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Profissão: sabe-tudo

Profissão: sabe-tudo

No dia 30 de maio de 2017, recebi a funesta notícia de que meu querido Dandão abandonou este vale de lágrimas. Pra mim, já é, desde sempre, uma das datas mais tristes dos últimos tempos, pois o tinha na conta de ídolo e mentor intelectual.

Óbvio que meus imensos defeitos e outras inconsequentes mumunhas não podem ser debitados na maltratada, finada e aliterada conta do sujeito, mas o pouco que sei, este quase nada, devo muito a ele, especialmente no campo das culhudas.

Sim, Dandão era um dos últimos sabe-tudo de verdade desta província lambuzada de dendê e presepadas, da mesma estirpe do historiador Cid Teixeira.

Claro que o conhecimento de Dandão não tem nada a ver com a falsa sabedoria deste povo das propaladas redes sociais. Ele sabia porque sabia, nasceu assim, sabendo. E, quando não sabia, inventava verdades com a convicção dos sábios. O sacana só não soube se despedir. Foi enterrado no domingo, dia 28, e nem pude dar meu último adeus. Então, reproduzo um rabisco sobre o ilustre personagem escrito há dez mil anos. Recebam.


Meu amigo Dandão é daquele tipo de gente que os xibungos mudernos diriam que já fez DIUMTUDO.

Calma, minha comadre, num é nada disso que a senhora tá pensando. Tal definição é porque o referido já laborou nas mais diversas áreas, de jornalista a corretor de imóveis (se bem que este exemplo que larguei não foi muito feliz, já que uma profissão é praticamente igual à outra). No entanto, a verdade é que, além de uma catilogência extraordinária, o indigitado ainda possui um poder de convencimento dos 600 DEMÔNHOS.

Há pouco dias, este rouco e faminto locutor estava comendo uma deliciosa Jamile Picante na Budega de Zé, no Garcia (olha a propaganda aí, meu craque, depois faça um abatimento na conta), quando um disgramado de um cachorrinho ficou rebolando embaixo da mesa mais do que a Moça do Shortinho Gerasamba.

Perguntei ao garçom quem era o proprietário daquela entidade – e ele apontou na direção de uma ribanceira à esquerda. Para que o furdunço canino não atrapalhasse o prazer dos comensais, lá fui eu levar o bicho na casa do dono.

Bato na porta e quem aparece? Raimundo Nonato? Não, Dandão, o próprio. Antes que eu devolvesse seu animal e falasse os tradicionais boa noite, como vai, há quanto tempo, ele já foi logo querendo me catequizar para que eu me tornasse revendedor de uma nova “e excelente” marca de perfume.

É graça uma porra desta? Logo eu, que nem perfume uso. Mas sigamos, pois não há surpresa.

Dandão, conforme já dito, entende da zorra toda. É você dizer que tá com gripe, e ele já passa logo um remédio, uma infusão de ervas misturada com gengibre, pitanga e outras mumunhas. E não é recomendável questioná-lo, pois o sacana sempre saca logo do coldre a seguinte: “Receito isso não por charlatanismo, mas sim porque já estudei muito o assunto e já trabalhei bastante tempo em laboratório de fórmulas com plantas medicinais…”

Se o problema é no seu carro, que tá soluçando mais do que atriz de novela mexicana, Dandão receita o conserto sem ver nem saber qual a marca do veículo. “Com certeza, é no radiador. Existe também um mau contato nas velas. E digo isso com a experiência de quem já estudou muito sobre o tema e trabalhou bastante tempo numa importante oficina…”

Pois muito bem. Per seculae seculorum, nunca houve problemática que não aparecesse com a solucionática (beijos, Dadá Maravilha).

Certa feita, para que vocês tenham ideia do portento, Dandão estava relatando qual era o caminho para resolver até mesmo o ancestral problema de mobilidade desta engarrafada província que, entra gestor e sai gestor, sempre tá piorando.

Diante disso, restou apenas a pergunta fatal: “Dandão, tem alguma coisa que você não saiba?”. Depois de muito matutar, ele respondeu: “Pilotar foguete”.

Quando todos já nos preparávamos para vibrar por saber que nosso amigo não era um super-homem infalível, mas apenas humano, demasiadamente humano, ele retomou a palavra e murmurou: “Pilotar foguete, pilotar foguete…”

Nova pausa – e o indigitado arrematou, um tanto quanto desolado e reticente:

“Pilotar foguete, pilotar foguete… eu tenho uma certa dificuldade”.

Pois muito bem. Diante de uns textos lambuzados de erudição, arrogâncias e convicções que tenho visto aqui & alhures, o menino Dandão é apenas um aprendiz de feiticeiro. Por isso, advirto aos amigos sabichões que frequentam este insalubre recinto: debreiem, debreiem muito, pois Deus, mesmo não existindo, tá vendo tudo isso e num aprova, não, criaturas.


Crônica publicada na Papo de Galo_ revista #15, de 16 de abril de 2021, páginas 26 a 28.


Capa da Papo de Galo_ revista #15, de 16 de abril de 2021.

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