte da produção musical.

Depois do espetáculo, fomos eu e minha esposa dar um alô. Ali eu era apenas, apesar da idade mais próxima da dele, o amigo da mãe.

Esta aparente estranheza se desfez dias mais tarde, quando Noadia veio a São Paulo e um jantar foi marcado em minha casa, regado a cupim na manteiga, aipim cozido, banana-da-terra frita e um papo para lá de descontraído.

Naquele dia, enfim, conheci Ricardo Caian.

Dono de um sorriso quase de criança, Ricardo é  tipo de gente de quem nos tornamos amigos com facilidade. Ou pelo menos queremos que assim seja.

Empanturrados, Caian busca o meu violão Taylor que fica sempre à mão na sala e nos oferece um pocket show particular, para orgulho incontido de Noadia.

Dias mais tarde, nos encontramos novamente, dessa vez na casa de amigo de infância de Caian, também baiano morando em São Paulo. No menu, uma lagostada trazida por Noadia desde a Bahia e que tinha que ser consumida com urgência e sem moderação. Cumprimos à risca a demanda. Juntou-se a nós o pequeno Guigui, futuro chefe da humanidade, menino prodígio.

De volta a Salvador desde o começo da pandemia, Caian concedeu entrevista para falar de sua trajetória de compositor, instrumentista, cantor, produtor musical, e do seu novo álbum, previsto para ser lançado em junho deste ano.



Gabriel Galo: Caian, quando você começou a se tornar músico?

Ricardo Caian: Eu cresci numa casa muito ligada em música. Sempre tinha música tocando. E meu pai e minha mãe, quando tocava alguma coisa de que eles gostavam, me chamava e me explicavam quem era, o estilo. Isso foi me formando como ouvinte.

GG: Qual foi sua primeira experiência de palco?

RC: Nossa família frequentava a Igreja Batista. Era rotina estar na igreja, e quase toda igreja tem uma banda, né? Eu já fazia aula. Aí com 13 anos me convidaram para subir no palco e tocar com a banda. Nunca mais saí de um.

GG: A partir de que momento você decidiu ser músico?

RC: Foi natural. Eu, depois que eu descobri o que era ser músico, sempre quis ser músico. E isso tinha outros benefícios. Na escola, por exemplo, eu era o artista. E por isso tinha muito menos cobrança por nota. (risos) Eu adorava aquilo! Nessa época eu já compunhas minhas primeiras música. Queria ser artista autoral, ter a minha banda de rock.

Aí em 2009, quando a UFBA abriu a primeira turma de Música Popular, dentro de uma faculdade tradicionalíssima e reconhecida como é a de Música, não tive dúvidas.

GG: Como foi esse período?

RC: Foi incrível. Eu tinha aula com referências musicais da Bahia num dia, e no outro a gente tava tocando uma gig junto.

GG: E a vida depois como músico formado?

RC: Cara, eu sempre quis ser músico autoral, né? Mas é aquelas, no começo a gente toca o que pintar, toca onde chamarem. E isso foi importante porque eu conheci muita gente. E eu ia me botando no que pintasse.

Em 2012 eu entrei no Novos Baianos F.C., banda que tem como líder o filho de Galvão, e tocamos com todos eles, Baby do Brasil principalmente. E pra mim foi especial demais tocar guitarra com Pepeu.

Foi assim que eu fui sendo chamado para fazer outras coisas, como teatro musical, por exemplo. Nesse mesmo ano de 2012 eu fui diretor musical, guitarrista e cantor da peça “Dissidente”, do grupo Teatro da Casa e fazia parte da banda da primeira versão de “Amor Barato”, espetáculo no qual virei assistente de Direção Musical e também cantor em 2018. O mais incrível é que as duas peças foram finalistas, dentre quatro, do Prêmio Braskem de Teatro daquele ano.

GG: E o seu trabalho autoral?

RC: O meu primeiro EP, “Transito”, tinha 6 músicas e foi lançado com minha banda, os Beduínos Gigantes, no fim de 2011.

O meu primeiro álbum mesmo, completo, foi o “Plutão”, lançado em 2016. Com ele fui finalista do Prêmio Caymmi de Artista Revelação.

E estou em fase de produção do meu 3º disco, “Paixão e outras drogas”. Ele foi gravado a maior parte na Toca do Bandido, no Rio de Janeiro, mas também teve sessões em São Paulo e aqui em Salvador. Aliás, aqui em Salvador, Arthur Romio, que está produzindo o disco, conseguiu trazer Otto pra gravar uma música com a gente, uma operação danada por causa da Covid. Mas deu tudo certo.

GG: Caian, o mercado de música da Bahia é muito focado em certos ritmos, e meio que fecha as portas para outros estilos. Como navegar nesse ambiente?

RC: Salvador tem um histórico, uma cena do rock muito ativa, importante. É difícil fazer com que uma banda ou músico consiga se projetar, criar seu público fiel, que consome a banda, que paga pra ver, sabe? Eu fui buscando meu espaço abrindo shows para outras bandas, por exemplo. E passei a usar as rádios baianas para impulsionar novos lançamentos – na medida do possível. Algumas bandas têm um público cativo, como a Cascadura. Já Pitty e Baiana System conseguiram romper a barreira e formaram público nacional. É difícil demais, mas é possível. E ter essa cena do rock forte em Salvador é importante.

Aliás, essa é uma coisa que eu evitava, de dar um gênero para minha música. Mas meio que assumi o rock. Então o “Paixão e outras drogas” vai ser um álbum de rock.

