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Olhar estrangeiro

Olhar estrangeiro

Sou baiano, mas não pratico.

Durante séculos, esta foi a muleta retórica na qual me escorei para tentar driblar o espectro que aqui assombrava:

o espectro da baianidade.

Desde que desembarquei em Salvadolores, há pouco mais de mil anos, evitei ser cooptado. Alma sertânica não rima com rendição.

Sou baiano, mas não pratico.

Repetia para mostrar que, criado no carrancismo, não iria aderir à tirania da felicidade que esta urbe tentava me impor. Tudo aqui era motivo de riso. E eu achava aquilo um quase desespero. Ou coisa pior: fingimentos.

Porém, apesar de incomodado, ou talvez exatamente por causa disso, também aprendi a fingir. E fingi tão completamente que acreditei. Só não consegui me libertar do olhar estrangeiro, simplificador e assustado, de quem não se sente acolhido.

Por falar em olhar estrangeiro, lembrei-me que Carybé um dia falou que “A Bahia não é uma cidade de contrastes. Não é não. Quem pensa assim está enganado”.

Eu poderia até estar equivocado, menino Bernabó, mas era isso o que sentia: uma cidade de contrastes. Você, todo lambuzado de baianidade, me dizia que “tudo aqui se interpenetra, se funde, se disfarça e volta à tona sob os aspectos mais diversos”, mas ali, nos desmantelos das ruas, becos, ladeiras e vielas, repito, vivenciava outra coisa.

Ou será que eu apenas via e não vivia a cidade? Agora, já não sei. Apenas sinto que, neste momento, que estou impedido de vivê-la é que sei o quanto já estou entregue.

Sou baiano.


Crônica publicada na Papo de Galo_ revista #14, de 28 de março de 2021, páginas 76 a 77.


Capa da Papo de Galo_ revista #14, de 28 de março de 2021.

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