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O faz-de-conta da contenção

O faz-de-conta da contenção

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Fazer o que precisa ser feito, em tempos complicados como este de pandemia, exige atuações firmes, talvez enérgicas, e certamente impopulares. Este último item, contudo, assusta políticos. Porque se se perde voto, o custo da decisão se torna caro demais.

O lockdown foi recurso em todo o mundo para tentar frear a curva de contaminação. Menos no Brasil. Isolamento nunca foi efetivamente uma opção, especialmente porque os negacionistas da pandemia atribuem importância maior à economia que à vida, conforme explicou Milton Santos, em referência no Editorial desta revista.

É resultado de toda uma estrutura social pautada na escravidão – trabalhadores subalternos não são gente, são recursos econômicos, e sem eles o empresariado “morre” – que pessoas de negócio marchem aos escritórios do poder exigindo manutenção da economia. Morte de CNPJs são muito mais relevantes, concluem, trazendo na fala resquícios de um racismo que nunca foi confrontado como política pública.

Mas todo negacionista é, por premissa, um ignorante. Estudos da época da gripe espanhola provaram que a crise econômica caminha junto com a crise sanitária. Ou seja, enquanto houver pandemia, haverá crise. Nesta pandemia, a Suécia foi exemplo claro de como deixar as coisas como estavam apenas causava mais mortes, com impacto econômico igual ou maior que países equivalentes em tamanho e em estrutura. Na ânsia pela manutenção econômica, conseguiram somente aumentar a contagem de corpos.

Mas estes negacionistas são poderosos e barulentos. Aproveitaram-se da situação de vulnerabilidade da camada mais pobre para pedir a urgência do retorno, para que nada fechasse. “Não se pode tolerar a morte de CNPJs!”

Foi emblemático que a primeira morte fosse de uma empregada doméstica de família rica do Rio de Janeiro.


A mulher de Cesar

Diz-se que a mulher de César, mais do que ser honesta, tem que parecer honesta. É sob este lema que vivem os políticos brasileiros.

Como uma eventual inibição da circulação geral provocaria um debate acalorado sobre o papel do Estado, impactando em votos perdidos em futuros pleitos, opta-se pela alternativa da mulher de César. Qual seja: não necessariamente fazer o que precisa ser feito, mas parecer que está fazendo alguma coisa.

Ah, o fingimento.

É o que ocorre agora em São Paulo. O governador João Dória vê a rede de saúde em colapso. A curva de contaminação se acelera, e a de morte pega embalo. Nunca se morreu tanto, e a tendência é que morram ainda mais pessoas.

Mas o auxílio emergencial foi cortado – o socorro, tanto às pessoas quanto aos negócios deveria partir do Estado, vide a maneira como o Reno Unido lidou com o problema – e estão todos entregues à própria sorte. Mas em vez de o povo pedir a solução necessária, apela ao torcer para que tudo dê certo. Não deu até agora, nunca deu, mas está no livro “O segredo” o quanto o pensamento positivo resolve pandemias, talvez não literalmente, mas se chega lá, basta ter fé e esperança.

Assim, o Brasil escreve mais um capítulo de uma história política repleta de decisões equivocadas, sob falsos pretextos e vivendo de aparências.

Institui-se, pois, o mitológico e midiático “toque de restrição”. Resolve algo? Nem perto disso. Lockdown? Fora do radar, povo não aceita. Então que se invente algo que pelo menos pareça que algo é feito.

Enquanto isso, a vacinação é interrompida por falta de insumos, o auxílio vai voltar menor, às custas da Saúde e Educação, e seguimos no mais do mesmo.


Artigo publicado na Papo de Galo_ revista #12, de 26 de fevereiro de 2021, páginas 42 a 44.


liberdade de expressão,
Capa da Papo de Galo_ revista #12, de 26 de fevereiro de 2021.

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