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O peso do que poderia ter sido

O peso do que poderia ter sido

relógio, passado, futuro,

Na avaliação de cenários e composição de debates, há uma tática da qual eu fujo porque impossível de ser validada: aquela que compara fatos com possibilidades que não alteram esses fatos. Escapo dessa linha de argumentação porque ela está contida no campo da fantasia.

Quando avaliamos “ses” para contornar cenários concretos, todo debate é inútil. Este processo de construção de alternativas somente é viável quando se aplicável a prospecções, a eventos futuros. No passado, por óbvio, não se mexe, nem se é possível validar hipóteses. O “se”, logo, é atributo futuro, do que virá, quando tudo é incerteza.

Dou exemplos. “Se o Neymar não se machucasse em 2014, o Brasil seria campeão da Copa.” Essa afirmação comum não faz sentido, mas sobrevive apenas no campo da imaginação. Ela se utiliza de um dado concreto – o Brasil não venceu a Copa – e insere uma certeza irrefutável. Ela é irrefutável porque é incomprovável e, portanto, para sempre correta – ao mesmo tempo que inútil.

Esquecem-se os fatos, o conjunto de informações que temos em mãos para poder projetar cenários, para se focar no passado, como se ele fosse elemento mutável se as decisões fossem diferentes. Ora, por definição, alterar um elemento da cadeia significa provavelmente alterar o resultado final. Mas isso faz dele melhor?

Tantos ses…

Se a bola do Renato Augusto em 2018 entrasse, para além do 2 a 2 naquele instante, como podemos, efetivamente, avaliar o que aconteceria? Que sentido faz isso, senão nos fazer assimilar melhor o que se passou, com uma falsa sensação de que, bastando aquele detalhe!, tudo seria diferente?

Maradona, por exemplo, ao admitir que nunca fora profissional, questiona “que jogador eu poderia ter sido? Até onde eu poderia chegar?” A fala cria a magia para que qualquer um desenhe o que lhe convier.

Nessa atitude, a escolha do cenário mais bonito está feita. Não se questiona o raciocínio – a nossa decisão sobre o que aconteceria está tomada! – o negócio é racionalizar. É assim que péssimas gestões se tornam boas porque “se fosse outro, seria o fim do mundo”, e campanhas de recuperação na tabela se tornam certeza de que “se o treinador tal ficasse, o time seria rebaixado”. Ó, como é confortável ter tanta certeza do que não pode ser verificado!

Ao cair nessa espiral, deixa-se de olhar para o futuro, ou de avaliar no limite da realidade as decisões tomadas.

Covardia e o refúgio no passado ideal

E denota como somos covardes diante da impossibilidade de se controlar o futuro. Ao perceber que há chance de provar algo como falacioso, apela-se à falsa sensação de controle do passado, subvertendo fatos para que o dominó de ações conflua para aquilo que você, ser supremo da alteração do que não pode ser alterado, escolheu.

Mas o peso do que poderia ter sido é artifício perigoso. É bola de ferro que nos prende ao passado e às nossas ó-tão-perfeitas convicções. Com isso, mistura-se realidade e distopia, tratando-as como elementos iguais. No fim, é calabouço para onde nos refugiamos para que não sejamos factualmente fracassados naquilo que nos é tão valioso: a pretensão de controle. Se o futuro amedronta, na profecia do passado podemos ser o quisermos.

Gabriel Galo é escritor e está lançando os livros de contos e crônicas “A inescapável breguice do Amor” e “Não aperte minha mente” em 2020.


Artigo publicado na edição impressa e no site do Correio da Bahia em 07 de dezembro de 2020. Link AQUI!


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