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Meninos, eu vi: o Vitória subindo a ladeira

Meninos, eu vi: o Vitória subindo a ladeira

Vitória Corinthians gol

A manhã fria e chuvosa de sábado trazia os necessários indícios meteorológicos de que a ida ao distante Itaquerão era tarefa de incutido com grande tendência à teimosia exagerada. Munido da minha camiseta retrô de 72 que nunca viu um triunfo rubro-negro na capital paulista, ponguei no trem que em poucas paradas me deixou na estação que margeia o marmorizado estádio corintiano.

A impressão que se tem ao chegar é a de um oásis no deserto. Nada no entorno, nem aqui, nem ali, nem acolá. Bora subir o barranco e procurar o portão de visitantes. Ambulantes oportunistas vendem capas de chuva a 15 reais. Isopores de cerveja aplacam a sede de quem a possui.

Mais de 42 mil torcedores têm no rosto o semblante dos 3 pontos garantidos. “Barbada”, “mel na chupeta”, “é tirar doce de criança”. A horda de alvinegros se cumprimentava em polvorosa. Em campo, o todo poderoso timão enfrentaria o penúltimo colocado.

Nunca, no entanto, subestime a força encontrada por aquele acuados, lutando pela sobrevivência. Ali em campo, com a água no pescoço e respeitando as cores do uniforme, o Vitória foi Milan.

Num contra-ataque mortal, Trellez recebeu o espírito de Van Basten e, sem piedade, mandou o tirambaço de direita na bola, que ainda resvalou no lateral adversário, vencendo Cássio e indo dormir plácida e mansa no fundo das redes.

Parecia mentira, e assim diria se lá não estivesse, mas, asseguro: meninos, eu vi.

Wallace tal qual Baresi, não abrindo espaços para adversário se criar, rechaçando investidas sem firulas e desarmando atacantes com a classe de um batedor de carteiras que nem se vê de onde veio. Kanu era seu escudeiro, seu Costacurta, uma zaga quase impenetrável (lá elíssimo). Caíque Sá fazia Maldini suspirar desejoso daquela velocidade toda. Uillian Correa dominava o meio-campo com altivez. Neilton e David, talvez fora da sintonia da ponte aérea Salvador-Milão, não honravam Gullit e Rijkaard, erravam tudo o que podiam.

Todos corriam renitentes e entregavam a redonda para o Corinthians, e ainda provocavam: DUVIDO que me transponha. O até então líder invicto paulista tentava, mas errava passes em profusão: sempre havia gente de vermelho e preto entre um e outrem.

O tempo passava e a pequena torcida baiana, encasacada e apreensiva, esperava o apito final desde os 12 minutos. Respingos da chuva caíam, num potencial terror molhado e gripe, mas que se transformou um banho com sal grosso e alfazema, cada pingo lavando a alma de quem se propôs a despejar 100 reais na bilheteria para ver o time do coração espinhado.

No apito final do árbitro, alívio extravasado. Pela primeira vez o Vitória batia o Corinthians em São Paulo. A torcida do Timão aplaudia sua equipe, agradecida pelo empenho e pela liderança ainda folgada. Entenderam que no tempo fechado de uma tarde paulistana sua equipe preparou-se para enfrentar o brioso rubro-negro baiano, mas nunca poderia imaginar que enfrentaria um bicampeão da Europa, com craques, classe, entrega e, sobretudo, dominância.

No grito libertador da mizeravância, cereja do bolo, Mancini ainda mandou uns radialistas tomarem o rumo de casa. “Me respeite que eu não sou suas nega.”

Na pauta da incorporação para a próxima rodada, a rubro-negra Alemanha em semifinal de Copa no Brasil. Nosso 7 a 1 para fugir do Z4 de vez.

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Crédito da imagem: Ofotográfico/Folhapress

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