Lendo agora
Replanejamento forçado

Replanejamento forçado

Quando esta revista foi lançada, em junho de 2020, o mote foram as manifestações que naquele momento se opunham às da extrema-direita, numa pandemia que, mal sabíamos, só começava e chegava ao seu primeiro topo de curva. A ideia era a de aprofundar um tópico relevante para o momento, trazendo contexto histórico, referências, uma abordagem aprofundada do que se via nas ruas.

De lá pra cá, tivemos edições com mais entre-vistas, outras mais autorais e fomos testando modelos para chegar a um formato que, se ainda não é o definitivo, é aquele de que mais gostamos e nos sentimos desafiados a escrever – porém confortáveis de saber ser a pauta da vez. E nos mantivemos firmes no propósito.

Esta semana veio, contudo, para sacudir as estruturas e mostrar como planejamento de pauta é algo que algumas vezes pode não valer de muita coisa. Ou, escrevendo melhor, vale muito, mas não está escrito em pedra. Está lá rabiscado num papel grosso com um grafite bem fraquinho, um que qualquer borracha pode apagar.

Inicialmente, esta edição número 13 da Papo de Galo_ revista teria como centro do debate as táticas de controle de narrativas auto-evidentes dentro do bolsonarismo, que é, con-venhamos, a única força política que pauta a imprensa e a opinião pública e com poder mobilizador de massas. Quer dizer: era.

Porque a decisão monocrática de 8 de março de 2021 do ministro do STF Edson Fachin, que anulou as condenações de Lula no âmbito da Lava-Jato ao julgar a vara de Curitiba incompetente para tal, restituiu os direitos políticos do ex-presidente e colocou fogo no cenário político para 2022.

O que se viu na sequência foi uma inversão total do controle da narrativa.

Por alguns dias – e ainda hoje – o governo parou de dar as cartas e encher as redações e manchetes com seus descalabros. Por um tempo, tudo o que se ouvia falar era de Lula. O que, dada a magnitude do ocorrido, seria natural. Afinal, trata-se de um ex-presidente da República, impedido de concorrer nova-mente ao cargo em 2018 justamente pelo processo que anulado por Fachin, e que gera reações sem comedimento ao seu nome.

De início, diversos veículos se dispuseram a replicar análises preguiçosas do que significava a revalidação – mesmo que momentânea, afinal, num embaralhamento de processos jurídicos em que não se tem ao certo como esta decisão de Fachin é impactada pelo julgamento de suspeição de Sergio Moro, pedido por Gilmar Mendes, se a apuração vai ser mantida ou se o caso começa do zero, há mais dúvidas que certezas do ponto de vista processual – dos direitos políticos de Lula. Atendendo a achismos pré-concebidos, distribuiu-se “polarização” e “reação do mercado” sem que se buscasse entender o que leva a isso, se há sentido nesta construção fora de um desejo individual por outro nome que nada tem a ver com querer alguém menos extremista – porque extremista só há um, e não é Lula – mas sim por querer outro mais parecido consigo.

Em poucos dias, o Brasil focou em falar sobre Lula e as consequências do que decidia o STF. Tudo o tabuleiro montado para 2022, já profundamente incerto, à exceção da presença do atual presidente, de repente foi jogado para o alto. Entrou uma peça não necessariamente, mas poderosa demais, e que altera por completo os rumos da corrida presidencial para 2022. Aliás, não apenas esta, mas também a forma como o governo Bolsonaro poderá se comportar daqui em diante.

Dentro desta nova concepção, a pauta princi-pal sobre comunicação autoevidente, definida há mais tempo, que teve entrevistas realizadas e ensaios rabiscados unindo publicações re-centes de gente como João Cezar de Castro Rocha, Pedro Dória e Michele Prado, além de Idelber Avelar, fica para uma edição mais para a frente em sua completude.

