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A saída é a saída

A saída é a saída

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2020 é passado. Entramos em 2021 carregados de esperança. Vacina se aproximando, Trump derrotado nos EUA.

Havia, portanto, na virada do ano um sopro de esperança de que, enfim, as coisas se encaminhariam para encontrar um ajuste mais civilizado.

Mas o novo ano chegou logo com uma tentativa de golpe de estado nos EUA, apoiada e financiada pelo então presidente em exercício, Donald Trump. O ataque ao Capitólio, destaque desta 10º edição da Papo de Galo_ revista levou a instituição golpe de estado para os quintais de Washington. Deixou de ser assunto orquestrado overseas para se tornar realidade ao alcance dos dedos.

Qual haveria de ser, então, a esperança num 2021 se a pretensa maior democracia do mundo – em que se pese o fato de que o voto da maioria eventualmente não se traduza em presidente eleito – vivia uma instabilidade jamais vista desde a guerra de Secessão?

Ali eles estavam, no entanto.

Stacey Abrams.

Os EUA chacoalharam o monstro da extrema direita para bem longe dos holofotes. Foi necessária uma coalizão das mais diversas forças institucionais para a manutenção da democracia. Partidários do presidente declararam oposição; Stacey Abrams mostrou o poder do trabalho de base, virando a Geórgia para o lado democrata; imprensa elevou o tom; até mesmo as redes sociais agiram para banir o bufão mentiroso de suas entranhas.

Se antes havia dúvida se a extrema direita seguiria à via radical, Trump tratou de provar que para eles, a democracia é um empecilho e que o golpe, em algum momento vem.

Bolsonaro observou os desdobramentos do dia 6 de janeiro com atenção. O resultado do rompante autoritário seria modelo ao inepto presidente tupiniquim. E apesar de seu déficit cognitivo assustador, Bolsonaro foi capaz de chegar à conclusão para o insucesso da empreitada: a ausência das forças de segurança do Estado ao lado dos armados terroristas domésticos.

De alma terrorista – o registro do exército do por hora ocupante do Palácio do planalto não me deixa mentir – e com as veias pulsando Ditadura, Bolsonaro sabem o que isso significa. E se dedica a, em vez de governar –atividade que não tem a menor condição de exercer – agradar as forças policiais, oferecendo mamatas e marcando presença em eventos de formação de cadetes e outras atividades sem valor para a importância de um presidente da República, a não ser que o plano seja outro. E é.

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E diuturnamente Bolsonaro atenta contra a estabilidade democrática do país, e não se enrubesce de estender a pandemia ao máximo de sua capacidade, mantendo o atrito do debate público, criando o caos necessário para justificar a sua existência.

Só que a queda de Trump tem, sim, efeitos colaterais no Brasil.

Em edições futuras vamos falar de como o dinheiro que irriga as ações digitais do bolsonarismo, bem seu braço violento de campo, tende a migrar de volta aos EUA, onde o espaço precisa ser recuperado. A ascensão de um extremista nos Estados Unidos habilita outras nações e projetos de ditadores a seguirem o mesmo rumo. Sem Trump, perde-se a referência. Sem Trump, perde-se o elemento que instiga a revolta tacanha de uma direita que não se envergonha de unir conceitos conflitantes em sua agenda – implodindo-a por completo.

Não há, pois, agenda fora da instituição de um regime ditatorial de poder.

Anos atrás eu acompanhava o trabalho da Eprocad, ONG de projetos sociais por meio do esporte de Santana de Parnaíba, região metropolitana de São Paulo. Seguindo a metodologia do Futebol de Rua, os jovens alunos da instituição discutiam quais seriam as regras do jogo antes da partida. Democracia em ação, política na veia.

Alguém invariavelmente dizia que não poderia xingar, para ser interpelando dizendo que isso nem precisaria estar nas regras, porque óbvio.

Analogamente, esta é a grande brecha da democracia.

Porque dentro de uma democracia confia-se na civilidade de seus participantes. Confia-se que os representantes políticos agirão dentro de uma normatividade ética que não leva a rupturas. Aceita-se, pois, que os que adentram o cenário público aceitam implicitamente as regras autoevidentes das boas práticas de postura pública.

Só que no âmbito das leis, o que não está explicitamente proibido, está permitido. E o que é aberto demais a interpretação pode ser usurpado por uma gente que porventura ascenda ao poder sem compromisso com a estabilidade democrática.

É onde nos encontramos. Bolsonaro e os arquitetos da extrema-direita nadaram no limbo das leis para fazer valer suas nefastas intenções.

Subvertem rotineiramente a ordem, contrariam a lógica, ignoram os mais essenciais atributos civilizatórios porque esse é o caminho para enfim promover seu golpe de estado, com o amparo das leis refeitas, do silenciamento da imprensa, da polícia miliciana e de uma população absorta em meio ao caos, incapaz de diferenciar o que é fato do que é invenção.

Laerte.

Em maio de 2020 perguntei em artigo com quantas ameaças se desfaz uma democracia. A grande ficha, como desenhou Laerte – internada, Laerte é mais uma vítima das agruras de uma doença que já matou mais de 200 mil brasileiros, e tomara que ele não entre nessa mórbida estatística – um dia ela vai cair.

E ela está caindo.

Assim como Trump já caiu.

O discurso autoevidente vai mudando de polo. Apesar de um impeachment ter condições bastante específicas em seu processo, e do trauma político óbvio, está mais do que claro:

A saída para o Brasil é a saída de Bolsonaro. Nada além disso importa.

E a queda virá não com besteiras de vestir amarelo, nem com inúteis notas de repúdio.

Mais Stacey Abrams, menos Twitter.

A fórmula está aí.

É trabalho de base. De mobilização. De não deixar a pressão arrefecer. De acuar os ratos contra a corda, como der.

Via insatisfeitos dentro de estruturas aparelhadas como MP e PF. Via imprensa ativa e chamando as coisas pelo nome certo, sem dourar a pílula para normalizar o governo. Via pressão popular incansável. Carreata, panelaço, o que for de seu agrado. Via abertura de processos de impeachment no Congresso. Via vigilância do STF.

Foi assim que Trump caiu. Pela união de forças, até mesmo de quem milita em trincheiras diferentes.

Alianças são feitas e mais poderosas quando se alinham elementos dissonantes. O inimigo do meu inimigo pode ser meu aliado de ocasião.

Bolsonaro fabrica inimigos e os materializa diariamente porque precisa. Mas não nos enganemos:

Quem fabrica inimigos o faz para esconder o fato de que é o verdadeiro inimigo a ser combatido.

Boa leitura.

Foto: Eraldo Peres | Associated Press

Bolsonaro também.


Editorial para a Papo de Galo_ revista #10, de 29 de janeiro de 2021, páginas 7 a 11.


Monica Calazans, Coronavac, pandemia, Butantan, vacina, Eleições EUA, Papo de Galo, revista,
Capa da Papo de Galo_ revista #10, de 29 de janeiro de 2021.

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