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O ensino da persistência

O ensino da persistência

por Juliana Tourinho

Como a experiência de torcer por seu time reflete a relação com sua cidade? De imediato achei que seria uma das coisas mais fáceis de colocar em palavras, afinal de contas ser Vitória e ser soteropolitana são coisas óbvias, fazem parte da minha existência. Ledo engano.

Ensaiei, escrevi, apaguei, pensei. Então resolvi começar do começo, como dizem por essas bandas. E o começo é que eu era Vitória antes mesmo de botar o corpinho nesse mundo. Sim, eu sei: todo pai (e mãe, por que não?) apaixonado por futebol já planeja a vida no estádio junto ao rebento – embora acidentes de percurso, por assim dizer, possam ocorrer.

Mas no meu caso casou de o desejo de meu pai ser muito bem aceito por mim e eu frequentei e me habituei a estádio muito antes de ter consciência do que era o privilégio da baianidade nagô. Ainda pequena aprendi o que era conviver com o oposto, na alegria e na tristeza. O valor de um sonho se tornar uma realidade a pequenos passos, com muito suor, vendo o potencial para a beleza e grandeza onde muitos só viam coisas ruins. É pedir ajuda ao inexplicável, é fazer ateu fazer promessa pra ganhar clássico, é a esperança de um resultado favorável em tempos desfavoráveis.

“Mas o que tem a ver alhos com bugalhos, criatura?”. Explico: é do baiano manter sempre um sorriso no rosto, mesmo quando a coisa não anda lá essas maravilhas. É a esperança que vive mesmo quando a razão insiste no contrário. É ser o sagrado e o profano assim, tudo junto e misturado, e saber que se não der pra resolver com um acarajé, uma praia ou um por do sol no Humaitá, então é de fato um problema. E tudo isso de certa forma o Vitória me ensinou sem eu nem saber o conteúdo da aula que estava assistindo.

O Vitória me ensinou a persistência por algo que nem a gente sabia direito o quão importante seria quando olhou pra um aterro e resolveu que ali o leão ia fazer sua toca. É sobre ouvir desaforo e se manter inabalável, assim como muitos baianos e nordestinos que estão por esse Brasil afora escutam, mas sabem o valor da sua casa, de botar o pé na areia da praia. É olhar cada canto da cidade e enxergar beleza – mesmo que ao chegar mais perto as trincas estejam ali. Não é sobre ser o melhor, maior ou mais importante e sim sobre o valor que tem por ser um pedaço de quem você é.

 E mesmo quando os “tempos desfavoráveis” que citei lá no início, há um aprendizado e ensinamento. Em momentos incertos, nos quais nossa identidade como rubro negros e nordestinos parece estar sendo colocada em escrutínio, batemos no peito e reforçamos nosso dizer: temos grande valor, não tememos e estaremos contigo. Em tempos tão incertos como o que vivemos em nossa cidade (e país), nosso sentimento segue, sem lógica ou explicação, movidos pela fé que anos de arquibancada nos ensinaram: vai passar.

Porque a leveza do baiano misturada com o sangue rubro negro é uma das coisas mais incríveis e mágicas – assim como nosso santuário – que existe. É querer contar os artistas que torcem pro Leão, é querer saber logo o time quando alguém aparece no cenário nacional, é se orgulhar de cada pequena ação além das quatro linhas que vai impactar a sociedade, é ver as nossas cores em qualquer adaptação relacionada a cidade porque no fim, para nós, somos um só.

No Barradão com o pai e o irmão. Família rubro-negra na segunda casa.

Mas eu falei um monte e sinto que falta um depoimento mais direto, estilo “arquivo confidencial” (deus me dibre do que sairia disso na vida real). No fim das contas acho impossível separar de forma direta como torcer pelo Vitória impacta na minha relação com a cidade.

Eu sei que vejo meu time em todos os cantos, seja nas comemorações ou nas decepções. Cada vez que pego um manto sagrado e coloco pra dar uma volta sinto a responsabilidade de representar independente de momento em campo.

Viajar de avião com a camisa do Vitória é sagrado pra mim, pelo menos em um trecho, para reforçar o orgulho em falar “soteropolitana & rubro negra”. É suar litros quando alguém me pede pra falar dele por receio de macular a minha condição de rubro negra soteropolitana. Mas, acima de tudo, por termos vivido bons e maus momentos, meu time me ensinou a ver o lado bom em absolutamente tudo, em saber dar um tom de piada (não se deixe enganar que por estar rindo eu não estou fula da vida) e saber que dessa vida a gente tem que aprender a rir e a chorar, mas que tudo no dia seguinte parece melhor e que uma solução está em nosso alcance.

E essa lição eu carrego no peito para saber viver minha cidade, que além de primeira capital do Brasil tem um lugar cativo em meu coração.

*Juliana Tourinho é soteropolitana, rubro negra, engenheira e, nas horas vagas, cinéfila e louca das séries. Sigam-me os bons!


Artigo publicado na Papo de Galo_ revista #14, de 28 de março de 2021, páginas 38 a 41.


Capa da Papo de Galo_ revista #14, de 28 de março de 2021.

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