Não que tenha sido totalmente esquecida. Nesta edição, lanço a entrevista com Idelber Avelar sobre seu novo livro “Eles em nós: retórica e antagonismo político no Brasil do século XXI” e um artigo que servirá como introdução sobre como o controle da narrativa autoevidente suprime pensamentos.

Daí partimos para ampliar o horizonte sobre o que significa a volta de Lula. Vamos falar de como o STF mudou os rumos da democracia brasileira – seja em 2018 ou 2022 –, trazemos opiniões divergentes sobre se há essa tal polarização, de como o sentimento de esperança por um salvador da pátria está no embrião do Brasil, herança do sebastianismo português, do que significa a reação do mercado e, num segundo passo, a reação generalizada dos analistas de economia sobre a reação do mercado, e muito mais.

Como cereja do bolo, numa traquinagem do destino que alimenta semióticas e muitas teorias da conspiração, calhou que Lula fosse o personagem principal da edição #13 da revista.

Somos nessa edição 6 colunistas, com entrevistas, ensaios, crônicas, e muito contexto.

Boa leitura.


Editorial publicado na Papo de Galo_ revista #13, de 17 de março de 2021, páginas 7 a 9.


Capa da Papo de Galo_ revista #13 mostra Lula sendo abraçado pelo povo. A anulaçãop de condenações do petista no âmbito da Lava-Jato o recoloca não apenas na corrida presidencial de 2018, mas cria oponente poderoso a Bolsonaro no duelo de narrativas pelo controle político nacional.
Capa da Papo de Galo_ revista #13, de 17 de março de 2021.

Assine nossa newsletter!

Conteúdo exclusivo e 100% autoral, direto no seu email.


Contribua!

Antes de você sair…. Tudo o que você lê, ouve e assiste aqui no Papo de Galo é essencialmente grátis. Inclusive o que escreve em outros lugares vêm pra cá, sem paywall. Mas vem muito mais pela frente! Os planos para criar cada vez mais conteúdo exclusivo e 100% autoral são muitos: a Papo de Galo_ revista é só o primeiro passo. Vem por aí podcasts, vídeos, séries… não há limites para o que pode ser feito! Mas para isso eu preciso muito de sua ajuda.

Você pode contribuir de diversas maneiras. O mais rápido e simples: assinando a newsletter. Isso abre a porta pra gente chegar diretamente até você, sem cliques adicionais. Tem mais. Você pode compartilhar este artigo com seus amigos, por exemplo. É fácil, e os botões estão logo aqui abaixo. Você também pode seguir a gente nas redes sociais (no Facebook AQUI e AQUI, no Instagram AQUI e AQUI e, principalmente, no Twitter, minha rede social favorita, AQUI). Mais do que seguir, participe dos debates, comentando, compartilhando, convidando outras pessoas. Com isso, o que a gente faz aqui ganha mais alcance, mais visibilidade.

Livros!

Ah! E tem também os meus livros! “Futebol é uma Matrioska de Surpresas” (2018), com contos e crônicas sobre a Copa do Mundo da Rússia, está em fase de finalização de sua segunda edição. Além disso, em dezembro de 2020 lancei meus 2 livros novos de contos e crônicas, disponíveis aqui mesmo na minha loja virtual: “A inescapável breguice do amor” e “Não aperte minha mente“.

Apoie: assine a Papo de Galo!

Mas tem algo ainda mais poderoso. Se você gosta do que eu escrevo, você pode contribuir com uma quantia que puder e não vá lhe fazer falta. Estas pequenas doações muito ajudam a todos nós e cria um compromisso de permanecer produzindo, sem abrir mão da qualidade e da postura firme nos nossos ideais. Com isso, você incentiva a mídia independente e se torna apoiador do pequeno produtor de informações. E eu agradeço imensamente. Aqui você acessa e apoia minha vaquinha virtual no no Apoia.se.


Ver Comentários (0)

Deixe um comentário

Seu e-mail jamais será publicado.

© Papo de Galo, desde 2009. Gabriel Galo, desde 1982.