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Meu último álbum de figurinhas

Meu último álbum de figurinhas

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A Panini lançou esta semana, com estardalhaço e sobrepreço, o álbum oficial da Copa do Mundo Rússia 2018. Muitos dos meus amigos próximos, assim como, estou certo, muitos dos de vocês também, correram às bancas para garantir os cromos do maior evento do futebol mundial.

Na contramão do afã, confesso que meu tesão por álbuns de figurinhas se esvaiu ali por volta de 1995.

O CALCIO

Quando muito menino pelas ruas da velha cidade da Bahia, naqueles anos da virada dos anos 80 pros 90, o negócio era o álbum do Campeonato Italiano. Era o auge do Calcio! Maradona comandava a farra, e que alegria era encontrar brasileiros naquelas páginas. Lembro bem do Djair, que apesar de ser facinho de confundir com João do Caminhão, era brasileiro, sim, senhor. O desafio de criança era conseguir, sabe-se lá como, burlar as sérias restrições orçamentárias e garantir o pacotinho de figurinhas numa banca pelo caminho e voltar correndo pra casa.

Tinha a questão do cheiro. Durante uns dois meses, as danadas das figurinhas do então maior campeonato nacional do mundo foi meu vício. A sensação ao abrir o pacote de figurinhas e respirar seu interior era inebriante. O barato era potencializado se saísse um Baresi, um Maldini, um Van Basten, mas cortado instantaneamente se de lá de dentro surgisse um zé qualquer do Brescia. No período pré-figurinhas autocolantes, tinha que melar os fundos de cola, o que deixava o álbum pesado, molhado, um tanto destrambelhado.

Completar o álbum não era das minhas maiores intenções. Vai ver eu não tinha entendido muito bem o objetivo da coisa. Fato é que eu queria poder tirar os craques. Os outros, os eternos coadjuvantes do espetáculo, os cabeças-de-área da importância na construção do imaginário infantil, nem para preencher página serviam. E lá eu vi o San Siro em quatro partes, troncho e torto, tomar forma. Tomei contato com o que era Milan, Inter, Juventus, Lazio, Napoli, Roma e o resto.

O BRASILEIRO

Os anos passaram, eu cresci, o Brasileirão ganhou força e edições de álbuns, as figurinhas ganharam grude adesivo autocolante sem nem carecer de cola e completar o álbum passou a ser prioridade. Coisa do mundo dos negócios, que corrompe a alma lúdica da criatura que nada do mundo entende. Sentia-me um barão das riquezas, de traje completo, fraque e cartola a tiracolo, como se debatendo o futuro da humanidade a trocar imagens repetidas. Aprendi minhas primeiras lições de negociação trocando figurinhas do Campeonato Brasileiro. Identificar o valor percebido para outro em algo tão sem importância para mim era tão surpreendente quanto lucrativo.

Foi nessa levada que nasceu em mim a ganância do lucro. Dava vida a este infame sentimento, ladeado por uma risada macabra, no tal de bater figurinha. Rapelar os amigos era uma droga poderosa. Minhas longas e magras mãos garantiam montes polpudos virados de primeira, minha base de figurinhas sem valor crescia, e me regozijava na cara de desolação de meus agora oponentes, com quem apenas 15 dias atrás brincávamos melhores amigos que éramos.

De forma natural, no entanto, perdi o interesse. A nuvem da crise financeira permanente na família abortou qualquer “mas eu quero” até em pensamento.

Até que, perto do meio da década de 90, apareceu em casa meu tio Ionan, que nunca foi chegado a futebol, com uma relíquia. Chamou-me, lutando para fazer-se animado. Tirou de sua mala de trabalho um álbum do Campeonato Brasileiro de 1989.

O álbum tinha tudo o que uma relíquia da época exigia. Uns poucos cromos faltando aqui e ali. Páginas pesadas de papel ressecado. Em alguns cantos, as se via um tanto rasgadas, fruto do excesso de cola que unia a face de uma folha à face de outra defronte. Exalavam suas folhadas um aroma com notas de goma e bolor, que me travaram o nariz de nostalgia. Logo eu, que por recém-adolescente, em formação do ser, sequer haveria de alinhavar o conceito de nostalgia ou de saudade.

Corri para a página do Vitória. Lá estava Bigu, destaque da Placar. Era tradição marcar os mais-mais de cada equipe. Lá estava Bobô vestido de São Paulo, manto que não lhe vestiu bem (mesmo ganhando uma Bola de Prata neste ano, seguiu para o Flamengo na sequência). Bebeto desfilava classe até na foto oficial, Telê comandava o Flamengo estelar, César Sampaio era senhor seu ninguém no Santos, Túlio era mais um no Goiás. Em cada time, o escudo, o mascote (incluindo o melhor de todos os tempos, o do Botafogo carioca), o uniforme e o técnico, além dos jogadores, claro. Na página dos estádios, apenas o Maracanã merecia dupla cromação.

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Vitória do Campeonato Brasileiro de 1989, álbum da Editora Abril. Destaque para Bigu.

Por uns dias fiquei com o álbum comigo. Não faço ideia de onde foi parar. Talvez meu tio tenha apenas pegado emprestado de um conhecido para fazer feliz seu sobrinho e devolveu antes que não tivesse mais retorno. É tanto talvez que só deixa especulação.

PRA NUNCA MAIS

Foi depois deste de volta ao passado ao Brasileiro de 1989 em pleno 1995 (ou 96) que perdi o interesse nas figurinhas. Não podia formular na minha cabeça de criança por quê, mas hoje, posso. Assinto que era o peso, o cheiro, o passado, o reconhecimento. Um certo desleixo, incompleto que era, páginas grudadas como dadas revistas em caixas de sapato embaixo da cama. Fora aquele álbum de outra criança-barra-adolescente, tal qual eu, um tanto desengonçada e descoordenada, que vivia para os destaques, os craques, e o resto era resto. Era na simplicidade da coisa que residia seu valor incalculável. Via-me espelhado em outrem pelo álbum do Campeonato Brasileiro de 1989. Havia outro de mim por aí. Aprendi que, assim como maestro Moacir Santos, não sou um, sou tantos, como tantos todos somos (a bênção, Vinícius).

O transporte garantiu chegada no quando o valor dos ingressos era proporcional ao comprimento do calção e iguaria de arquibancada era variedade de amendoim. Deixei de lado a labuta pelos cromos pro mode algo maior e mais relevante. Nada poderia ser melhor do que aquele álbum do Campeonato Brasileiro de 1989, trazido a mim apenas para me fazer feliz e que desapareceu da minha vista deixando um rastro de crescimento e um amor renovado pelo tal do futebol.

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GALERIA: o álbum completo do Campeonato Brasileiro de 1989.

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Ver Comentários (2)
  • Cara, ao ver as paginas do álbum completo, me veio na memória o tal cheiro de figurinha nova, recém saída do envelope e a alegria de achar um dos craques do album ou o jogador do time do coração!! Ehh tempo bão!!! Abraço.

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