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A dignidade do simples

A dignidade do simples

Oh, chalana sem querer,
tu aumentas minha dor.
Nessas águas tão serenas
vai levando o meu amor.“

Esse trecho da música Chalana, escrita por Mário Zan e Arlindo Pinto, cantada por tantas vozes, traz em si alguns dos ingredientes para uma boa história. A descrição do local onde se passa a cena, o conflito, e o olhar poético.

O local: o rio Paraguai. O conflito: um coração partido de uma mulher, e o arrependimento do homem. O olhar poético: a beleza da tristeza de um desamor. Pronto, está feita uma bela história, digna de luzes e tapete vermelho.

Exalto a beleza dos comuns para também incentivar o leitor a olhar para si com mais compreensão –  e compaixão -, entendendo que as suas fraquezas fazem parte do todo. Sobretudo, ajudo o leitor a enxergar relevância em seu mundo, e assim poder escrever sobre o que tem por perto.


Besouro, menino, grilo

O escritor e poeta Manoel de Barros faz isso maravilhosamente bem na sua obra. Ele dá dignidade ao rio de águas serenas, ao grilo, ao besouro, ao menino. E tira deles pensamentos filosóficos complexos, mensagens profundas e de muita delicadeza.

É isso. Não complique, simplifique. E ao mesmo tempo muna-se de conhecimento profundo e complexo. Engrandeça o seu cérebro e o seu coração. E não esqueça dos seus sentidos biológicos e subjetivos. O cheiro, as cores, as texturas, a tristeza, a alegria, todos os sentidos fazem a diferença, quando descritos. O leitor se sente parte da história, se sente incluso.

Da janela da cozinha da casa dos meus avós se viu os filhos, netos e bisnetos da minha família crescerem. Uma cena simples. Esta imagem, que permanece viva e colorida dentro dos meus olhos, é como lenha na fogueira dos desejos. A minha fogueira, feita do meu desejo de compartilhar essa lembrança e tantas outras, através da escrita. De escrever sobre ser e estar no mundo, e o que o homem faz estando nesta condição.

Quais os seus feitos? Quais as vivências que podem deixar uma compreensão de mundo? E como escrever histórias de vida? Como deve ser o meu olhar diante do que me contam, de lembranças que não são minhas? Tantas perguntas… mas nenhuma que não possa ser respondida com um exercício simples.


Modos de ver

Pelo menos uma vez na vida você precisa deitar-se no chão embaixo de uma árvore e olhar para cima. Ter um tempo livre para ser parte daquele momento, ser parte daquela árvore, daquela grama, daquele sol. Sua visão será unicamente a copa desta árvore, só que de baixo. Verá o céu entrecortado pelos galhos e conhecerá as partes de baixo das folhas. Um novo tom de verde se apresentará, assim como uma nova árvore.

Um dia, no quintal de um casarão em Lençóis, na Chapada Diamantina, vivi essa experiência. Era um quintal extenso, com árvores altas e antigas. O tempo lhes deu copas tão volumosas que uma se misturava na outra, fazendo com que as muitas árvores parecessem uma só. Era início da manhã, e eu deitei no chão. Olhei para cima e conheci nova paisagem.

É assim com a escrita de histórias de vida. As pessoas se mostram mais inteiras quando as enxergamos por outro ângulo. Se quer escrever sobre as pessoas deve conhecer, dar tempo ao tempo, deitar-se aos seus pés como ouvinte e observador. Deixe ela falar, e ouça. Ouça não só a sua voz, mas o seu corpo. Um olhar, uma expressão, capte a essência dela, e assim captará a essência do seu texto.

Somos humanos, todos, mas não somos iguais. Temos muito a ensinar com nossas diferenças. Novas paisagens refrescam os ares e amplificam a consciência.


Máquinas do tempo

Histórias de vida de pessoas reais, de carne e osso, são combustíveis para a sociedade. As pessoas querem expressar a sua passagem pelo mundo, o seu legado, assim como conhecer a do outro, e o texto está aí para isso. As histórias perpetuam a vida, uma cultura, um modo de ver e viver. Emendam o fim com o início de cada geração.

Ler e escrever sobre a vida de pessoas reais contribui para nos conhecermos e evoluirmos como seres humanos. É compreender que o homem imperfeito, é perfeitamente capaz de evoluir, tornando a humanidade e o mundo cada vez melhores.

Vamos ser máquina do tempo e narrar em palavras momentos simbólicos que já aconteceram. Ser espelho para refletir com êxito quem está na nossa frente. Ser um diário para passar confiança e ouvir desabafos, segredos, confissões. Ser filtro de pano para selecionar os prós e contras. Ser lua, ser sol, ser chuva, ser vento, ser brisa e temporal, para saber dosar as intensidades de uma vida.

Isso é ser escritor de histórias de vida, e te convido para entrar para o clube. Entre, puxe uma cadeira, vamos conversar sobre a vida, vamos observar o tempo, os ensinamentos, o nascimento de mais uma criança, o envelhecer dos tios, dos pais, dos avós. Olhar fotografias antigas, ler os bilhetes guardados dentro dos livros de romances. Olhar para trás e para o futuro. O futuro que estará garantido em seu texto.

Te espero, escriba.


Artigo publicado na Papo de Galo_ revista #15, de 16 de abril de 2021, páginas 38 a 41.


Capa da Papo de Galo_ revista #15, de 16 de abril de 2021.

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