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O efeito Lula

O efeito Lula

A reentrada de Lula como adversário político efetivamente poderoso cria um embate ao qual até então Bolsonaro não estava acostumado. Se há um caminho possível para se aceitar o fator polarização é o de ter em Lula um fator gerador de pautas e de mobilização de massas que somente Bolsonaro teve nos últimos anos. Nesse sentido, Lula rivaliza com Bolsonaro, que perdeu o controle da narrativa desde a decisão monocrática de Edson Fachin. E especialmente depois da coletiva de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos, os mais diferentes meios impactados por sua fala tiveram que se adaptar à nova realidade.

O mercado e os ditos analistas econômicos mostraram a sua face mais nefasta. O mercado, ao precificar um inexistente risco Lula – falácia comprovada em 2002 – enquanto faz a Janaína – ai, o Presi! – para o desmonte público do Brasil como economia e como nação. E os analistas econômicos se arrepiaram pelo preconceito, apelando a clichês sem fundamento para passar aquele pano necessário às conclusões do tal “mercado”.

Outros que militam no campo da esquerda se ressentiram da volta, em especial Ciro Gomes. O cearense de Pindamonhangaba, que na derrocada do PT buscou se posicionar como alternativa consolidadora à centro-esquerda – flertando com muitos da direita democrática no processo, no que está certo, diga-se – se viu, com Lula, sem possibilidade de crescimento. O discurso conciliador de Lula, algo em que o ex-presidente se provou capaz ao amealhar a maior bancada de apoio no Congresso já vista, o faz menor.

E dentro do governo a postura teve que mudar. Se a coletiva do dia 10 serviu muito a isso, uma pesquisa do dia 11 de março mostrava o nível de rejeição de Bolsonaro e de sua gestão da pandemia. Nela, Bolsonaro é derrotado por 4 outros nomes num hipotético segundo turno: o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, Ciro Gomes, e os petistas Lula e Fernando Haddad. A distância para Lula é grande demais. Percebeu, com isso, que seria necessário alterar a maneira como atua na pandemia.

No dia seguinte, apareceu em evento público de máscara, sendo que numa live poucos dias antes tratou uma enquete de internet como se fosse estudo científico para justificar não usar máscaras. E passou um recibo de que sentiu sobremaneira a fala de Lula ao, na live do dia seguinte à coletiva do petista, aparecer com um globo terrestre em sua mesa.

Se há algo para que a volta de Lula serve – independentemente de ele ser candidato em 2022 ou não, de perder novamente no futuro os direitos políticos ou não – é para expor a superficialidade das análises políticas e econômicas das principais correntes de poder e meios de comunicação.

Nesta linha, desenvolvo a partir do raciocínio trazido por Idelber Avelar. Se a academia não bebe na fonte de outras ciências, articulistas se fecham ainda mais nas convicções para cometer opiniões oyâmicas, promover acintes em formas de editoriais do Estadão e, em prol de ouvir “todos os lados”, citar elementos e figuras que estão do lado de lá, fora da civilidade e do conhecimento.

Na política, realinhou os eixos do Centrão, que agora, sim, tem alternativa de aliança com alguém com força para derrubar Bolsonaro no voto. Arthur Lira e Rodrigo Maia logo mandaram seus “oi, sumido” para Lula.

E aqui está, no meu ver, o motivo para a maior inconsequência cometida por Bolsonaro, que foi limar Ludhmilla Hajjar e o Centrão para efetivar Marcelo Queiroga como ministro da Saúde.

Bolsonaro opera na base da exigência de fidelidade absoluta. Só que o Centrão não oferece fidelidade exclusiva. Vai com quem se cacifa ao poder. E quando Arthur Lira acenou a Lula, Bolsonaro encarou esta postura como uma ofensa pessoal, uma traição. E limitado cognitivamente que é, deu as costas a Lira na indicação de um nome qualificado para assumir o ministério da Saúde no lugar do incompetente – para dizer o mínimo – Eduardo Pazuello.

Que outro motivo haveria para confrontar tão abertamente o Centrão senão a estupidez de um infantilizado presidente?

Não durou muito, por óbvio, a postura mais correta de Bolsonaro perante os aspectos da pandemia. Voltou a defender, mesmo que a portas fechadas, a cloroquina, trocou o ministro da Saúde por outro capacho igual, voltou a ameaçar diretamente as instituições com alusões a golpes militares.

O efeito Lula é fundamental para expor ainda mais o perigo que é Bolsonaro e sua claque, que foi às ruas buzinar sua ignorância. E mostra que há esperança ali na frente de que este pesadelo contínuo de um Brasil bolsonarista finalmente termine.


Artigo publicado na Papo de Galo_ revista #13, de 17 de março de 2021, páginas 48 a 50.


Capa da Papo de Galo_ revista #13 mostra Lula sendo abraçado pelo povo. A anulaçãop de condenações do petista no âmbito da Lava-Jato o recoloca não apenas na corrida presidencial de 2018, mas cria oponente poderoso a Bolsonaro no duelo de narrativas pelo controle político nacional.
Capa da Papo de Galo_ revista #13, de 17 de março de 2021.

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