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Uber tales: Magdiel

Uber tales: Magdiel

O Renaul Logan vermelho encosta na calçada da Avenida Paulista, cumprindo a profecia do Uber chamado para voltar para casa. Ao volante estava Magdiel. Negro, estiloso, cuida da barba hispter e do cabelo que acompanha o design, longo nas extremidades, curto na altura das costeletas e orelhas, paletó pendurado no banco do motorista. No banco de trás me faz companhia um papel plastificado pedindo 5 estrelas na avaliação no aplicativo.

Em poucos minutos, seu sotaque de recém-chegado ao desvairo da pauliceia abriu caminho para a conversa.

 – Estou em São Paulo tem um ano e meio. Vim de Rio das Ostras, na região dos Lagos do Rio de Janeiro.

Já com 25 anos de idade, caiu meio que de paraquedas em São Paulo.

– Conheci um cara que faz palestras no YouTube. Eu comecei a comentar nos vídeos, eu gosto do que ele fala. Daí ele ia respondendo, e a gente foi se aproximando. Eu sou especialista em Segurança do Trabalho na indústria de Óleo e Gás. Aqui em São Paulo não tem como trabalhar nesse segmento, e eu não tenho experiência nenhuma em outro lugar. Com a crise, um monte de empresa foi embora do Rio, os terceiros fecharam as portas e eu fiquei desempregado. Daí esse cara me chamou para vir para São Paulo e trabalhar com ele.

O YouTuber é Mario Schwartzmann, criador da semsucesso.com, um negócio estranho e altamente pilantrático, desenhado para iludir e tomar o dinheiro de tantos que necessitam de uma mensagem de “você consegue, você pode”. Senti um pouco de pena do Magdiel pela enrascada em que se meteu. Diz ele:

– Saí logo depois. Eu cuidava da agenda dele, era assistente. Mas não era o que eu queria fazer.

Não abriu o que aconteceu, o estopim para sua saída.

– Comecei, então, a trabalhar do que pintava. Fui pedreiro, garçom no Outback, fiz de tudo um pouco. Até que pintou o Uber, consegui alugar esse carro e tô aí tentando sobreviver. Não posso ter o meu carro porque meu nome está sujo. Se eu ganhar dois mil reais por mês já me basta. Pago meu aluguel, minhas contas, minha cerveja, minha faculdade.

– Você faz faculdade de quê?

– Na verdade eu não faço ainda. Quero fazer direito. Eu gosto de falar. Dou minhas ideias bem, levo jeito para a coisa. Mas não quero nem vara de família nem criminal, não tenho estômago para isso. Me falaram que tributário dá muito dinheiro, quero ir por esse caminho.

As palavras saem em tropeções, amarradas e sem fluência. O que torna a parte de achar-se bom comunicador um tanto triste. Independentemente disso, o garoto é trabalhador.

– Com a minha idade, eu sei que poderia já ter feito muito mais coisa na vida. Perdi muito tempo. Hoje estou de novo tendo que recomeçar. Mas não tem tempo ruim, não. O que aparecer eu faço; eu corro atrás. Saí da casa de minha mãe sem nada no bolso, largando casa e família, mudando de cidade. As pessoas falam “nossa, que coragem”, mas o que eu poderia fazer? Peguei o que surgiu na frente. E vim sem olhar para trás. A vida é apertada, mas eu me viro. Fui ver minha mãe no Dia das Mães. Gastei oitocentos reais, fiquei mais apertado ainda. Mas, com fé em Deus, tudo vai dar certo.

Vai dar, vai mesmo.

Porque somente pode dar para aqueles que trabalham muito.

E esse é o caso de Magdiel, sua vaidade, seu temperamento um tanto desgarrado e corajoso, salpicado por uma inocência que lhe confere um ar um tanto juvenil. Torço para que outros pilantras do sucesso fácil não mais lhe cruzem o caminho. E que mantenhas as raízes de alguém ainda simples e sabedor de suas origens.

– Alguns me perguntam “é melhor Rio das Ostras ou São Paulo?” Pô, Rio das Ostras é legal demais, tem praia, é outro clima. Mas se tem que trabalhar…

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