E como eu tenho todos os meus outros projetos, no teatro, de produtor musical, como professor de música e como músico em bandas, eu acabo andando em muito lugar diferente e assim acho meu canto.

GG: Você é guitarrista da banda de Baco Exu do Blues desde 2019 e teve outras experiências similares, mas nada deu tanto destaque quanto isso, certo?

RC: Isso. Eu fui guitarrista do Trio Virgulino por 5 anos, quando eles faziam a turnê de São João. Mas trabalhar com Baco dá outra dimensão ao trabalho. Ele é o artista da vez. Tenho um baita orgulho de estar com ele. E de repente eu estava fazendo shows para 10 mil pessoas, solando, cantando de vez em quando também.

E isso me fez lembrar de uma passagem que me emociona muito.

Eu cresci admirando Herbert Vianna, do Paralamas do Sucesso, meu ídolo. Se alguém falava que ele não cantava bem, nossa, eu defendia! Ele tem uma voz meio rouca, e eu também, acho que rolava uma identificação. Ele era o que eu queria ser: um líder de sua própria banda, fazendo sua música, tocando para dezenas de milhares de pessoas.

Eu estava no aeroporto logo cedo. A gente tinha tocado poucas horas antes, foi um baita show. E aí passa do meu lado o Herbert Vianna. Minha guitarra estava no caminho, ele pediu pra tirar, claro, eu tirei. E comecei a tremer. Emocionado, cara. O pessoal da banda veio perguntar o que tinha acontecido. E o negócio é que eu me toquei naquela hora que eu estava vivendo o meu sonho.

Tudo

bem, não era líder da minha própria banda, mas eu vivo de música, estava viajando o Brasil todo fazendo música, solando em shows para dezenas de milhares de pessoas.

GG: Mas tudo isso parou por causa da pandemia. Você voltou para Salvador, casou. Como essa pandemia tem afetado seu trabalho?

RC: Olha, eu não tenho do que reclamar. Nessa pandemia, a Lei Aldir Blanc foi fundamental para socorrer e manter vivos vários projetos. Projetos, aliás, de que eu faço parte. Eu vivo bem com a minha arte. Mas isso é temporário. No começo da pandemia, recebi auxílio emergencial. E não sei o que será depois de que estes projetos vencerem.

Tem muitos ajustes a serem feitos. Os prazos de entrega dos projetos precisam ser prorrogados, mas este governo não liga pra nada. Todo mundo teve que adaptar os projetos para uma nova realidade. Não tinha mais turnê, palco, nada disso. Tudo virou digital, e ninguém sabia direito como isso ia funcionar.

Meu próximo álbum, por exemplo, vai ter um documentário de preparação. Mas isso não é suficiente.Porque música não se faz só no digital. Precisa do palco. Precisa do contato direto com o público.

Subir no palco é como saltar de paraquedas. Sobe uma adrenalina incrível, a gente vê o público, sente a vibração. É uma sensação maravilhosa.

De tudo o que eu faço, estar no palco é um êxtase insuperável.

E eu sei que esta pandemia está sendo ruim pra todo mundo. Para nós, músicos, tem um agravante: as casas de show estão falindo. A gente não vai ter onde voltar a tocar.

E pra mim estava tudo indo bem, né? Fazendo turnê com Baco pelo Brasil todo. Mas aí PAN … demia.

Voltei a Salvador para o casamento de minha irmã. Logo depois fechou tudo, fiquei ‘preso’ na cidade. E agora quem está casado também sou eu. Virou tudo de cabeça pra baixo. Mas estou feliz demais.

Só que assim como o palco faz falta para o músico, a gente vai sentindo falta de contato. Sinto saudade de ir a um show com Paula (Paula Berbert, sua esposa), de juntar os amigos, de conviver. A gente precisa disso.

GG: Paula é também sua parceira no projeto Despir o Tempo, certo? O que é este projeto?

RC: Po, que massa você ter perguntado isso. Este é mais um um projeto que precisou se reinventar no meio digital. Quando feito em palco, era um espetáculo em que cada artista fazia um strip tease com o traçado de sua carreira artística. Por exemplo, despia o figurino de cada peça de que participou.

Mas quando o espetáculo foi para o meio digital, tinha que ter uma organização maior. E então eu compus a trilha e fiz a montagem digital, adaptando a peça a este novo formato, que era desconhecido para todo mundo ali.

O formato foi ajustado ao de Stories – com ingressos vendidos no Sympla e divulgação pela lista de melhores amigos do Instagram da produtora Dimenti, de que Paula é assessora de comunicação. E adaptamos também o conceito, de um strip tease mais longo e com menos intimidade dos palcos para os nudes íntimos gravados na vertical na casa de cada artista. Até o nome do espetáculo foi atualizado, passando a se chamar “Web-Strips”.

GG: E agora, Caian?

RC: Agora é finalizar o “Paixão e outras drogas”. Ele seria lançado em junho de 2020, atrasou um ano, por causa da pandemia.

Sou também produtor e diretor musical de “Estereótica”, projeto novo de meu amigo Pietro Leal, show que vai ser lançado no Youtube dia 1º de abril.

De resto é controlar a ansiedade e torcer para que os projetos incentivados sejam renovados ou que tenham os prazos estendidos. Isso já ajudaria demais. De preferência, mudando o governo que aí está. Assim, quem sabe, temos uma chance de voltarmos ao normal.


Entrevista publicada na Papo de Galo_ revista #14, de 28 de março de 2021, páginas 52 a 61.


Capa da Papo de Galo_ revista #14, de 28 de março de 2021.

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