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Regina Duarte e o chilique da maldade exposta

Regina Duarte e o chilique da maldade exposta

Regina Duarte, CNN,

O dia 07 de maio de 2020 ficará guardado na história. Mas, como tudo que envolve o ano de 2020 e o Brasil, não será de maneira positiva. Na lista de barbaridades, inclui-se a patética marcha de Bolsonaro e empresários para pressionar o STF a reabrir o comércio, suspendendo o isolamento social em meio a uma pandemia que neste dia vitimou 610 brasileiros, fora a subnotificação; a prestigiada revista científica The Lancet afirmou que Bolsonaro é a maior ameaça no combate ao coronavírus no Brasil; Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, disse que há poucos casos de covid-19 entre moradores de rua porque ninguém pega na mão deles; na economia, o dólar disparou rumo a mais um recorde histórico, fechando cotado a R$ 5,84; e para encerrar um dos dias mais surreais jamais vistos por estas bandas, Regina Duarte, secretária de Cultura, protagonizou o seu papel mais vexatório de uma longa e vitoriosa carreira em entrevista à CNN.

Durante cerca de 40 minutos, as falas da entrevistada reiteravam absurdos de fazer corar qualquer ser humano com um mínimo de bom senso. Regina elogiou a ditadura, defendeu mortes e torturas porque “sempre existiu”, desprezou vidas de maneira abjeta e disse que não poderia transformar a cultura num obituário e fez um apelo para que se olhe pra frente. Que grande ironia! Foi ela que trouxe a Ditadura pra entrevista, cantarolando “Pra frente, Brasil”, hino oficial da Seleção Brasileira da Copa de 70, numa tentativa patética de alívio cômico de uma situação que não possui qualquer possibilidade de atuação senão de desagravo, de repúdio.

O pior estaria por vir. Do estúdio, foi chamada a entrada de um vídeo de Maitê Proença, uma das figuras centrais da primeira crise de Regina Duarte ao assumir a pasta, quando a atual secretaria usou indevidamente a imagens de artistas como se apoiassem o governo. Neste momento, sem ponto eletrônico, diante do confrontamento inevitável, da exposição inegável de quem não tem dúvidas de sua incapacidade e incompetência, lançou mão do único recursos dos covardes: Regina surtou.

Recusou-se a continuar a entrevista, falava interrompendo outras pessoas. Gesticulava muito, visivelmente incomodada, diante da afronta a ela inaceitável de ser contrariada, de ser posta para lidar com o contraditório. No fim, Regina se virou para Daniela Lima, que apresentava com Reinaldo Gottino o programa do estúdio, enquanto Daniel Adjuto era o repórter na antessala da secretaria de onde por ora despacha, e, pedante, perguntou “quem é você?” Ademais, mostrou mais uma vez total falta de empatia e desprezo pela vida ao dizer que estavam ali “desenterrando mortos”.

Dentre todo o retrocesso que significa o governo Bolsonaro, depois de 16 meses de demonstrações inequívocas de que o absurdo é método e crença, uma reação não deveria mais ocorrer: o espanto.

Talvez tenhamos muitos nos deixado levar pelas personagens que marcaram o cenário das artes cênicas brasileiras. Mas artista e personagem são elementos distintos.

Despida de máscaras de personagens para os quais se prepara com afinco para interpretar, Regina mostrou o seu pior lado: o verdadeiro, o real, aquele com o qual convive todo o tempo fora dos palcos e das câmeras, no canto escuro do quarto dos fundos.

Nem ao menos se pode dizer que ela é personagem principal da ópera bufa de um governo desde sempre fadado ao fracasso. Regina é tão somente mais alguém em corpo de bajuladores, que se apoiam em teorias conspiratórias e transtornos paranoicos para despejar o esgoto da alma, usando o medo do bicho-papão “comunista” para justificar suas atitudes. Está ela entre aqueles numa gincana em que o mais distópico e fiel vence a admiração do líder supremo.

Para os que eventualmente se perguntam como pode alguém com mais de 50 anos de carreira pode jogar no lixo toda a sua biografia, há de se assimilar que finalmente se aconchegar entre os seus parceiros de retrocesso é libertador. Deve ser reconfortante para quem se viu tantos anos presa nas amarras da civilidade, poder ir dormir com a consciência mais tranquila pela identificação de que não apenas tem um grupo pra chamar de seu, mas que este grupo detém o poder. É a desforra de quem acumulou anos de ressentimento segurando o monstro e seu bafo pútrido.

Talvez agora, por um brevíssimo período de tempo, Regina Duarte conviva melhor consigo. Não por ter mostrado dignidade humana, porque este é pecado inaceitável em quem faz parte do governo Bolsonaro, mas por ter aberto a porta para exibir sem vergonha, com orgulho!, aquilo que lutou tanto para esconder: ela mesma, em sua essência, em sua maldade, sem texto decorado e máscaras.


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Veja a entrevista de Regina Duarte na íntegra na CNN, em 07/maio/2020:


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