Sou baiano, mas não pratico.
Durante séculos, esta foi a muleta retórica na qual me escorei para tentar driblar o espectro que aqui assombrava:
o espectro da baianidade.
Desde que desembarquei em Salvadolores, há pouco mais de mil anos, evitei ser cooptado. Alma sertânica não rima com rendição.
Sou baiano, mas não pratico.
Repetia para mostrar que, criado no carrancismo, não iria aderir à tirania da felicidade que esta urbe tentava me impor. Tudo aqui era motivo de riso. E eu achava aquilo um quase desespero. Ou coisa pior: fingimentos.
Porém, apesar de incomodado, ou talvez exatamente por causa disso, também aprendi a fingir. E fingi tão completamente que acreditei. Só não consegui me libertar do olhar estrangeiro, simplificador e assustado, de quem não se sente acolhido.
Por falar em olhar estrangeiro, lembrei-me que Carybé um dia falou que “A Bahia não é uma cidade de contrastes. Não é não. Quem pensa assim está enganado”.
Eu poderia até estar equivocado, menino Bernabó, mas era isso o que sentia: uma cidade de contrastes. Você, todo lambuzado de baianidade, me dizia que “tudo aqui se interpenetra, se funde, se disfarça e volta à tona sob os aspectos mais diversos”, mas ali, nos desmantelos das ruas, becos, ladeiras e vielas, repito, vivenciava outra coisa.
Ou será que eu apenas via e não vivia a cidade? Agora, já não sei. Apenas sinto que, neste momento, que estou impedido de vivê-la é que sei o quanto já estou entregue.
Sou baiano.
Crônica publicada na Papo de Galo_ revista #14, de 28 de março de 2021, páginas 76 a 77.
Contribua!
Você pode contribuir de diversas maneiras. O mais rápido e simples: assinando a newsletter. Isso abre a porta pra gente chegar diretamente até você, sem cliques adicionais. Tem mais. Você pode compartilhar este artigo com seus amigos, por exemplo. É fácil, e os botões estão logo aqui abaixo. Você também pode seguir a gente nas redes sociais (no Facebook AQUI e AQUI, no Instagram AQUI e AQUI e, principalmente, no Twitter, minha rede social favorita, AQUI). Mais do que seguir, participe dos debates, comentando, compartilhando, convidando outras pessoas. Com isso, o que a gente faz aqui ganha mais alcance, mais visibilidade.
Livros!
Ah! E tem também os meus livros! “Futebol é uma Matrioska de Surpresas” (2018), com contos e crônicas sobre a Copa do Mundo da Rússia, está em fase de finalização de sua segunda edição. Além disso, em dezembro de 2020 lancei meus 2 livros novos de contos e crônicas, disponíveis aqui mesmo na minha loja virtual: “A inescapável breguice do amor” e “Não aperte minha mente“.
Apoie: assine a Papo de Galo!
Mas tem algo ainda mais poderoso. Se você gosta do que eu escrevo, você pode contribuir com uma quantia que puder e não vá lhe fazer falta. Estas pequenas doações muito ajudam a todos nós e cria um compromisso de permanecer produzindo, sem abrir mão da qualidade e da postura firme nos nossos ideais. Com isso, você incentiva a mídia independente e se torna apoiador do pequeno produtor de informações. E eu agradeço imensamente. Aqui você acessa e apoia minha vaquinha virtual no no Apoia.se.