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João Casamenteiro

João Casamenteiro

Era a segunda e última noite em Búzios. Na manhã seguinte seguiríamos rumo na nossa viagem de férias para Vitória, no Espírito Santo. O TripAdvisor indicou o restaurante onde deveríamos comer, o Mr. Dian.

Fomos recepcionados pelo João, um simpático e expansivo garçom, que se esforçava para vender o cardápio, e o fazia bem. Já sentados, lá vem o João, galanteador, a entregar uma rosa de guardanapo para a minha mulher. “Tá vendo como se trata uma mulher?”, brinca minha mulher, para inflar o peito e o ego de nosso novo amigo. Vamos dando assunto, e ele nos conta sua romântica trajetória.

– Tenho 33 anos e já casei 13 vezes. Na primeira vez eu tinha 14 anos. Foi um escândalo na família. Minha avó não queria de jeito nenhum, mas não teve jeito, e eu fui morar com a minha primeira esposa, que tinha 28 anos na época. Apesar de novo, eu já sabia o que queria.

(Nota do escritor: que garoto de 14 anos não pensa em sexo garantido o tempo inteiro? Segue.)

– Saí da casa da minha avó no Rio de Janeiro e fui para Macaé! Larguei tudo pra trás e fui. Fui feliz lá. Um tempo depois acabou, mas eu já me engracei com outra. Sempre foi assim: acaba um casamento, mas logo estou morando com outra. Nunca traí, mas a gente tem que garantir, sabe como é, né? Mantenho os contatos, e vamos em frente. Quando acaba, já começa de novo, e logo estou morando junto. Eu gosto de casar, gosto de morar junto, gosto de ter alguém.

Pergunto como ele foi parar em Búzios.

– Minha esposa é daqui da Região dos Lagos. Eu perdi o emprego num escritório de contabilidade, e vim pra cá pra passear. Gostei e tentei ficar. Aqui no restaurante estavam procurando gente, e apesar de nunca ter trabalhado como garçom, o chefe me deu uma chance. E faz alguns anos que estou aqui. Não quero sair, estou feliz, me dou bem com o dono, é um trabalho sem preocupação, sabe? Vida boa mesmo tem o patrão, que mora aqui em cima do restaurante – ele aponta para a casa exatamente em cima do restaurante -, mas eu não tenho do que reclamar, não. Minha vida é boa.

Pergunto, então, da avó e do Rio.

– Ih, desde que eu saí do Rio de Janeiro não voltei mais. Tem 19 anos que eu não piso os pés na cidade. Tenho muito medo. Quando era pequeno passei por todo tipo de situação que você puder imaginar. Vi violência o tempo todo, perto de mim. Uma vez entraram no apartamento onde a gente morava e fizeram todo mundo de refém. Imagine, minha avó e um monte de criança. A gente não tinha nada, mas que liga? Meteram fuzil na cabeça da minha avó, colocaram cano dentro da minha boca. Eu criança, vivendo aquilo. Tive que ir para hospital com a boca sangrando e tudo. Além disso, eu estudava à noite e voltava para casa a pé. Era assaltado quase todo dia. Assalto para mim era comum. Quando saí, acabei indo para lugares onde isso não acontece. Hoje tenho medo. Mas tenho que ir ver minha avó. A gente se fala por telefone, mas nunca mais fui vê-la, nem ninguém mais da família. Esse ano eu vou. Saio de férias na semana que vem, já comprei passagem e vou.

Peço para fazer uma foto dele, ele topa. Passa um garçom de outro bar, que faz uma graça, eles riem muito. A fama de João é conhecida na cidade toda. A extensão de verdade na história toda não importa. 13 casamentos em 19 anos, há de se duvidar, como não? Aceitemos como foi contada, porque é legal demais.

– E pensão, tem alguma?

– Tenho nada. Já perdi muita coisa com divórcio, mas não ligo. A gente corre atrás, constrói tudo de novo. Não tenho filhos. Não sei se quero. Meu pai abandonou a família quando novo, e foi pra Minas. Durante um tempo eu morei com ele, quando eu era criança, mas ele sempre foi distante. Tenho medo de ser igual a ele. Não quero que meu filho não tenha pai, não quero que sofra o que eu sofri. Minha mulher fala que está na hora, ela quer muito. Estamos conversando. Quem sabe?

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Esta crônica faz parte da série especial Todos têm uma história.

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