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Pastel de garfo e faca

Pastel de garfo e faca

Tem que coisas que somente Moema faz por você.

Eu sou apaixonado por pastel. Não consigo ver uma feira, meu cérebro automaticamente desliga tudo e apenas mantém a massa recheada de queijo e o caldo de cana com limão. Boca começa a salivar. Aquele mundaréu de gente, dois real a banana, cinco o morango, um o maço de cheiro verde.

Veja bem, eu tenho quatro pensamentos, apenas, com relação a pastel. Um, será que tem muito recheio? Dois, eu tenho que segurá-lo deitado, para que o queijo não escorra todo prum lado só e acabe comendo massa pura na parte de cima. Três, melhor abrir um buraco antes pro ar quente sair e eu não correr o risco de queimar a boca. Quatro, não deixar pingar gordura na minha roupa.

Aprendi com a vida. Malandrági do pastel. Desde criança.

Por exemplo, o que você faz quando vê uma mesa de brigadeiros num aniversário? Minha única preocupação é conseguir comer todos sem que ninguém perceba, tomando cuidado para não deixar buracos na bandeja. Uma arte, exige rapidez nos dedos que pegam o objeto do furto e nos outros dedos que reorganizam o restante para encobrir os rastros.

Sexta-feira à noite, de um bar para conversar de existencialismo e mulheres – o que quer dizer praticamente a mesma coisa – fui a outro. Da Pompéia para Moema. De um bar com decoração mesclada, cadeiras e mesas de plástico, de metal e de madeira misturadas, autêntica preocupação de “temos que arrumar lugar pro povo sentar, qualquer coisa serve”. Faltava apenas bancos improvisados feitos de engradados de cerveja. Para outro com a última moda da decoração, logotipo trabalhado na agência, caipisaquê de kiwi.

Vamos pela galera. Amigos sustentam qualquer ambiente, o que é verdade.

Mas temos que nos manter abertos aos tipos.

No cardápio, itens da baixa gastronomia gourmet. Nada dessas coisas de carne louca, dobradinha, rissoles de 3 dias, a baixa gastronomia dos não evoluídos. Não, senhor! Era bolinho de arroz com muçarela de búfala. Bolinho de carne seca com mandioquinha. Porções de iscas de filé com gorgonzola, calabresa importada na cachaça mineira da moda. E também porção de mini-pastéis.

Lugar de xentchy phyna.

Na mesa ao lado, um casal xóvem conversa sem muito assunto. Não se permite emoções, autocontrole é tudo. Tomam um gole duma cerva importada, ela pergunta se tinha alguma opção light. Caipisaquê de kiwi com adoçante é tudo! Mas com vodka Grey Goose, que o estômago não aguenta Smirnoff.

Eis que chega uma porção para eles dos mini-pastéis. Os da nossa mesa já tinham sido devidamente consumidos em dez segundos, conforme ensinamento de como se faz uma refeição do filme Tropa de Elite, com direito a briga pelo último. Eles pedem algo mais para o garçom, que volta com um pequeno prato, garfo e faca para cada.

Tranquilos, pegam um pastel com um guardanapo, colocam no prato, e iniciam seu ritual.

Comendo pastel de garfo e faca.

Mini pastel.

De garfo e faca.

Senti um pouco de pena, este sentimento terrível, tão avassalador quanto o desprezo.

Quem foi privado de uma feira quando criança, de um pastel com caldo de cana, deve ter sido privado de muito mais coisas que se põem humanas perante a gente. A vitória do artificial. Ibiza x Dubai. Topzera. Um mundo de mentira. Aquele em que a criança é sobreposta pela dita etiqueta, e me leva a crer que a infância, no sentido mais puro da palavra, não existiu.

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