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Quando a vergonha supera o medo

Quando a vergonha supera o medo

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Em 2013, as manifestações de meio de ano foram adquirindo caráter continuamente mais agressivo. A desproporcional e absurda repressão da Polícia Militar de São Paulo contra os manifestantes do Movimento Passe Livre ferveu o sangue da população, que tomou as ruas em tréplica acintosa.

Enquanto a violência era alimentava, os protestos ganhavam as ruas de outras cidades, como o Rio de Janeiro, e os black blocs –manifestantes vestidos de preto e encapuzados que depredavam e saqueavam estabelecimentos– causavam apreensão, era necessário um fechamento penal, qualquer que fosse, para justificar a maciça atuação da PM. Era preciso condenar alguém.

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Rafael Braga

Rafael Braga Vieira saiu de casa em 20 de junho de 2013 em direção à Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio de Janeiro. Durante esse protesto, Rafael Braga entrou com uma mochila numa loja abandonada cuja porta havia sido arrombada duas semanas antes, em frente à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). De lá saiu com duas garrafas, de cloro e desinfetante.

Rafael foi, então, abordado por 2 policiais civis, que o prenderam em flagrante. Acusação? Não importava. A polícia precisava de um bode expiatório.

Num processo que se tornou emblemático de desrespeito ao devido processo penal, provas forjadas e claro abuso de autoridade, Rafael era o nome perfeito. Pobre, com passagem e condenado previamente, e em liberdade condicional no momento da nova prisão, Rafael era o rosto invisível que a narrativa carecia para passar a mensagem de que criminosos estavam se aproveitando das manifestações.

O caso ganhou as manchetes do Brasil inteiro, atraindo atenção da mídia, de instituições direitos humanos e escritórios de advocacia. Inacreditavelmente, Rafael foi  condenado a 4 anos e 8 meses de reclusão. Por ter em suas mãos duas garrafas de cloro e de desinfetante.

Solto por bom comportamento, em 2017 foi preso novamente por tráfico de drogas, mesmo crime pelo qual já havia sido condenado anteriormente. Portando irrisórios 0,6g de maconha, Rafael alegou perseguição policial e mais abusos de autoridade, devidamente evidenciados em mais um processo fraudulento. Rafael Braga precisava, aos olhos da polícia carioca, continuar preso, custasse o que custasse.

Risco, vergonha, medo

O caso Rafael Braga resume, no extremo, o ciclo do medo que envolve sair às ruas em protesto. Participar ativamente de manifestações significa arriscar a própria integridade física, jurídica, laboral, financeira e social. São riscos demais, que normalmente evitam que se formem grandes alomerações.

A relação que leva as pessoas às ruas é quando a vergonha por um determinado assunto supera o medo inerente ao ato de protestar.

As manifestações de 2013 ganharam muito mais poder depois da trapalhada resposta da Polícia Militar paulista. Quem acompanhou as notícias daquele dia, sentiu borbulhar a vontade de protestar. Foi necessário muita vergonha para assumir este risco.

Nos EUA, ocorre situação semelhante. A morte cruel de George Floyd, registrada de múltiplos ângulos, despertou o sentimento de protesto pelo racismo inaceitável, capaz até mesmo de superar a ameaça da ação militar contra o próprio povo.

No Brasil, que conta com uma polícia violenta e persecutória, protestar contra o sistema é ato sobretudo heroico.


Artigo na edição #1 da Papo de Galo_ revista, em 05 de junho de 2020.

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